O Acampamento não é a nossa Casa

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Minhas damas e eu chegamos no acampamento acompanhando os últimos raios de sol. Descemos da carruagem em meio a risos e tecidos.

Antes do último degrau Madalena fitou o horizonte, vendo o mar como se aquela fosse a primeira vez em que encarava as ondas.

- O que foi Madalena? Essa não é a primeira vez que você vem a praia? Ou é? – Bere pergunta, puxando a amiga em direção a cabana de cravos.

- Vocês ficam muito tempo aqui? – Ela balbucia. O som das gaivotas no fundo e o céu dando lugar aos tons arroxeados, pintou ali um doce momento de vislumbre.

- Não muito. Uma semana por ano, mais ou menos. – Bere responde. Eu estou ajudando a descarregar as sacolas enquanto vejo as meninas se afastarem. Encaro a paisagem que deixou Madalena pensativa. Diferente da cidadezinha, a costa de Concordia é realmente muito bonita. Não é nossa casa, mas ainda assim é bela.

Ao me aproximar da cabana de cravos, escuto um ressoar de tambores. Os marujos estão festejando. Todas as noites que vivemos são feitas para serem comemoradas. Eu caminho com minhas botas afundando nas areias claras, homens embriagados passam por mim levantando seus copos, as cantigas sendo cantadas de forma animada e totalmente desafinadas. Eu sorrio, desviando de roupas, botas e espadas, jogadas ao léu. O sol mal deixou seus últimos traços e o cheiro do álcool já está quase mais forte do que o cheiro do mar.

Chego até a cabana de cravos, onde Bere e Antonieta estão contando a Maria sobre Madalena, sem que a coitada possa se quer dizer uma palavra.

Maria me encara, sentada em uma das cadeiras da mesa de jantar. Assim como eu, não está ouvindo nada do que as duas estão dizendo e da mesma forma que meu olhar desenhou cada curva do seu corpo, eu sei que o dela fez o mesmo por mim.

- Achei que não dormiriam em casa hoje. – Escuto o tom debochado de Tavaras vindo do outro lado da sala. Esticada como um gato, ela repousa no sofá de panos. Eu começo a sorrir antes mesmo de encontrar seus olhos. – Temos uma reunião com o conselho meu Duque. – Ela termina. Levantando do sofá e caminhando até mim. Berenice e Antonieta ainda estão paparicando Madalena. Não sei dizer se realmente gostaram da menina ou se estão fazendo inveja dos bons cuidados a Maria.

Tavaras tira as sacolas de minha mão, avalia o conteúdo e faz um sinal de aprovação. Joga as sacolas no chão da cabana, me encara e estala os lábios. – Vamos?

A Cabana Maior está mais quente que o normal. Eu estou tão cansado que não consigo pensar nos assuntos burocráticos e tudo que eu faço é concordar e assinar alguns papeis.

- Então Duque, quando vamos conversar sobre sua nova aquisição? Uma comerciante de vinhos ouvi dizer? – Asnos comenta do outro lado da mesa. Consigo sentir seu cheiro de longe. Suas vestes brigando com cada botão, torcendo para manter-se no lugar. Meu amigo, você precisa de uma dieta.

Alfredo levanta os olhos e encara Asnos, curioso com as informações.

- Eu nunca vou me acostumar com a velocidade que você consegue informações Asnos – Eu sorrio de volta. Uma menina preenche minha taça, danço meus olhos entre suas pernas conforme ela se afasta. Tavaras revira os olhos desaprovando meu comportamento. Os demais conselheiros se posicionam na mesa, ansiosos por mais informações. – Eu a conheci na taberna de vinhos hoje a tarde. A recrutei. É bonita e tem um excelente trunfo, seu conhecimento sobre vinhos. Também sabe servir e se portar a homens. Está a venda com um lance mínimo de 200 moedas. – Terminei meu relatório bebendo do vinho e aguardando as discussões.

Os conselheiros aprovaram o recrutamento e pediram encarecidamente que Tavaras trouxesse a menina para que pudéssemos começar o leilão.

Uns instantes depois Tavaras retorna a Cabana Maior, com Madalena ao seu encalço. A menina está escondida nas sombras de Tavaras, tremendo de medo. Os conselheiros, por sua vez, se divertem com a timidez da garota, se posicionam em suas cadeiras para poder assistir. Tavaras cochicha algo no ouvido de Madalena que concorda e sorri. Conhecendo Tavaras, ela deve estar desejando "boa sorte".

- Antes de dar inicio ao leilão, como membro do conselho, eu gostaria de colocar minha opinião. Aqui presente temos somente 3 dos 4 representantes e essa venda pode ocasionar em discórdia, já que o representante legal da Espanha não se encontra. – Tavaras, como sempre, muito cortês, responsável e burocrática. Os conselheiros questionam a informação entre si.

- Muito simples, quando o representante espanhol chegar, perguntamos se ele gostaria de cobrir a oferta ganhadora, caso sua resposta seja positiva, promovemos um novo leilão. – Diz Alfredo. Os demais conselheiros parecem convencidos. Tavaras da de ombros e senta ao meu lado. Eu a encaro. Nenhum semblante negativo parece a atingir, o que me faz acreditar que seu dia tenha sido bom. – Se ninguém mais tiver nenhuma objeção, eu gostaria de dar inicio aos lances. – Alfredo se posiciona na mesa.

- Madalena – Eu chamo a atenção da menina, que até o momento fitava o chão parada no centro da sala, em frente a mesa. Ela me encara e engole em seco. – Tire suas roupas. – Eu digo. Vejo seu corpo frágil estremecer.

Madalena começa a despir-se, de forma lenta e pausada. Não em uma tentativa de sedução, mas uma forma de contorcer a vergonha.

- 250 moedas de ouro – Diz Alfredo, antes mesmo do vestido da garota escorregar pelos seios.

- 300 moedas de ouro – Diz Asnos, encarando o colega. O leilão não é apenas uma forma justa de comprar mulheres, mas também um joguinho sádico de poder. Os homens ali presentes possuem a falsa crença de que são mais poderosos do que reis, já que possuem nações inteiras em suas costas. Aquela sala encobre guerras frias, manipulações e vidas.

- 350 moedas de ouro – Francis dispara, quieto até então. Eu o encaro. Normalmente a França não costuma gastar tanto em seus investimentos. Volto meu olhar para Madalena. Seus cabelos castanhos soltos ao longo do corpo. Sua pele branca como uma porcelana. Está completamente nua, segurando os próprios braços em um abraço reconfortante. Tavaras a vislumbra, agora com um rosto piedoso.

- 400 moedas – Tavaras diz. Deixando a sala inteira em choque. Normalmente Tavaras não compra garotas, a última faz uns dois anos e não conversamos sobre ela. Escorrego minha mão até a coxa de Tavaras, um gesto simples para lembra-la que estou ali, para o que ela precisar.

- 700 moedas de ouro. – Foi o último lance. Alfredo levanta de seu assento sabendo que nenhum de nós cobriria a quantia. Ele caminha até a garota com sua taça em mãos. Ele não encosta na garota, apenas caminha em círculos em volta dela. Faz um olhar de aprovação para mim e volta ao seu lugar. Assim que ele se afasta eu vejo Madalena suspirar de alívio. Como se ela estivesse segurando o ar desde o primeiro lance.

- Madalena, você pertence a Inglaterra agora. Suas vestes, comida, banhos e treinamento serão atribuídos pelos leões. Espero que se sinta em casa. – Eu digo como de costume. – Está dispensada. – Assim que eu digo a garota junta suas roupas com rapidez, duas mulheres entram pela porta dos serviçais e a levam para outro cômodo. Eu jogo a cabeça para trás aproveitando aquele momento de paz.

O barulho das moedas batendo contra a mesa me traz de volta para a realidade.

- Suas 700 moedas meu Duque. É sempre um prazer fazer negócios com o senhor! – Alfredo diz apontando para o saco em minha frente.

Eu olho a quantidade de ouro ali presente e penso sobre a hipocrisia do mundo. Existem filhos sendo vendidos por 3 moedas de ouro, porcos vendidos a 4. Famílias vivendo por 10 moedas por mês. Eu comprando uma mulher por 100 e a vendendo por 700. Eu comprando primas por 600. Um joguinho sujo, como se pessoas realmente tivessem valor.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora