Um caos por dentro

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Estou cambaleando em direção a Cabana de Cravos com minhas botas afundando na areia, o mar beija a costa com sutileza, em contraste com minha caminhada desengonçada, equilibrando-me apenas em meu ego.

- Precisa de ajuda, meu duque? – Demoro para reconhecer a moça em minha frente contemplando a imensidão de água salgada. Madalena está bem vestida, com os cabelos bem firmes, preso por o que pode ser uma centena de grampos. O vestido é leve, deixa seus ombros a mostra, o tecido é esvoaçante.
- Pelos mares! Você está fantástica. – Me ouço dizer. Ela se aproxima, ainda abraçando os próprios braços.
- Você consegue caminhar embriagado assim? – Ela questiona.
- Pergunta estranha de se fazer para um pirata, já que passamos uma boa parcela de nossas vidas embriagado... – Respondo – Mas se você quiser me acompanhar até o meu quarto, eu adoraria. – Não tenho controle sobre a minha cara e a inspeciono dos pés a cabeça, deliciando-me em cada detalhe. Ela apenas sorri, me da um de seus braços e caminha junto comigo.

A cabana de cravos está curiosamente silenciosa. Não encontro nenhuma das minhas meninas no salão principal. Com a ajuda de Madalena, subo as escadas, eu estou tentando não fazer barulho, para não chamar a atenção das minhas mulheres, mas parece ser o mesmo do que soltar um monte de gansos em uma vidraçaria. Ao passar pelo quarto de Tavaras eu posso ouvir um dialogo preocupante. Peço para Madalena esperar um instante. Eu sei que ouvir atrás da porta é errado, mas na minha lista interminável de pecados, esse nem é o mais assustador.

- Você sabe o que é ser indesejada pela própria família Tavaras? – Escuto a voz de Maria vir de dentro do quarto. Meu cérebro tenta acompanhar o relacionamento estranho dessas duas, mas eu não consigo. – Meu pai tem todo o dinheiro que ele precisa e o usou para me esconder nessa cidadezinha de merda, porque eu sou uma VERGONHA para ele. – Eu me aproximo da porta para conseguir ouvir melhor – Ele não me ama, não quer me proteger, ele quer proteger a sua reputação. O duque ter me sequestrado foi um alívio, agora ele não precisa ter coragem para mandar me matar. – Cada palavra dela era um soco no meu estômago.
- Maria... – Ouço Tavaras dizer por fim. – Você não está mais sozinha. – Teve uma pausa – No início, talvez, mas hoje você embarca conosco e em alguns meses, ninguém mais vai lembrar que você se juntou a nós dessa forma, será amada e respeitada pela tripulação.
- E quanto a ele? – Maria questiona e eu sei que ela está falando de mim. – Ele ama você, Berenice e Antonieta e eu... eu sou seu novo brinquedo que ele se lambuza quando está entediado. Se não tiver dinheiro envolvido, ele pode me deixar no próximo porto e eu vou estar sozinha de novo. – As palavras começaram a ficar manchadas pelo som das lagrimas.
- Ele não é tão cruel assim Maria. – Ouço Tavaras me defender. – E mesmo se ele for, também não é o único com muito dinheiro. Eu pago por sua liberdade, se for o caso. – Eu sorrio ao pensar na benevolência de Tavaras e em sua preocupação com a saúde dos outros.

Tavaras sempre se decepciona comigo. Ela é uma pessoa boa, e eu... Eu sou o vilão da história.

Madalena me carrega até meu quarto. Na cabana de cravos meu quarto é bem diferente da estalagem na cabana maior, é somente uma cabine. Uma cama pequena, uma mesa e uma cadeira. Aqui eu venho só quando não quero a companhia de ninguém. Eu chego tirando as botas, o casaco, as facas, jogo tudo pelo chão.
Vejo através da visão periférica Madalena me observar ainda da entrada do quarto.

- Obrigada pela companhia Madalena... – Digo. – Devo perguntar se quer deitar comigo? – Ela arregala os olhos, acho que me olhava, mas não me via, imersa em pensamentos.
- Perdoe meu duque, mas eu ainda sou virgem. Não posso me deitar com ninguém antes de encontrar com o meu comprador. – Ela fala em tom de justificativa. Eu me aproximo, abrindo o cinto que prende as minhas calças. A vejo engolir em seco.
- Menina tola. – Eu estou perto de mais dela, posso sentir o seu cheiro e a ver mordendo os lábios, retesando as pernas e se perdendo em desejo. - Existem mais de uma forma de se ter prazer, sem que você precise perder o que tem de tanto valor. – Fecho a porta a sua direita, passo a chave, escuto ela respirar bem fundo. A encaro, entrego o cinto em suas mãos. Ela o encara. Viro de costas, tiro a camisa e me ajoelho em sua frente. Eu não preciso dizer mais nada. Alguns segundos depois, escuto o cinto cortar o ar e o estalar em minhas costas chicotear todo o ressinto. Prendo o gemido em minha garganta. Madalena tem a mão pesada, perfeito.

A dor e o prazer caminham lado a lado, uma linha tênue separa nossos medos de nossas fantasias. Quando eu estou um caos por dentro, a dor me faz lembrar que eu ainda tenho um corpo, um espaço aqui fora e que eu preciso recuperar a consciência sobre isso.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora