Você nunca pensou em ter filhos?

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Eu acordei com Maria empoleirada em meu peito. Dormindo pacificamente em minha cama. Observo que em cima da mesa repousa apenas uma bandeja com o que eu imagino ser chá. Tavaras deve ter passado ali mais cedo. Penso se devo levantar ou esperar Maria acordar? Nossa aventura ainda está passando em minha cabeça, porém, ela não tinha ido ali atrás de uma aventura. Ela foi buscar minha confiança. O que deve ter deixado Maria insegura ao ponto de vir até o meu quarto? A briga com Antonieta pode ter sido um impulso, mas ainda assim, Antonieta me deu sua palavra que Maria esteve envolvida em atividades suspeitas. Eu tiro meu braço de debaixo do corpo franzino de Maria e caminho até a mesa.

Junto com o chá está um bilhete, Tavaras pede uma reunião com o conselho para finalizarmos nosso ano, afinal, em 2 dias estaremos em casa.

Eu sirvo a xicara de chá e beberico, é horrível. Tavaras escolheu uma erva que ajuda na dissolução do álcool, mas o gosto, é uma maldição.

Caminho pelo quarto para pegar uma roupa limpa. Abro o baú e vejo a rosa de ouro envelhecido, esse amuleto me persegue. Dona me persegue. Habitando meus pensamentos, um sussurro me dizendo que eu nunca serei genuinamente feliz enquanto não estiver ao seu lado. Meu coração de terra bateu em meu peito. E doeu.

Já me convenci, que quando eu atracar na baía esse ano, eu não vou mais voltar ao mar. Estarei com minha mãe, com minha esposa e minha filha e o temível Duque, será apenas uma lenda. Como o barba azul.

Pego a muda de roupa e fecho o baú. Me visto e Maria segue dormindo. Escrevo um bilhete para ela e deixo no travesseiro ao seu lado.

Saio pelo quarto, fecho a porta atrás de mim e me dirijo a cozinha.

Antes de adentrar o ambiente escuto a conversa entre as serviçais e minhas mulheres. Antonieta e Berenice estão descascando batatas. Quando estão entediadas elas brincam de donas de casa.

- Vocês nunca quiseram ter filhos? – Bernadete pergunta as minhas mulheres. Meus pés fincam no chão. Eu sei que ouvir a conversa atrás da porta não é educado, porém, de todas as coisas que eu já fiz, essa não vai ser a mais cruel.
- Não, eu nunca quis ter filhos. – Antonieta quebra o silencio constrangedor. – Eu sempre me vi como uma mulher livre e um filho me prende. Me prende à um homem, à uma casa, à um reino. Sem contar que uma criança toma para si toda a vida boa. – Ela arranca risos das mulheres da cozinha. Essa é Antonie, uma mulher encantadora, um cisne. E a vida de dona de casa, realmente não combina com ela. Até mesmo agora, descascando batatas, eu tenho dó das batatas.
- Eu quero. – Berenice diz. Os olhares se voltam pra ela, eu engulo em seco, observando através da fresta da porta. Ela pisca várias vezes, acho que nunca proferiu essas palavras em voz alta. – Eu quero uma criança! Um menino ou uma menina, tanto faz. – Ela coloca a mão na barriga. – Eu poderia ensiná-lo tudo que o mar exige de um homem e a ela, eu poderia ensinar tudo que a vida exige de uma mulher. – A cozinha inteira não diz uma palavra. Berenice larga as batatas e limpa os olhos. – Eu sempre fui muito romântica! – Ela sorri, as outras mulheres sorriem em piedade. – Não é como se eu não tivesse tentado. – Ela explica e eu começo a rever nossas noites em conjunto. – Mas acho que os deuses não me presenteariam com tal benção. – Antonieta a abraça, por que sabe que esse assunto é delicado e Berenice estar compartilhando sua dor é algo que lhe exigiu muita força.
- Acha que o Duque aceitaria? A criança? – Uma serviçal pergunta. Eu me espanto com a dúvida. O que ela acredita que eu faria? Jogaria o bebê no oceano? Ela acha que eu sou algum tipo de bárbaro?
- Ele seria o homem mais feliz do mundo. Tendo um herdeiro, que queira estar nos mares. – Sei que ela está falando de Dona e de minha filha, que se negam a embarcar junto comigo, muito menos herdar meu legado. Eu não consigo continuar ali, viro em passos largos tomando meu caminho de volta ao meu quarto, quando me deparo com Tavaras, recostada no corredor.

- Nunca te disseram que não é educado ouvir a conversa de senhoras, atrás da porta? – Ela me questiona de braços cruzados.
- Infelizmente as senhoras em questão não costumam conversar sobre tais assuntos em minha presença. – Eu digo, Tavaras me encara. Ela entende meu amor por Dona, como ninguém. Ela divide a mesma paixão.
- Maria dormiu com você essa manhã. – Ela diz, não em tom de pergunta ou acusatório, apenas conversa solta.
- Sim, ainda está no meu quarto. – Eu digo.
- Espero que tenham se divertido. – Ela responde. Tomando rumo para a sala de reuniões. – Você vem? – Ela me pergunta, eu a sigo. Negócios podem acalmar minha confusão interna.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora