Chamas

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Minhas mulheres estavam apreensivas quando adentrei meus aposentos. Tavaras seguia meus passos, trancando a porta assim que deixamos a soleira.

Antonieta buscou meu olhar, preocupada. Berenice estava trançando os cabelos, sentada em minha cama. Maria estava escorada na prateleira dos vinhos.

- Madalena está morta. – Eu disse sem rodeios. Maria nada disse, apenas desmoronou na cadeira mais próxima. Antonieta abriu e fechou a boca várias vezes, Berenice pausou os nós em seus cabelos por alguns instantes e depois voltou ao seu ritmo.
- Como assim está morta? O que aconteceu? – Antonieta conseguiu proferir as palavras.
- Sua garganta foi cortada. – Foi a vez de Tavaras falar, usando seu tom mais cético.
- Eu gostava dela. – Bere da de ombros. – É uma pena. – Ela conclui.
- O Duque estava dormindo com ela. – Tavaras diz. Eu a encaro, me perguntando se isso era realmente necessário?
- Eu odeio ela. – Berenice se corrige, fazendo careta. Antonieta a censura.
- Você não pode dizer que odeia a falecida sem que isso te torne uma suspeita! – Antonieta diz incrédula. – Já encontraram o culpado? – Ela pergunta preocupada. Maria não emite sequer um som e eu não posso culpa-la. Hoje mesmo Madalena estava entrelaçada em nossos corpos.
- Calma Antonie! Eu não mato ninguém já faz um tempo. – Berenice usa seu tom brincalhão totalmente fora de contexto. Termina sua trança e caminha em direção a Antonieta.
- Não fazemos ideia de quem pode ter sido. – Diz Tavaras, Antonieta não tira os olhos de nós. Berenice parece despreocupada, como uma dama do mar deveria agir, já as outras três, parecem atônitas.
- Eu não consigo pensar em ninguém que teria motivos para cortar a garganta da garota. – Eu digo, cansado de tentar imaginar as probabilidades. Caminho até a minha cadeira, Maria me acompanha com o olhar. – Vamos fazer um funeral hoje, vistam-se. – Eu digo. Berenice caminha até o sino das serviçais para solicitar suas roupas. Eu vejo Antonieta questionar Tavaras que vai prestar condolências a Maria.

Meus pensamentos estão tortuosos. Quem mataria alguém sem motivo algum? E se existia um motivo, o que Madalena saberia que ninguém mais poderia saber?

Madalena tinha acesso a casa da Inglaterra. Livre acesso aos corredores e de fácil prosa. Era amiga da tripulação e das outras donzelas. Eu estava em um joguinho que se esticava por semanas e isso pode ter despertado algum tipo de rancor, de homens que não estejam contentes com a minha atuação, de mulheres enciumadas, de marujos que não podem ter... Madalena não era mais virgem, mas suponho que esse segredo ela trás desde Concordia. Não está com a tripulação há muito tempo e...
E se ela e Maria se conheciam antes do Navio? Afinal, ambas trabalhavam no povoado de Concordia. Se essa amizade não começou aqui, porque Maria teria me escondido essa informação? Seria zelo?

Ou talvez elas nunca tivessem escondido e eu sou egoísta de mais para perceber os sentimentos dos outros, bem como, sou paranoico a ponto de desconfiar das minhas próprias mulheres.

As roupas chegaram, minhas damas se vestiram, se perfumaram e eu fingi fazer anotações para poder ter uns minutos a sós com os meus próprios pensamentos.

Tavaras deixou em cima da mesa uma muda de roupas limpas para que eu estivesse apresentável.

Eu as vesti. Todos ali já estavam acostumados em vislumbrar os corpos nus uns dos outros e já não existe mais pudor entre nós.

Eu estou com a pele gelada, culpa dos arrepios moribundos que escalam minha pele. Porém, meu peito bate descompassado, por dentro eu me sinto em chamas.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora