É meu?

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Caminhamos em direção aos quartos das donzelas da casa da Inglaterra, as meninas que antes dividiam os aposentos com Madalena. Eu paro de caminhar na metade do trajeto, Tavaras contorna os calcanhares e me encara.

- O que foi? – Ela questiona. Ansiosa pela verdade.
- Estamos procurando no lugar errado. – Eu concluo. Ela parece confusa.
- Vamos Tavaras! – Eu estou perdendo a paciência. – Quem Madalena gostaria de proteger nesse navio? Quem a trocou de aposento? Quem teria mais motivos do que qualquer um nesse navio para negar e odiar uma gravidez? Quem não poderia comprar o próprio veneno? – Tavaras começa a negar com a cabeça. Eu caminho e seguro suas mãos.
- Você está acusando a sua própria dama de assassinato! – Ela conclui. – Você acha que Maria seria capaz de cortar o pescoço da sua amiga por que está grávida? – Ela me pergunta. Eu confirmo. – Você está insano! Ela mal sabe segurar uma faca. – Eu largo um sorriso nasal. Ela arrancou a orelha de um homem esses dias.
- Tavaras... Essa gravidez pode ser a morte de Maria. – Eu encaro seus olhos. Tavaras para de tremer e começa a pensar.
- Berenice. – Falamos em uníssono. Ela me encara. – Se esse bebê for seu, Berenice a mata por ciúmes.
- E se não for... – Eu digo.
- Berenice a mata por traição. – Tavaras conclui. Antes de jogar os braços para o alto e se recostar nos corredores do navio.
- Se fosse o meu pescoço ou o de um amigo meu, eu cortaria o de um amigo. Sem nem pensar duas vezes. – Tavaras me encara, ela não cansa de se desapontar comigo.
- Você já se perdeu no mar. – Ela fala antes de passar por mim. – Vamos falar com Maria.

Pedimos para uma serviçal chamar Maria até seus aposentos. A noite está densa, coberta por camadas de mistério e mentiras.

Maria atravessa a soleira da porta, ela ainda veste suas luvas rendadas e o vestido branco. Parece um anjo. Incapaz de ferir qualquer pessoa ou a si mesma. Ela nos encara.

- Vocês realmente querem nossos corpos nus agora? Depois de tudo que aconteceu? – Ela fala em tom acusatório e debochado ao qual ela sempre faz uso e já estamos acostumados. Eu olho para Tavaras, ela me encara sem entender muito bem a situação atual.
- Que? Não! – Eu digo, quase em tom de desculpas. Eu não sei em que momento eu deixei essa menina pensar que eu sou tão carnal.
Ela tranca a porta atrás de si, caminha até a cama, senta e nos encara.
- Então o que vocês querem? – Maria pergunta. – Pois é evidente que querem algo. O que é? – Tavaras começa a balbuciar.
- É meu? – Eu pergunto sem rodeios interrompendo as tentativas fracassadas de Tavaras de tentar falar algo. Maria me olha atônita.
- É seu o que? – Ela pergunta de volta.
- Vamos Maria, não se faça de sonsa. O bebê. – Eu digo por fim e para a minha surpresa Maria explode em gargalhadas.
- Você acha que eu estou grávida? De você? – Ela volta a rir e eu me sinto um grande idiota. Maria chega a chorar de tanto rir, antes de se recompor. Tossir algumas vezes e discursar – Desculpa te desapontar meu duque, mas você não vai ser pai. – Ela diz. Eu e Tavaras nos encaramos. Maria levanta e caminha pelo seu quarto, uma cabine espaçosa e bem decorada. Madeiras luxuosamente reforçadas compõem suas paredes. – Eu tenho amor ao meu corpo, ao meu pescoço e principalmente, não tenho tanto amor assim por você. – Ela diz, me encarando com aquele olhar zombeteiro, eu finjo estar ofendido, ela desvia o olhar para Tavaras, agora a zombaria some, dando lugar a sentimentos abstratos à minha ótica, as duas sustentam por algum tempo, até que Maria balança a cabeça e caminha para longe de nós. – Eu não matei Madalena. – Ela diz por fim - E estou curiosa tanto quanto vocês, mas eu não seria capaz de culpar as pessoas que eu gosto ou admiro atrás de provas invisíveis. – Ela fala, pausando em frente a uma penteadeira - Vocês precisam confiar mais nas pessoas que vocês levam para a cama. – Ela tira os brincos e em seguida suas luvas e quando volta o olhar em nossa direção, seus olhos estão marejados. – Madalena era minha amiga! Uma das únicas nesse inferno. Vocês poderiam admirá-la, mas eu, eu a amava! Os homens do mar não sabem o que é confiabilidade. Vocês nunca vão saber. – Ela conclui, encara seu reflexo no espelho e retoma sua postura - Eu sei os segredos de Madalena e provavelmente ela morreu por eles. Mas infelizmente eu não sei o suficiente para poder entregar o assassino. – Ela conclui. Deixa as luvas e os brincos em um porta-joias na penteadeira e volta seu corpo em nossa direção. – Agora, se vocês me dão licença, eu gostaria de ficar sozinha, para vivenciar meu luto.

Saímos do quarto de Maria, Tavaras parecia estar revivendo cada palavra ali trocada e eu também.
- Você notou? – Tavaras pergunta por fim. Eu confirmo.
- Em nenhum momento ela disse que não sabe quem é o assassino. – Eu digo. Tavaras me olha, os olhos de felino desenhando seu rosto.

Maria tem razão: os homens do mar não sabem confiar.
Ainda bem.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora