Fora de época

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As ondas estavam agitadas. O céu cinza contrastava com a negritude da água. Meus homens corriam de um lado para o outro da proa.
Tavaras reforçava os nós das velas.
Eu observei o menino que suava de completo desespero, tentando segurar o timão, muito mais pesado do que os cambitos finos que tentava guia-lo.

- Obrigada por hora marujo. – Eu digo por fim. O menino me entrega Teresa, que responde ao meu toque. Eu encaro cada rosto ali presente. Meu corpo nem se quer se recuperou da última tempestade. Não seria sábio eu entrar em mais uma. Encaro o céu, os relâmpagos intercalados com fechos de luz, faço um calculo mental.
- O que você pretende fazer? – Tavaras me questiona. Seus olhos mirando os meus. Eu tenho tanto para dizer a ela.
- Eu vou atravessar. – Eu digo. Ela morde os lábios. – Acha que eu consigo? – Pergunto. Dessa vez, com sinceridade, quero a sua opinião.
- Se alguém consegue, esse alguém é você. – Ela fala, encarando o horizonte. Eu afirmo com a cabeça.
- SOLTEM AS VELAS. – Eu grito. Os marujos me encaram, ponderam por alguns segundos e depois obedecem. Eu direciono o navio para a tempestade. Se formos mais rápidos, podemos atravessar antes da chuva chegar. – Prepare a todos, nós vamos balançar.

Tavaras confirma, corre pelo convés, espalhando ordens aos marujos, adentra nos corredores e eu a perco de vista. Vejo Tobias chegar a proa, o balançar do navio já está exaustivo para homens que não são do mar.

- Estou as ordens capitão. – Ele diz - Precisa de mim para algo?
- Sim, mantenha todos em suas devidas cabines, tranquem as saídas de ar e amarrem os pertences. Dê preferência, fiquem juntos. – Eu digo sem rodeios, mantendo o olhar no mar. Tobias confirma com a cabeça. O sentimento que eu tenho em relação a esse homem é um desprezo com camadas de desconfiança.

Teresa mergulhou na imensidão tortuosa das águas agitadas. As ondas nos empurravam na direção oposta e meu grande objetivo era conseguir atravessar antes da tempestade atingir seu ápice.

E por mais que as águas estivessem assustadoras, ainda eram familiares. O sal que gruda na pele e arde os olhos me tranquiliza, me puxa para fora da minha prisão solitária, me obriga a enxergar aquilo que tenho como real e não as figuras distorcidas pela dor da alma.

As águas agitadas assemelham a confusão eu habita em mim.

Eu vejo o medo no semblante dos homens. Eu vejo a pressa em cada passada, eu vejo as veias dos meus braços pulsarem enquanto eu seguro mais firme o timão. Tavaras retorna a proa, irritadiça, mas confiante.

O estouro das ondas nas laterais do navio, faz com que Teresa queira se afastar, eu mantenho o curso, firme. Eu praguejo e depois peço bençãos. O céu se ilumina e a garoa começa, ainda precisamos navegar para não estarmos bem no meio do caos. Tavaras estica a mão, observa a garoa, aperta os olhos e me encara, temos poucos minutos. Não da mais tempo de interromper o curso e contornar a tempestade. Ou a gente atravessa, ou vamos ter que lidar com a chuva, bem no seu ventre.

- Segurem as velas a sudeste. – Eu berro. Tavaras corre em minha direção. Os homens escalam as velas para mantê-las erguidas na direção correta. – Meu próximo plano é derrubar os canhões no mar. – Eu digo assim que Tavaras se aproxima. Em forma de sussurro, apenas para ela ouvir.
- Arriscado. – Ela responde. – Estaríamos vulneráveis contra possíveis ataques. – Ela conclui.
- Sim, mas consideravelmente mais leves. O navio conseguiria se mover mais rápido. – Eu digo. Ela me encara.
- Essa é só mais uma tempestade, você dá conta. – Ela me amarra ao timão. Eu trinco o maxilar.

Os homens mantém as velas erguidas enquanto a chuva aumenta sua intensidade, as gotas começam a parecer navalhas cortando os céus.

Teresa se impulsiona, eu consigo enxergar o céu límpido através das nuvens agorentas.

- COLOQUEM OS AMULETOS PARA REZAR. – Eu grito e os homens urram de volta. Tavaras sorri.

Eu sinto Teresa nos empurrar para a direção favorável, o timão me arremessou, o navio envergou, querendo partir em dois. Senti cada madeira estalar. Talvez tenha sido uma benção do divino e eu seja um homem de pouca fé, ou talvez seja o universo não admitindo que o final da minha história fosse atrás do timão em meio a uma tempestade de verão. Os ventos favoreceram, sopraram com força, fazendo que os minutos decisivos fossem ao nosso favor, eu vi Tavaras levantar os olhos e ruborizar de felicidade. A claridade nos alcançou e eu ainda tenho todos os meus canhões. Os homens aplaudiram, eu apenas respirei. Não sabia que estava trancando a respiração até aquele momento.

Parece que eu não posso morrer antes de resolver os meus problemas.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora