O sol já se foi

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O sol já tinha deixado o horizonte. O céu estava colorido em tons escuros, com o árduo laranja, uma aquarela de lembranças que me dizia que passei muito tempo no quarto.

Maria estava na proa, na lateral do navio encarando as ondas que quebravam de encontro ao casco. Caminhei até ela, não precisei dizer nada. Reparei suas mãos envolta de luvas rendadas. Ela havia se tornado uma dama. Os dias passaram por mim sem que eu pudesse numerá-los, escorrendo como areia, entre meus dedos.

- Acreditava que o lugar de um capitão era atrás do timão. – Foi tudo que ela disse, antes de me encarar com olhos tão profundos que reviraram minhas entranhas.
- Você deve ter ouvido muitas histórias sobre piratas minha querida. – Eu sorri, ela não. Desviei o olhar em direção a partida do sol, que enfeitava a paisagem. – Se você vê um capitão pirata atrás do timão do seu navio, não há mais esperanças para aquela tripulação. – Eu volto a encará-la. Ela não demonstra nenhuma reação. Nunca vi Maria tão imersa em suas próprias emoções. A garota normalmente é intensa, fervorosa, transparente. Agora, poderia ser um pergaminho em branco, um buraco negro.

Eu me afasto da borda do navio e subo as escadas do convés. Tavaras está fumando um charuto enquanto escuta Francis falar algo sobre a segurança do navio. Os franceses são sempre tão preocupados, contrastam bem com a alegria excessiva dos escoceses.
Tavaras me acompanha com o olhar enquanto eu me aproximo. Francis me cumprimenta cordialmente antes de se retirar. Um dos meninos segura o timão do navio com força, mudando a postura quando percebe que eu estou o encarando. Consigo ver de longe o suor escorrendo por suas têmporas.

- Se divertiu? – Tavaras pergunta, se referindo as meninas que deixou em meu quarto hoje pela manhã. Ela traga o charuto antes de escorregar seus olhos para a proa. Os sigo, percebendo seu olhar sobre Maria.
- Parece que você não. – Comento, antes de me escorar ao seu lado. Cruzo meus braços em frente ao peito, exibindo minhas cicatrizes. As moedas chacoalham em meus cabelos.
- Ela nem parecia estar lá. – Tavaras conclui. As palavras com um misto de preocupação e empatia.
- Dê tempo a ela. Elas eram amigas... – Eu digo. Nós dois fitamos o horizonte até repararmos no que eu acabei de dizer. Tavaras me encara, eu sobresalto. Tavaras joga o charuto no oceano, eu desço as escadas a passos largos, ela me segue.

Eu preciso bater um papinho com aquela bruxa.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora