Desejo

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Estamos com tudo carregado e pronto para partir. Já estamos no barco, todos devidamente a postos. Vejo Maria encarar o pôr do sol na proa do navio. Chego mais perto.
- A despedida está machucando? – Pergunto, tentando ser o mais empático possível.
- Não tanto quanto as chibatadas. – Ela diz e eu me assusto, procuro seu olhar de julgamento, mas ela está apenas sorrindo, fazendo graça com a minha cara. Eu sorrio de volta. – Toda a cabana, talvez o acampamento inteiro tenha ouvido. – Ela justifica. Eu do de ombros, sorrindo. Vejo as águas nos chamarem para duas semanas em mar. Duas semanas é tempo suficiente para muita coisa mudar.
- Minhas preferências te assustam? – Pergunto, ainda encarando o mar. Ela balança a cabeça.
- Não... meu povo foi escravizado, eu conheço a dor de uma chibata, um cinto, uma palmatória. – Ela se aproxima do meu ouvido e conclui. – A próxima vez que quiser se divertir de verdade, dê a sua dama um chicote trançado. – Eu a encaro ela me entrega um sorriso maldoso antes de rebolar em direção a cabine. Eu não consigo tirar os olhos de seu corpo.

- Meu duque, tudo pronto para a partida. – Um marujo me desperta do meu devaneio.

Caminho até o timão e me coloco como o capitão daquele navio. Agora, começa a história de verdade, o que acontece em terra, fica em terra, o que acontece no mar, a gente finge que nunca aconteceu.

- Marujos, que o mundo tema a nossa bandeira, mas que a gente... – Escuto eles gritarem "DESEJE" completando a minha frase.

O desejo é um sentimento que antecede algo que queremos, uma vontade inexplicável por algo que ainda nem se quer sabemos se nos fará bem. As pessoas matam e morrem por seus desejos. Porém, eu aprendi ao longo de minha vida, que mais insano que o desejo é o delírio. Eu não atuo mais em nome do que eu desejo, não, isso é para amadores. Eu vivo por aquilo que me leva a delírio. Por cada revirada de olhos, por cada respiração ofegante, por cada gota de suor. Eu vivo por aquilo que me faz querer estar vivo. Que me leve a loucura, eu irei sem pestanejar, só não me permito viver uma vidinha em que eu não esteja sempre embebido em prazer.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora