Funeral em Alto Mar

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Os marujos estavam silenciosos, o bardo cantava histórias melancólicas. Um vinho doce corria entre as canecas. A noite estava estrelada e quente. Parecia que o céu estava feliz em recebe-la, mas a tripulação não poderia dizer o mesmo.

Madalena era encantadora, uma beldade de mulher. Era jovem no negócio, mas muito antiga na vida de bar, tinha um riso frouxo, dava conselhos amorosos sem nunca ter conhecido o amor. Era ousada e tímida ao mesmo tempo. Um tesouro.

Seu corpo foi posto em cima de tabuões de madeira flutuante. Infelizmente, marujos não tem flores, mas temos muito rum. Seu vestido vermelho foi embebido em álcool, para que quando acendêssemos o fogo, a luz a guiasse para o peito dos deuses de qualquer que fosse sua crença.

Os amuletos estavam lá. Até mesmo Zaila, escondida nas sombras, murmurava coisas que só ela compreendia.

Alguns ali choravam, outros tentavam manter a alegria que ela gostaria que tivéssemos. Infelizmente, ninguém parecia suspeito.

É tradição que o capitão diga algumas palavras, quando um ente da tripulação morre de forma tão dolorosa e inesperada.

É uma pena que eu seja o capitão, eu não sou bom com as palavras.

- Madalena, você sabe quem foi Madalena? – Sim, esse discurso não era para aqueles que estavam abordo. Minhas palavras eram pra ela. O corpo já posto ao mar, esperando o meu sinal, para começar a flamejar. Eu a encarava, sua pele reluzindo o brilho da lua, com reflexos do mar. – Ela foi salva de uma vida de apedrejo. Por um homem ao qual ela beijou seus pés. Existem histórias em que eles se apaixonaram, outras em que ela apenas o seguiu. Ele a perdoou dos seus pecados e disse que ela pertencia à um grupo. Grupo de homens, cada um com sua santidade. – Eu pausei a fala. Fazendo graça com os trocadilhos. – Eu prometi ao pai de Madalena, que eu cuidaria de sua filha, eu prometi a ela que ela poderia ter sonhos, eu a prometi que ela seria feliz. E hoje, eu estou velando seu corpo. – Os olhos ali me encaravam, especulando, esperando por qualquer semblante, qualquer indicio. – Eu acreditei que Teresa fosse um lugar seguro, onde eu pudesse decidir o destino das vidas que navegavam a bordo. Eu acreditei que eu pudesse ter o controle das ações e brincar de divino. Mas hoje, eu percebi que quando brincamos de Deus, nossas ações podem acarretar em consequências. E até mesmo um Deus, tem seus inimigos. – Os olhares já não estavam mais no corpo de Madalena e sim vidrados em mim. – Madalena, eu sei quem você foi e não deixarei que ninguém esqueça. Sua história, começa agora.

Assim que eu parei de falar, o garoto responsável por atiçar o fogo incendiou o vestido de Madalena e empurrou o veleiro ao mar.

Eu bebi meu vinho e dei as costas.

Essa não é uma história de amor, é uma história de vingança e como uma sinopse diria, vingança é um prato que se come frio.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora