Maré Baixa

Complexo de Sol

Eu pude ouvir os passos no corredor. Vozes alegres ricocheteavam nas paredes de madeira do navio. Eu continuava imóvel, sentado na ponta da mesa do conselho.

Pude ouvir as serviçais conversando pelas linhas de tráfego interno, pude ouvir Francis reclamando com seus homens sobre o francês ruim das suas mulheres. Pude ouvir Madalena e a outra moça com lábios carnudos conversarem sobre suas futuras estadias. Pude ouvir Tavaras berrando com os homens assim que pôs os pés para fora do quarto.

Levantei da mesa e me dirigi a sala de banho, onde minha banheira já estava vaporizando o ambiente. Os cheiros das ervas foram um delicioso convite. A muda de roupa limpa me esperava em cima da cadeira próxima. Tranquei a porta, me despi e entrei na água.

Permiti fechar os olhos e pensar. Ter uma vida corrida nos impede de ter um momento só nosso, onde você possa descansar. Fechar os olhos e deixar a água quente lavar todos os seus nós mentais.

As vezes estamos tão submersos nos problemas que criamos, que nossa cabeça não consegue distinguir o que é real e o que foi fruto de uma psicose muito criativa.

No momento minha cabeça está me pregando peças. Eu estou desconfiando de traição de todos os pontos possíveis. Eu não sou nenhum rei, minha vida não está tão em evidência assim, mas é como se eu estivesse em uma corte. Sentado em um trono e o bobo da corte está fazendo uma cortina de fumaça divertida, para que eu não perceba o que os outros nobres estão tramando.

Ou, eu devo apenas ser um garoto, com idade de mais. Com complexo de sol, acreditando que tudo gira ao meu redor e com medo de perder a cora. Mas se fosse só isso, se fosse tão fútil, não doeria tanto. O que realmente me tira o sono, é estar vendado enquanto luto uma guerra que não precisaria existir.

Não precisaria da cortina de fumaça, se apenas dissessem "meu duque, desça do trono". Eu deixaria a cora, e caminharia junto ao povo, descalço. Eu nunca quis estar na posição que eu estou, por mais que eu acredite que nenhum outro ser naquele navio seria capaz de segurar o timão assim como eu. A não ser Tavaras.

Acontece que da minha mulher eu espero tudo, conheço suas ambições, mas não acredito que ela queira tanto um trono que me arrancaria dele. O que estiver acontecendo, não é do meu conhecimento, nem do conhecimento de Tavaras. O que me preocupa, que tipo de espessura uma cortina de fumaça precisa ter, para cegar dois capitães como nós?

Mergulho na banheira, deixando a respiração esvaziar meus pulmões. Eu preciso de respostas que o mundo cético não pode me dar.