Silêncio

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Eu pisei no convés e todo e qualquer murmurinho sessou. Os olhares se prenderam em mim e eu sabia o que estavam pensando. Eu conseguia dançar na mente de cada marujo, donzela e bardo. Eu conseguia tangir sua curiosidade. Eu sorri. Mesmo tanto tempo enclausurado em minha cabine, eu ainda empunhava poder. Caminhei em direção ao lugar de prestígio em frente ao timão, lugar que pertencia ao capitão, ao qual respeitosamente, ninguém estava sentado, mas Tavaras estava ao lado esquerdo, como um lembrete.

Assim que eu sentei em meu trono, os aplausos explodiram. Os sorrisos voltaram aos rostos. Minhas mulheres se jogaram em cima de mim, parecia que a felicidade tinha voltado à Teresa. Eu havia me esquecido o quanto eu amava minha tripulação, meu mar, meu navio. Os dias presos em minha cabine pintaram tudo de cinza. A alegria havia sido arrancada de mim e as estrelas do céu enluarado a devolveu como um tiro em meu peito.

A festa escorreu pelo convés por horas. O bardo cantou, os marujos dançaram, meus conselheiros se vangloriaram, as mulheres desfilavam. Tudo parecia um recorte de anos atrás.

Eu já estava mais alcoolizado do que eu gostaria de admitir, quando observei Maria conversar com Thomas nas sombras. Alfredo rangir algumas coisas para Francis, Antonieta puxar Maria pelo braço e uma discussão velada começar a acontecer. Cerrei meus olhos e sinalizei para Tavaras que também acompanhava o desfecho.

Tavaras veio em minha direção e tudo que disse foi "essas duas estão brigando faz uns dias". Eu franzi o cenho, Berenice estava dançando alegremente com as outras mulheres, imersa em sua própria felicidade. Parece que somos os únicos vivendo esse desfecho.

Senti um misto de culpa e curiosidade. Levantei do meu assento e caminhei em direção a Maria e Antonieta.

- Minhas damas – Comecei, os olhares permaneciam frios e imutáveis como duas navalhas, uma fuzilando a outra. – Posso saber o que está acontecendo aqui? Algo as incomoda? – Termino. Antonieta não desvia o olhar de Maria.
- Não se preocupe meu duque, Maria está se comportando como uma meretriz, eu estou apenas a lembrando que esse comportamento de quitanda não é permitido quando se é mulher do capitão do navio. – As palavras soam venenosas, mas não como se Antonieta estivesse enciumada e sim desapontada. Meu olhar escorregou de Antonieta para Maria que sibila como uma serpente.
- Meu duque, nos últimos dias Antonieta tem estado muito arisca, já passou da hora dela se preocupar com a sua própria vida, ou a falta de uma. Talvez isso seja saudade de fazer uso de suas coxas. – Maria sempre foi desbocada e dessa vez não poupou palavras. Tudo aconteceu muito rápido. A mão de Antonieta acertou o rosto de Maria, o estalo foi alto, mas a música o abafou. Maria cambaleou. Eu segurei Antonieta que fervia de raiva.
- Antonie! – Eu digo. – Comporte-se! – Ela se debate. Maria a encara, mas não se move.
- Ela não merece sua compaixão! – Antonieta me diz, eu sussurro "eu sei" em seu ouvido. Ela amolece e para de se debater.
- Você vai me pagar por isso! – Maria diz, antes de sair a passos largos do convés. Antonieta me abraça, eu a abraço de volta.
- Eu a vi sair pelos corredores das serviçais. Ela tem usado esses corredores para as suas aventuras noturnas. Eu não confio nela! – Antonieta me diz.
- Você tem provas? – Eu questiono. Ela nega com a cabeça.
- Somente a minha palavra. – Ela me olha com o olhar marejado. Buscando minha aprovação.
- Para mim basta. – Eu finalizo a conversa. Ela apoia o rosto em meu peito e começamos a dançar. Toda essa discussão foi invisível ao resto da tripulação, exceto por Tavaras, nada passa despercebido por ela.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora