Camila
— Ah, não, de novo! — resmunguei, irritada, limpando tudo novamente. Eu já tinha perdido a conta de quantas vezes tentei contornar meus lábios com precisão e não consegui. A boca já estava vermelha devido a todas as vezes que tive que retirar o batom, em busca do contorno perfeito. Fiquei me perguntando como as garotas do Youtube conseguiam fazer isso com tanta facilidade. Para não me estressar, e dar um tempo aos meus lábios judiados, resolvi cuidar do penteado. Eu havia feito uma super-hidratação naquela tarde e meus cabelos aloirados ficaram ainda mais brilhantes e macios. Também tinha passado chapinha a fim de deixá-los perfeitamente lisos e ficou espetacular. Decidi prendê-los em um rabo de cavalo alto, imaginei que assim ficaria com o ar mais sofisticado. Depois que terminei, após algumas tentativas, olhei-me no espelho e amei o resultado. Como meus cabelos iam quase até a cintura, a ponta do rabo chegava na altura dos ombros, criando um efeito maravilhoso quando eu andava ou mexia a cabeça. Suspirei, só precisava passar o batom e estaria pronta. Aproximei-me mais do espelho e tentei novamente, bem devagar, para ver se dava certo. Não deu, mas não havia o que fazer, eu já estava quase atrasada e não poderia mais perder tempo com aquilo, então, apenas limpei os borrões o melhor que pude. Afastei-me novamente para checar o resultado geral e sorri com o que vi. As várias camadas de rímel que eu havia passado, destacaram meus olhos verde-acinzentados, fazendo-os parecerem muito maiores, e o batom, mesmo meio borrado, destacava minha boca carnuda.
— Meu Deus, Camila, que roupa é essa? — minha mãe perguntou ao entrar no meu quarto e ver o vestido que peguei emprestado da Rafaela. Ele era curto e colado ao corpo, totalmente diferente das roupas que eu costumava usar.
— Por favor, mamãe, não começa, eu tenho que estar linda no aniversário do Shawn — justifiquei, puxando a saia do vestido para tentar deixá-lo mais comprido. Ela revirou os olhos e se sentou na cama, sua atenção toda focada em mim. Minha mãe sabia que eu tinha uma grande queda pelo amigo do meu pai, mas achava graça, afinal, devia ser divertido ver uma garota de doze anos, com aparelho nos dentes, suspirando por causa de sua primeira paixão.
— Filha, você ficará igualmente linda sem toda essa maquiagem — falou de forma suave, mas havia determinação em sua voz. Ela se levantou, foi até o meu banheiro pegar um lenço umedecido e começou a limpar o meu rosto.
— Sabe quanto tempo demorei para fazer isso? — choraminguei, desanimada.
— Imagino que a tarde toda — zombou. Ela sabia que eu tinha ficado o dia trancada no quarto, testando maquiagem e penteado. — Agora tire essa roupa e coloque um jeans, se seu pai vir você vestida assim, é certo que ele terá um infarto. Eu quis me rebelar, mas no fim, ambas acabamos rindo de seu comentário. Tinha certeza de que para o poderoso Alejandro Cabello, sua filhinha nunca cresceria. Não podia nem imaginar como ele reagiria a essa minha paixão por um homem quinze anos mais velho do que eu. Apesar de ser uma pessoa pacata no seu dia-a-dia, papai podia se tornar um chato quando algo não o agradava. Mamãe, por outro lado, era muito mais serena, compreensiva e eu adorava o jeito como ela lidava com o meu amor platônico pelo lindo Shawn Mendes. Shawn e meu pai eram sócios da Cabello, uma empresa especializada na construção de condomínios de luxo. Eu me lembrava, com muita
nitidez, o dia em que papai o apresentou formalmente a mim, uns dois anos atrás. Ele era o homem mais lindo que eu já tinha visto e foi tão educado comigo, tão atencioso; eu fiquei fascinada com a forma com que ele me tratou. Desde então, sempre que o encontrava era assim, e eu me sentia uma verdadeira princesa ao lado dele. Olhei-me no espelho novamente e encarei minha mãe através dele.
— E se eu… — tentei novamente, mas fui interrompida por ela.
— Não, querida. Se estivesse bom, eu deixaria, mas essa roupa não é compatível com a sua idade. Além
disso, o vestido está muito curto, você já o puxou para baixo umas dez vezes desde que entrei aqui, imagina como será no decorrer da noite. Você sequer se divertirá, preocupada com a roupa. Tive que concordar com ela. Rafaela era mais baixa e magra que eu e a maioria de suas roupas ficavam curtas ou apertadas em mim, que já tinha o corpo mais desenvolvido.
— Tá bom, daqui a pouco eu desço — falei, rendida. Já sozinha, coloquei o jeans que mamãe pediu e uma blusa de seda preta que eu havia ganhado dela. Depois passei meu brilho labial de todos
os dias, peguei o presente de Leo e desci, sentindo-me uma simples adolescente que em alguns meses completaria treze anos e não a mulher fatal de dez minutos atrás. Saí de casa e caminhei alguns metros até o salão de festas do condomínio onde morávamos. Chegando lá, a primeira pessoa que avistei foi Karen Mendes, mãe de Shawn. Karen era uma mulher doce e alegre; era também uma das poucas pessoas que me entendia. Tinha a impressão de que, assim como minha mãe, ela levava minha paixão na brincadeira, como se fosse coisa de criança, mas eu não ligava, adorava conversar com ela, que sempre tinha histórias para contar sobre o menino Shawn.
— Camila, como vai? — ela
perguntou, me dando um beijo no rosto.
— Estou bem. E a senhora?
— Estou muito bem, querida. Mas olhe só para você. Ficou tão sofisticada com esse cabelo. Está absolutamente linda.
— Obrigada — agradeci, meio corada, feliz pelo elogio. Só esperava que Shawn achasse a mesma coisa. E por falar nele… — Onde está o aniversariante? Karen sorriu e me abraçou pelos ombros, enquanto passava os olhos pelo salão.
— A última vez que o vi, ele estava no deck; creio que ainda esteja por lá.
Agradeci e fui em direção às portas de vidro que levavam à área externa. Enquanto atravessava o salão, vi que as pessoas bebiam
e conversavam animadamente, entretanto, notei que não conhecia a maioria delas. Shawn vivia no mesmo condomínio, mas raramente recebia visitas, então estranhei toda aquela gente. Assim que ultrapassei as portas, encontrei o homem que ocupava todos os meus pensamentos. Ele estava conversando com alguém ao celular e sorriu ao me ver.
— Ei, garota, que bom que veio! — exclamou quando desligou, abrindo os braços para me abraçar. Seu perfume me envolveu na mesma hora, me deixando tonta.
— Feliz aniversário
— falei quando ele me soltou e lhe estendi o presente. — Fiz na minha aula de artes, espero que goste — concluí, ansiosa. Shawn desfez o laço dourado e tirou uma caixa de dentro do embrulho. Eu havia passado três semanas lixando a madeira e testando as cores para ficar em um tom de dourado envelhecido. No final, valeu a pena, pois a caixa tinha ficado linda.
— É maravilhosa, Camz. Vai ficar na fazenda, no meu escritório.
Suspirei, morrendo de amores, adorava quando ele me chamava de Camz. Dizia a mim mesma que o fato de ele não usar meu nome no diminutivo, significava que ele não me via como uma criança e isso me deixava ainda mais apaixonada. Voltamos para dentro do salão e acabamos nos separando. Fiquei perambulando entre os adultos, conversando com quem eu conhecia, mas sempre atenta a todos os passos de Shawn. Cerca de uma hora depois, pouco antes de cantarmos os parabéns, uma mulher morena surgiu na porta de entrada, segurando a sacola de uma loja caríssima. Eu sabia disso porque minha mãe costumava comprar presentes para o meu pai nesse lugar. Ela usava um vestido preto e colado que evidenciava todas as suas curvas bem-feitas; ele ia até o meio da coxa e era muito bonito. Também usava sandálias pretas de tiras finas e saltos altíssimos, que deixavam suas pernas bem torneadas. Suspirei, desanimada, era exatamente o que eu gostaria de estar usando. Vi seus olhos passearem pelo salão à procura de alguém. Assim que avistou Shawn, seus lábios se abriram em um largo sorriso. Imediatamente ela caminhou até ele que a pegou pela cintura e depois a beijou, despudoradamente, na frente de todos. Ver aquela cena foi pior
que levar um soco no estômago e pela primeira vez, eu senti a dor de ser trocada por outra. Loucura, eu sei, mas na minha cabeça era exatamente isso que estava acontecendo. Antes que eles terminassem de se beijar, senti as lágrimas queimando meus olhos e um nó gigantesco se formando na garganta. Saí correndo por entre os convidados e fui para casa. Minha mãe, que certamente havia presenciado a cena, veio atrás de mim.
— Camila, não fique assim — ela pediu, sentando-se na minha cama e alisando os meus cabelos.
— Ele… ele… — foi impossível formular uma frase.
— Filha, você tem que se esforçar para acabar com essa paixão e começar a gostar de alguém da sua idade; Shawntem quase trinta anos e gosta de mulheres mais velhas.
Eu não conseguia aceitar isso. Na minha cabeça ele tinha que me amar do mesmo jeito que eu o amava. Mamãe podia achar que era capricho de uma pré-adolescente, mas eu sabia que meus sentimentos eram reais e estava certa de que eles só iriam aumentar com o passar do tempo. Pensar nisso me fez chorar ainda mais. Como eu conseguiria suportar ver Shawn aos beijos com
outras mulheres.
— Eu quero morrer, mamãe. Ela riu do exagero, mas não disse nada, apenas continuou me afagando, até eu dormir.