Shawn
Já passava da meia- noite e Camila ainda não havia chegado em casa. Liguei inúmeras vezes para seu celular, mas ela não atendeu e infinitas possibilidades passaram pela minha cabeça, nenhuma delas boa, como sempre acontecia nesses casos. E quando meu telefone tocou, senti meu coração acelerar, pensando que o que eu temia havia realmente acontecido. Entretanto, quando olhei o visor e vi que era o nome de Fernanda que aparecia, cogitei não atender, mas depois decidi que era melhor ver o que ela queria, se começasse com aquelas paranoias novamente, eu simplesmente desligaria.
— Fernanda.
— Ah, oi Shawn. Desculpe ligar a essa hora, mas achei melhor falar com você a incomodar o Alejandro. Na mesma hora coloquei-me de pé.
— O que aconteceu com a Camila.
— Bom, ela está tendo aula de culinária na faculdade onde dou aula. Hoje, alguns alunos se reuniram para comemorar o aniversário de um deles. Como não bebo, não tinha nenhum interesse em ir, mas eles me perturbaram tanto, que cedi. Quando comentei isso com a Camila, ela quis ir comigo. Eu lhe disse que não poderia ficar muito tempo, porque tenho plantão amanhã, só que quando eu a chamei para ir embora comigo, ela não quis. Camila em uma festa de estudantes? Só poderia ser brincadeira.
— Eu resolvi te ligar porque ela começou a beber e não acho que tenha condições de ir para casa dirigindo. Será que você poderia vir buscá- la?
— Onde vocês estão?
— No bar que fica em frente à faculdade. Venha logo porque não posso ficar mais aqui. Se não for para casa dormir, não conseguirei trabalhar amanhã.
— Espere só mais alguns minutos, eu já estou a caminho — falei, enquanto entrava no carro.
—Tudo bem. Joguei o telefone no banco do carona segui para o tal bar. Durante o trajeto, mil e uma coisas passavam em minha cabeça. Camila não era do tipo baladeira; mesmo após voltar de Boston, saiu poucas vezes, geralmente acompanhada de Rafa, então, não conseguia acreditar que estivesse fazendo aquilo. Principalmente depois da discussão que tivemos, quando ela me garantiu que não tinha a menor vontade de frequentar lugares como aquele. Cerrei um dos punhos e o bati contra o volante, eu estava puto da vida. Parei em frente ao bar e me encaminhei para dentro. O local estava movimentado quando cheguei, mas não havia nenhum sinal de Camila ou Fernanda. Resolvi ligar para ela, mas caiu na caixa postal e imaginei que já tivesse ido embora ou que sua bateria tivesse acabado. Sem ter ideia do que fazer, mostrei uma foto de Camila que havia em meu celular a um garçom, perguntando se a tinha visto.
— Ela esteve aqui com o pessoal da faculdade, mas já tem um tempinho que eles saíram, foram para outra festa na casa de um dos estudantes. — Eu não estava conseguindo acreditar no que ouvia.
— Tem certeza de que era ela?
— É ela, sim, esse rapaz sempre faz festas na sexta- feira, a casa dele é no final da rua, um casarão branco e antigo, não tem erro. Guardei o celular no bolso, agradeci as informações do rapaz e entrei no carro, dirigindo para o tal casarão no final da rua onde, de fato, estava rolando uma festa daquelas. Os portões de ferro estavam abertos e havia muitos jovens do lado de fora, bebendo, fumando e conversando. Passei por eles recebendo olhares atentos. Deviam estar pensando que eu era pai de alguém que estava na festa. A porta principal estava aberta e quando passei por ela, me assustei com a quantidade de estudantes ali dentro. Havia dezenas de garotas dançando em cima de mesas sem qualquer pudor, outras nos colos de rapazes, era uma verdadeira balbúrdia. Cheguei a procurar por Fernanda, mas tinha certeza de que ela nunca apareceria num lugar daqueles. Continuei entrando e passei por algumas pessoas que estavam visivelmente bêbadas e drogadas, e congelei no lugar quando me deparei com Camila dançando em cima de um sofá. Ela estava de olhos fechados, remexendo o corpo, enquanto uma dúzia de estudantes babava em cima dela. Meu sangue ferveu ao vê-la daquele jeito, tão solta e dada, completamente diferente da mulher que convivia comigo todos os dias. Caminhei feito um touro bravo, empurrando alguns idiotas pelo caminho e a joguei sobre os ombros recebendo, instantaneamente, vaias, gritos e assobios da plateia ali presente. Sem me intimidar, continuei meu caminho até tirá- la daquele lugar.
— Ei, quem você pensa que é, me solta — ela disse, brava, ainda sem perceber que era eu. Quando a coloquei no chão, nossos olhares se encontraram e ela sorriu.
— Amor, você veio pra festa também? Tá tão legal, eu não quero ir embora — falou com a voz arrastada.
— Meu Deus, Camila, o que você andou bebendo!
— Só bebi uma cerveja e já fiquei assim, estranho, né? — disse, tentando me abraçar, mas eu a impedi.
— Eu quase morri de preocupação pensando o pior e você estava em uma festinha de faculdade? — acusei, irritado, mas logo me preocupei. Camila não estava agindo normalmente e essa mudança de comportamento aconteceu depois que ela começou o maldito curso de culinária. Tudo depois que começou a andar com estudantes da idade dela, pensei e na mesma hora minha irritação voltou. Mas por mais ódio que estivesse sentindo, jamais a deixaria sozinha com todas aquelas pessoas estranhas. Eu a levaria para casa e no dia seguinte, quando ela estivesse bem, nós teríamos uma conversa séria. Peguei-a pela mão e a guiei para dentro do carro. Ela estava relutante, respondona, parecia uma criança e não a mulher por quem me apaixonei, mas, por fim, deixou-se ser conduzida. Durante o caminho, Camila ficou inquieta e trocou de música incontáveis vezes até chegarmos em casa. Só começou a mostrar alguma normalidade depois que tomou banho. Após tê-la colocado na cama, tive vontade de ir para a casa e deixá-la sozinha, mas por mais indignado que estivesse, meu lado responsável seria incapaz de permitir algo assim. Então esperei que ela adormecesse, para só então me deitar ao seu lado, não para dormir, mas para pensar. Toda a loucura daquela noite, me fez perceber que ela ainda era jovem demais e que, mesmo tendo ficado cinco anos fora, namorando e curtindo a vida, talvez ainda não tivesse sido suficiente. Será que ela sentia falta desse tipo de festa ou de interação com pessoas de sua idade? Adormeci com essa dúvida na cabeça e acordei para vê-la me encarando com os olhos cheios de arrependimento.
— Eu sei que desculpas não serão suficientes, mas eu juro que não entendo o que aconteceu — disse ela, entre lágrimas.
— Você bebeu e foi curtir com pessoas da sua idade, simples assim — falei, irritado.
— Eu sei que parece isso, mas não foi! — ela justificou.
— Camila, se sente falta de sair, podemos ir a um lugar decente, mas festa de faculdade é demais para mim.
— Não é isso! Aconteceu alguma coisa ontem, eu jamais iria a um lugar como aquele, você me conhece. Passei as mãos pelo rosto, sem paciência para aquela conversa, ainda estava chateado demais.
— Não adianta discutirmos. Fernanda me falou que você quis ir com ela e que quando a chamou para ir embora, você não quis, apenas continuou bebendo e se divertindo, ponto, não precisa tentar encontrar desculpas para algo que eu presenciei pessoalmente.
— O quê? Não, não foi assim! — falou, pesarosa.
— Foi a Fernanda quem insistiu para que eu fosse nessa festa dos alunos dela, prometendo que ficaríamos apenas dez minutos e eu acabei cedendo. Nós pedimos uma cerveja e depois eu não sei o que aconteceu, mas me senti muito mal por vários minutos, então, como num passe de mágica, eu fiquei eufórica, com vontade de dançar e foi isso que eu fiz, pelo menos, é o que me lembro, minha mente tá uma bagunça. Isso já era demais. Graças a Deus Fernanda parecia ter superado e seguido em frente. Estava certo que, se não fosse pelo que houve, ela não teria entrado em contato, tanto que nem mesmo ficou lá me esperando, então, não achava justo que Camila colocasse a culpa nela. Além do mais, Fernanda não bebia, mas é óbvio que Camila não sabia disso ou não estaria fantasiando algo assim.
— A Fernanda não bebe, Camila, então pare de inventar história.
— Eu não estou inventando nada! E até onde me lembro, além de beber, foi ela quem insistiu para que eu fosse. — Quando balancei a cabeça em negativa, ela continuou.
— Já que não acredita em mim, me passa o telefone dela, vou ligar e perguntar se ela viu algo, porque eu tenho certeza de que fui drogada, essa é a única justificativa para eu ficar daquele jeito! — ela praticamente gritou.
— Isso se não foi ela mesma quem fez alguma coisa. Levantei-me da cama ao ouvir aquilo, exasperado.
— A Fernanda pode ser a mulher mais carente e grudenta que conheço e ter inúmeros outros defeitos, mas jamais faria mal a outro ser humano. Você bebeu e quis curtir com pessoas da sua idade, assuma as consequências das suas escolhas e pare de culpar os outros — eu praticamente gritei, soando até mesmo grosseiro.
— E se for ligar para Fernanda, que seja para agradecer, porque se não fosse por ela, só Deus para saber o que poderia ter acontecido com você — estremeci levemente com aquele pensamento e me tranquei no banheiro. Espalmei as mãos sobre a bancada da pia e permaneci ali por vários minutos. Estava farto de tudo aquilo, Camila, além de ter ido a uma festa, ainda tentava colocar a culpa em Fernanda, um ser humano que odiava barulho, bebida e gente feliz. Não dava para engolir aquilo. Após ficar 40 minutos embaixo do chuveiro, saí um pouco mais calmo e decidi que precisava acertar as coisas com Camila ou nosso relacionamento iria desandar. Eu me alterei com ela e não deveria ter feito isso. Terminei de me secar e saí do banheiro decidido a ter uma conversa civilizada, mas tudo o que encontrei foi um quarto vazio.
