Quando despertei no dia seguinte, havia um delicioso cheiro de café espalhado pela casa, imaginei que Shawn tivesse descido e preparado para nós, mas me surpreendi quando encontrei Maria lavando louça na cozinha. Tinha esquecido que era dia de faxina.
— Bom dia, Maria.
— O seu deve tá mesmo. — Ela sorriu virando-se para mim.
— Vi seu Shawn saindo bem cedinho daqui. Maria tinha aprendido muito bem com Karen e mamãe como ser indiscreta.
— Pois é — limitei-me a dizer, e fui me sentar à mesa que tinha um belo café da manhã montado para mim.
— Vôte, até sei por que cê tá de bode assim — ela respondeu e se sentou na cadeira à minha frente, depois serviu café para nós duas.
— Sabe, é? Ela assentiu.
— Eu tava no seu Shawn ontem quando a dotora chegô com o pai dela. Já tinha passado da minha hora, mas eu tinha chegado atrasada de manhã, por isso num consegui terminá todo o serviço e acabei ficando um pouco mais.
— Conseguiu escutar alguma coisa? — perguntei, sentindo meu coração acelerar.
— Tudinho — afirmou, animada.
— Eles foram conversá no escritório, mas a porta tava aberta, então eu consegui bisbilhotá. Pelo visto, eu iria morder a língua, já que a indiscrição de Maria seria bem útil nesse momento.
— E daí?
— Eu num sei explicar certinho, mas o que deu pra entender foi que ela convenceu o pai a desfazer uma sociedade que ele e seu Shawn tinham, sem criar problema, se é que cê me entende. Num quero te desanimar, visse, mas a aquela peste joga pesado. Maria, com toda a sua simplicidade, conseguiu entender que a Fernanda tinha convencido o pai a sair da sociedade sem danos para nenhuma das partes, apenas para reconquistá-lo. Essa mulher era mais esperta do que eu imaginava, como disse Maria, ela estava jogando pesado. Mas achava impossível que Shawn tivesse ficado mexido com esse tipo de atitude, ele estava louco para se livrar dessa sociedade e agora tinha conseguido, graças a sonsa da Fernanda. Mas e se ele ficasse agradecido ao ponto de nem enxergar toda essa encenação? Ah, meu Deus! Teria sido esse o motivo de sua demora para se juntar a mim na noite passada?
— Num começa a encafifar com besteira, Camz — Maria pediu, séria, como se estivesse lendo meus pensamentos e não pude deixar de rir.
— Você tem razão, Maria. Apesar das minhas palavras, terminei meu café sentindo uma certa insegurança se instalando em meu peito e tudo por causa daquela visita inesperada. Eu precisava falar com Shawn e escutá-lo dizer que estava tudo bem. Mas ele não estava lá quando cheguei e isso me deixou ainda mais ansiosa. Eu queria saber sobre a viagem e, principalmente, queria ver se ele me falaria sobre seus visitantes; mas ele simplesmente não apareceu. Antes de encerrar o expediente, parei na mesa de Sandra para saber o que tinha acontecido com ele e fui informada de que havia vários compromissos agendados fora da empresa e que Shawn decidiu tomar a frente para poupar meu pai. Saber aquilo me deixou um pouco mais tranquila, apesar de ainda achar uma falta de consideração da parte dele ter me deixado sem nenhuma notícia. Infelizmente, minha tranquilidade durou pouco e a irritação que senti durante todo o dia aumentou quando escutei a risada de Fernanda. Ela se aproximava da recepção, ao lado de Rodrigo, que desde o aniversário de Karen, fiz o máximo para manter distância, não queria que Shawn nos visse de papo pelos corredores. Rodrigo era conhecido como um sujeito boa praça, que tratava a todos muito bem, independentemente de ser uma faxineira ou um diretor e aquilo era bem legal da parte dele. E, pelo visto, Fernanda pensava a mesma coisa, se o sorriso que ela
tinha no rosto fosse um indicativo. Ela estava feliz demais para quem havia sido demitida. Ou será que papai não tinha falado com ela? Fiquei de longe, apenas analisando a interação deles, mas logo decidi dar meu dia por encerrado, estava louca para chegar em casa. Mas antes que eu pudesse dar um passo, ouvi a voz dela atrás de mim:
— Olá, Camila, como vai?
— Estou bem, obrigada, e você?
— Apesar de não ser mais a médica do trabalho da Cabello, estou ótima. Pergunta respondida. Menos um problema para me preocupar. Graças a Deus!
— Ah, que bom, fico feliz.
— Bom, eu tenho que ir, mas espero te ver por aí — ela disse me dando um beijo no rosto. Rodrigo também me cumprimentou sutilmente com um meneio de cabeça, mas minha atenção estava completamente voltada para Fernanda, que se despedia de Sandra. Fernanda caminhou em direção aos elevadores e Rodrigo foi com ela, enquanto preferi esperar mais alguns minutos.
— Tenho a impressão de que ainda nos veremos por aí, sim — falei para mim mesma, enquanto eles entravam no elevador, mas Sandra escutou e assentiu, concordando, e completou:
— Mas, pelo menos, ela não estará mais aqui para infernizar a vida de vocês. E pela forma como Rodrigo olhava para ela, talvez role alguma coisa ali. Quem sabe ela não se apaixone por ele e esqueça o Sr. Shawn.
— Deus te ouça, Sandra. Após um longo suspiro, despedi-me dela e fui embora. Quando cheguei no estacionamento, avistei Shawn saindo de seu carro. Tive vontade de apenas ignorar e ir para casa, mas se fizesse isso, continuaria agoniada até ele aparecer. Então, passei direto pelo meu carro e fui até ele. Ao me aproximar, pude ver que Shawn estava com uma aparência cansada, mas sorriu ao me ver.
— Oi, sumido.
— Olá, dorminhoca, já está indo? Nossa troca de brincadeiras me deixou mais tranquila, era sinal de que as coisas estavam bem entre nós.
—Sim, nos falamos depois? — quis saber, ainda um pouco receosa.
— Prometo que chegarei mais cedo hoje. Assenti e o escutei me chamando de gostosa quando passou por mim. Fiquei parada no meio do estacionamento, vendo-o dirigir-se à entrada do prédio, sorrindo feito uma boba. Só Shawn tinha esse poder sobre mim e eu sabia que o mesmo acontecia com ele, motivo pelo qual não deveria ser tão insegura, mas toda vez que sua ex aparecia, eu ficava com o pé atrás. Balancei a cabeça e vasculhei minha bolsa em busca das chaves, quando levantei o olhar, avistei Fernanda parada do outro lado da rua, de braços cruzados, me fuzilando com o olhar. Sua expressão de desagrado demonstrava que ela já estava ali há um bom tempo e que havia presenciado toda a minha conversa com Shawn. Desviei o olhar e caminhei em direção ao meu carro, tentando não me preocupar com o tipo de coisa que essa maluca estaria pensando. Já fazia pelo menos uns vinte minutos que ela tinha saído da Cabello, e se ainda estava rondando, era porque tinha esperanças de falar com Shawn. O que eu acabei atrapalhando, pensei, com certa satisfação, ao entrar no carro e me dirigir ao condomínio, com calma e escutando algumas músicas que me ajudaram a relaxar a tensão que andava me rondando nos últimos dias. Como não sabia se Shawn iria demorar para chegar, coloquei uma roupa de ginástica e fui para academia do condomínio onde corri por meia hora na esteira e fiz meus exercícios de musculação preferidos. Desde que comecei a ficar com Shawn, tinha praticamente abandonado meus hábitos saudáveis e nada melhor que um momento de estresse para nos lembrar o que nos faz bem. Voltei para casa quando já estava anoitecendo e avistei o carro de Shawn em sua garagem. Corri para dentro e tomei um banho daqueles. Depois de pronta desci até a cozinha, coloquei no forno uma lasanha que a maravilhosa Maria tinha deixado pronta para mim. Se não fossem ela e mamãe eu, com certeza, estaria vivendo de sanduiche ou de comida congelada. Mas aquilo iria mudar, já tinha me inscrito no curso de gastronomia que Sílvia sugerira e mal podia esperar para começar. Eu sabia que não me tornaria uma expert, mas, pelo menos, conseguiria fazer alguma coisa decente sempre que precisasse. Mandei mensagem chamando Shawn para ir jantar comigo e um momento depois, ele respondeu dizendo que em dez minutos estaria lá em casa. Assim que chegou, já foi me abraçando por trás, me fazendo sentir aquele costumeiro frio na barriga.
— Com fome? — perguntei e me virei para abraçá-lo.
— Muita. De comida e de você — confessou e tomou minha boca em um beijo que se prolongou por longos segundos. Quando a coisa estava começando a esquentar, o forno apitou fazendo nós dois gemermos em frustração. Afastei-me dele para arrumar a mesa, enquanto ele tirava a massa do forno e abria o vinho que havia levado.
— Resolvi as coisas com o pai da Fernanda — Shawn comentou depois de comer algumas garfadas.
— Eles estiveram lá em casa ontem à noite, foi por isso que me atrasei, li e reli o contrato algumas vezes e depois conversei com nossos advogados. Fiquei aliviada por ele ter falado a verdade e mais aliviada ainda por ter sido madura em não o cobrar antes do tempo.
— Fico feliz que tenham resolvido. Eu a vi na empresa hoje, quando estava indo embora. Ela mesma me comunicou que não trabalharia mais lá.
— Alejandro me falou. Ele afirmou que ela aceitou numa boa. Era essa a impressão que ela queria passar, não dava para bancar a louca suicida o tempo todo, mas eu não seria burra de falar isso para o Shawn, a única coisa que me restava era esperar e rezar para que ela nos deixasse em paz.
— Aos poucos as coisas estão se resolvendo — falei, segurando a mão dele por cima da mesa.
— Sim —concordou, levando minha mão aos lábios e depositando um
beijo.
— Ele também me disse que você vai para Singapura comigo.
— Pois é. Eu fiquei sabendo através de Sandra.
— Para dizer a verdade, eu tinha até me esquecido desse evento e fiquei surpreso quando ele tocou no assunto, especialmente ao saber que ele havia concordado que você fosse.
— Quem me contou sobre isso foi mamãe. Ela adorou o fato de o médico ter proibido papai de viajar, acha que é o primeiro passo para convencê-lo a se cuidar melhor e diminuir o ritmo de trabalho. Mas você não me disse o que achou da notícia.
— Eu vou adorar passar alguns dias com você, longe de tudo e todos — ele afirmou, roçando a perna na minha por debaixo da mesa.
— Hum, eu também — falei, antes de puxar sua cabeça e roçar meus lábios nos dele. Continuamos nosso jantar, conversando amenidades e quando lhe contei sobre o curso de culinária, ele adorou e apoiou incondicionalmente, mas lamentou por não poder ficar todas as noites comigo. Eu também lamentava, mas sabia que não dava para ficar grudados o tempo todo e não seria isso que nos afastaria. Nossa relação estava sólida e parecia que, aos poucos, meu sonho de menina estava se tornando realidade. Nem Shawn e nem a empresa tinham mais qualquer vínculo com Fernanda e para brindar essa conquista, em alguns dias iríamos viajar juntos para Singapura. Agora era só rezar para que Fernanda desaparecesse de vez de nossas vidas e que papai aceitasse meu relacionamento com seu sócio. Só assim minha felicidade estaria completa.