Camila
O Shawn está noivo! Foi com esse pensamento que acordei algumas horas depois de ele ter me deixado, ainda com seu cheiro em meus cabelos e a sensação maravilhosa de estar em seus braços. De repente, senti meu peito apertado e uma sensação meio claustrofóbica tomou conta de mim. Shawn havia ultrapassado várias das barreiras que eu erguera nos últimos anos quando decidiu passar uma noite comigo, e a incerteza do nosso futuro me corroía por dentro. As imagens de seu corpo em cima do meu me bombardeavam a todo momento, minha pele chegava a queimar só de lembrar do quanto nosso encaixe foi perfeito. Eu havia sido feita para ele e essa noite apenas provou o que eu já sabia. Tudo o que aconteceu foi muito mais avassalador do que imaginei que seria, mas não dava para ficar vivendo de lembranças, eu precisava esclarecer aquela história para poder tocar minha vida. Depois de um banho demorado, desci e fui direto para a cozinha em busca da minha melhor amiga, precisava desabafar com alguém ou iria enlouquecer.
— Bom dia, Caminho — Maria disse, toda alegre.
— Cadê todo mundo? Ela largou um pano de prato em cima da pia e se aproximou.
— Seu Shawn saiu feito um raio mais cedo, num tomô nem um cafezinho. Um tempo depois foi a vez da Rafa ir embora com seu Davi, já o resto do povo deve tá durmino. Desabei na primeira cadeira que vi ao receber a notícia de que a traidora da minha amiga tinha ido embora com Davi.
— Rafa disse alguma coisa? — perguntei, curiosa por uma explicação.
— Falou que depois liga pra você. Qué café? Suspirei e confirmei com a cabeça. Maria até era uma boa ouvinte, mas não queria que ninguém soubesse o papel de trouxa que desempenhei na noite passada. Corri atrás daquele homem a vida toda e quando, finalmente, consegui o que desejei por tanto tempo, descubro que o filho da mãe está noivo. É azar demais. Minutos depois, quando Karen e meus pais se juntaram a nós, tentei agir da forma mais natural possível. Mas nem precisava ter me incomodado tanto, estavam todos ainda cansados da noite anterior e alheios a tudo, inclusive ao acidente da Fernanda. Cogitei a possibilidade de contar a eles, mas desisti quando me lembrei das explicações que teria que dar e achei melhor esperar que o próprio Shawn falasse quando chegasse. Depois do almoço, saí a cavalo pela fazenda, numa tentativa inútil de acalmar meus pensamentos, afinal, tudo naquele lugar me lembrava ele e os momentos que passamos naquelas terras. A agonia que apertava meu peito era uma coisa que eu nunca tinha sentido antes, no passado eu vivia de migalhas, em busca de olhares e sorrisos, mas agora que sabia o sabor de seus beijos e a textura de seu toque, eu não conseguia pensar em outra coisa. Eu queria mais dele, e de nós dois engalfinhados em uma cama, eu queria Shawn absurdamente mais, do que sempre quis. Acabei perdendo-me no tempo e quando dei por mim, já era final de tarde. Percebi que, inconscientemente, estava protelando a minha volta, seria difícil encará-lo depois de tudo o que houve, mas não poderia mais andar sem rumo. Então, mesmo sem vontade, peguei o caminho que me levaria ao estábulo. Depois de cuidar do cavalo, dirigi-me à casa onde encontrei meus pais, Karene mais duas senhoras, que deviam morar nas redondezas, conversando na varanda. Não vi o carro de Shawn, o que significava que ele ainda não tinha chegado. Cumprimentei a todos e subi para o meu quarto. Minutos depois, Karen bateu na porta e entrou, ela devia ter sentido que alguma coisa estava errada.
— O que aconteceu, filha? — perguntou enquanto fechava a porta.
— Eu liguei para Shawn mais cedo, mas ele apenas disse que estava resolvendo um problema e que provavelmente não voltaria hoje. Já você, ficou fora a tarde toda e quando volta, está com a cara pior do que a que tinha quando saiu. Livrei-me das botas de montaria e protelei antes de responder:
— Fernanda sofreu um acidente de carro essa madrugada. Karen levou uma mão ao peito mostrando-se apreensiva.
— Meu Deus! Eu não gosto muito dessa moça, mas não lhe desejo mal e espero que ela esteja bem.
— Penso da mesma forma — garanti e dei um sorriso fraco.
— Só que tem mais... Parece que eles estão noivos. Desta vez a boca de Karen se abriu de incredulidade.
— Como assim? — perguntou, sentando se ao meu lado e pegando minha mão. Narrei o que tinha acontecido, sem entrar em detalhes sobre como havia chegado ao quarto dele. Seu olhar ficou perdido após meu relato, uma expressão típica de quem estava pensando. De repente, ela balançou a cabeça e se voltou para mim.
— Essa história de noivado está mal contada, Camila. Shawn jamais ficaria noivo e esconderia de mim — afirmou e um fio de esperança relampeou em meu coração.
— Eu quero muito isso que seja verdade, Karen, mas não sei o que pensar... Seu filho me confunde.
— Eu sei, querida, mas tenho dois conselhos a te dar: primeiro, não faça julgamentos antes de saber exatamente o que aconteceu. — Eu assenti, pois ela estava certa tentaria manter minha mente aberta.
— Segundo, não seja boba de ficar aqui esperando por ele; pegue seu carro e volte para a cidade. Cheguei a levar um susto com seu pedido, mas rapidamente apreendi que Karen poderia estar certa. Se Shawn ainda se lembrasse da minha existência, devia estar contando que eu ficaria feito uma idiota aguardando sua volta, louca por explicações.
— Acho que você tem razão.
— Eu sei que tenho. Agora, melhore essa carinha, homem nenhum vale esse olhar triste.
— Estamos falando do seu filho, Karen.
— Tão cego quanto qualquer outro homem — declarou me fazendo rir e me dando um novo ânimo.
— Obrigada, ex-futura sogra — falei, brincando, e ela gargalhou.
— Prefiro vê-la assim. E depois quero saber tudo o que aconteceu para você estar no quarto do meu filho de madrugada, mocinha. Dessa vez eu gargalhei, imaginando se teria coragem de lhe contar o que fizera com Shawn na noite passada. Não, definitivamente, não. Karen saiu e fui arrumar minhas coisas. Eu precisava sacudir a poeira e voltar a ser a mulher forte que me tornara. E mais do que isso, não podia me fazer de vítima, esse era o papel de Fernanda, o qual ela desempenhava brilhantemente. Duas horas depois, eu já estava com tudo pronto e coloquei o pé na estrada. Foi difícil convencer meus pais de que estava com saudades da minha casa e queria voltar para cidade, especialmente papai, que ficou bem relutante. Minha mãe, entretanto, devia ter percebido que tinha algo a mais e acabou me ajudando. Durante o caminho, liguei para a Rafa e contei meio por cima o que tinha acontecido, minha amiga ficou tão perplexa quanto eu. Também explicou que Davi tinha recebido uma ligação de seu gerente, avisando que houvera algum problema na casa de show durante a virada de ano e ele pediu que ela fosse junto para que fizessem algo depois. Claro que nossa conversa foi bem superficial e ficamos de contar tudo em detalhes quando nos encontrássemos para almoçar, no dia seguinte. Cheguei no condomínio perto das 22h e não vi o carro de Shawn na garagem, o que me fez crer que ele ainda estava com a Fernanda no hospital. Melhor assim, não tinha ânimo para discutir com ele. Quando acordei na manhã seguinte, por volta das 10h, eu ainda estava magoada e ansiosa, mas meus pensamentos pareciam mais ordenados; eu não era mais uma adolescente apaixonada e inexperiente para cair em desespero antes mesmo de saber toda a história. Saí de casa às 11h30 e me encontrei com Rafaela em frente a um tradicional restaurante do centro da cidade. O lugar era frequentado por empresários e famílias renomadas, e minha amiga sempre falava que ali era o local certo para se arranjar um bom casamento. Eu discordava, já que sempre ia com meus pais e nunca vi nada de mais, mas ela dizia que eu não via por que já gostava de alguém e sequer olhava para os lados, o que era verdade.
— E o que pensa em fazer agora? — ela perguntou assim que recebemos nossas sobremesas. Na minha época de adolescente o sofrimento não era tão real, pois Shawn nunca tinha me dado esperanças, mas agora era diferente, tínhamos passado uma noite juntos, nossa química era inexplicável, mas não dava para ignorar o fato de que Fernanda ainda estaria entre nós.
— Vou esperar. Minha amiga me encarou, um tanto ressabiada, pois esse tipo de atitude não condizia com a Camila que ela conhecia.
— Só esperar?
— Qualquer homem na situação dele estaria esperando que eu fosse atrás em busca de explicações ou até mesmo que fizesse um barraco, mas eu não lhe darei isso.
— Atitude admirável, eu não sei se conseguiria.
— A verdade é que não tenho muitas opções, Rafa. Shawn praticamente faz parte da família, meus pais estão alheios ao que aconteceu, não dá para arrumar uma briga com o cara, mesmo que ele seja um babaca, vou ter que manter as aparências.
— Está certo. Depois de comer, fomos ao shopping e perambulamos pelas lojas. Rafa estava radiante, pois as coisas estavam dando certo com Davi, mas percebi que manteve seu entusiasmo contido em solidariedade à minha situação. No final do dia, antes de nos despedirmos, pensei em convidá-la para fazer alguma coisa à noite, mas desisti quando vi o número de Davi piscando na tela de seu celular. Pelo jeito, ele também estava bem interessado e não achei justo atrapalhá-la só porque eu estava sofrendo. Ao chegar em frente à minha casa, foi inevitável não olhar para a casa de Shawn e quase tive um infarto ao ver o carro dele. Estacionei em minha garagem e digitei a senha do alarme com as mãos trêmulas. Quando finalmente entrei, senti as pernas meio bambas e o coração acelerado. Deixei minha bolsa em qualquer lugar da sala e fui direto para a cozinha em busca de alguma coisa gelada para diminuir a secura da minha garganta. A primeira coisa que vi foi uma long neck e resolvi que seria ela mesmo. Abri a garrafinha e bebi seu conteúdo em longos goles. Ele, provavelmente, não apareceria para conversar comigo tão cedo e a cerveja me ajudaria a relaxar. Joguei a garrafinha no lixo reciclável, então espalmei as duas mãos no mármore frio do balcão, fechei os olhos e respirei bem fundo para tentar aplacar a mistura de emoções que se instalara dentro de mim. Meu lado adulto pedia que eu mandasse tudo para o espaço e tentasse seguir a mesma vida que eu tinha em Boston, mas a Camila adolescente permanecia viva dentro da minha alma e ela estava louca para viver esse amor. Abri os olhos quando a campainha tocou e senti meu coração galopando no peito. Será que era ele? Que pergunta idiota, claro que era. Saí da cozinha a passos largos, mas fui diminuindo o ritmo conforme chegava perto da porta. Lá, enchi os pulmões de ar uma última vez e girei a maçaneta para dar de cara com o motivo das minhas alegrias e tristezas há mais de dez anos. Shawn parecia levemente abatido, mas a tensão em seu olhar diminuiu ao me ver. Permaneci calada, apenas observando aqueles dois diamantes que estavam fixos em mim, à espera de que ele dissesse alguma coisa.
— Precisamos conversar — falou por fim e eu apenas balancei a cabeça, abrindo um pouco mais a porta. Shawn entrou e respirei um pouco mais forte para inalar o cheiro de seu perfume. Que patética! Ele foi direto para a sala e esperou que eu fechasse a porta e me juntasse a ele, o que eu fiz, séria e com os braços cruzados.
— Estou ouvindo. Ele passou as mãos pelos cabelos e respirou pesadamente.
— Eu não menti para você sobre o noivado, na verdade, ele foi um dos motivos de eu ter brigado com Fernanda na noite de Natal.
— Então você não está noivo? — perguntei, soltando os braços ao longo do corpo, esperançosa de que tudo fosse um mal-entendido.
— Estou — respondeu e meus ombros desabaram —, mas não da forma que imagina. Soltei uma risada desgostosa.
— Não tem como ficar meio noivo. — Suspirei, chateada demais para continuar conversando com ele.
— Acho melhor você ir embora, Shawn. Minha resposta fez surgir uma leve indignação nos olhos dele e também teimosia. Ele não sairia até falar o que queria.
— Houve uma época em nosso relacionamento, que chegamos a conversar sobre esse assunto, mas nunca de uma maneira realmente séria, pelo menos de minha parte, apenas como acontece entre pessoas que já estão juntas há muito tempo. De lá para cá, ocorreram várias coisas que me fizeram repensar essa possibilidade. Já Fernanda, continuava com esta ideia fixa e sempre que podia, tocava no assunto, mesmo vendo minha relutância e desinteresse. — Ele parou de falar e me surpreendeu ao perguntar se tinha algo para beber.
— Cerveja serve?
— Com certeza — ele respondeu com um leve sorriso. Fui à geladeira e peguei duas garrafinhas, uma para mim e outra para ele, que deu um grande gole, antes de se sentar no sofá. Esperei enquanto ele tomava mais um pouco e dei pequenos goles na minha, sentindo que ambos conseguimos relaxar um pouco mais durante essa pausa.
— No meio da ceia de Natal, Fernanda armou para cima de mim e anunciou para toda a família que estávamos noivos. Na hora, é claro, eu não falei nada, apenas recebi os parabéns, completamente sem jeito, mas depois que a ceia acabou, levei-a para o jardim de sua casa e nós brigamos feio. Acho que talvez tenha pensado que após aquela declaração, eu não teria coragem de simplesmente acabar com tudo, mas foi exatamente o que fiz. Antes de deixá-la e ir para a fazenda, exigi que esclarecesse tudo à sua família, mas pelo que você viu, ela não falou nada. Todos continuam pensando que estamos noivos. Eu estava completamente estarrecida com aquela história. Então Fernanda colocou Shawn contra a parede. Agora estava explicado o mau humor dele nos dias que antecederam a virada de ano e as repetidas ligações para tentar reatar. Ela estava claramente tentando apagar o incêndio que provocou no Natal e reverter a situação
— Achei que esse tipo de coisa só acontecesse em novelas — comentei e me sentei ao seu lado.
— Pois é.
— E como ela está? Minha pergunta fez surgir um ar de pesar em seu rosto, algo que não via a muito tempo.
— Ela levou uma pancada feia na cabeça e está a base de sedativos. Os médicos preferiram colocá-la numa espécie de coma induzido por alguns dias e não sabemos quando vai acordar. Fiquei sem reação ao perceber que Shawn estava preso a um noivado inventado pela namorada instável, que ficaria desacordada por dias. E conhecendo-o como eu conhecia, Shawn não falaria nada à família dela nesse meio tempo.
— Eu jamais ficaria noivo de uma mulher sem fazer uma grande festa para anunciar a todos os meus amigos e familiares. E embora meu relacionamento com a Fernanda fosse longo, eu ainda não me sentia preparado para dar esse passo, por outro lado, me sinto responsável pela situação em que ela se encontra, Fernanda sempre foi muito dependente de mim, se apegou muito rápido e me transformou em seu mundo, eu só perdia para a medicina, sua grande paixão desde criança. Era fácil entender o fascínio de Fernanda, já que Shawn era um homem de verdade, cheio de virtudes e qualidades que faltavam à grande maioria das pessoas, mas isso não o eximiria da culpa de não ter me contado sua situação, antes de passar a noite comigo.
— E agora? — Os pais dela sabem que estávamos brigados, afinal, eu estava na fazenda e ela na cidade, mas eu não disse o motivo, não era hora de colocá-la contra eles. Além do mais, pelo lugar onde aconteceu o acidente, tenho a impressão de que ela estava indo para a fazenda e não sei como eles se comportariam ao saber disso, já estão muito estressados. Fiquei em silêncio por um bom tempo, já imaginando que Shawn estava se sentindo culpado pelo acidente, aquilo era bem típico dele. Já eu, não sabia o que fazer. Tinha ciência de que enquanto ela estivesse em coma, Shawn estaria preso ao relacionamento deles e não teria como ficarmos juntos, se é que era isso o que ele queria. Meu Deus, que confusão!
— Eu sei que deve estar me achando um canalha, que me aproveitei de você, mas... — ele ponderou e nossos olhares se encontraram. Antes que continuasse, eu o interrompi.
— Ambos queríamos, Shawn, então relaxa, porque não estou pensando nada nesse momento. Além disso, foi apenas sexo, coisa que já fizemos inúmeras vezes com outras pessoas. — Dei de ombros, tentando me mostrar descolada, mas o olhar dele endureceu.
— Apenas sexo!? Eu passei por cima de muitos princípios e valores para ficar com você. Por Deus, não sei onde eu estava com a cabeça quando traí a confiança do seu pai... — Ele estava exasperado e caminhou pela sala demonstrando um arrependimento tão grande que me fez sentir vergonha de ter sido tão fácil. Eu poderia dar o maior show da terra naquele momento, era difícil manter o controle e ser superior a toda aquela merda, quando minha vontade era chamá-lo de covarde ou de qualquer outra coisa.
— Não se preocupe, meu pai não ficará sabendo — garanti duramente e me levantei, indo até a porta enquanto sentia os olhos de Shawn nas minhas costas. Passei a vida inteira correndo atrás daquele homem e não aceitaria que ele jogasse na minha cara que ter passado a noite comigo foi um grande erro.
— Camila, eu...
— Boa noite, Shawn, espero que a Fernanda se recupere logo — falei, sem lhe dirigir o olhar, mas ele percebeu o quanto eu estava magoada e decepcionada, entretanto, sabia que não adiantava insistir e passou por mim em silêncio. Imaginei o quanto sua cabeça deveria estar atormentada. Ele tinha entrado em um noivado “arranjado”, sua noiva estava em coma e, de quebra, tinha passado uma noite com a filha de seu melhor amigo. A vida já o estava castigando o bastante, eu não precisava tripudiar, mas não era obrigada a ficar ouvindo sobre seus arrependimentos.