Capitulo 32

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Camila



Minha segunda-feira começou estranha. Eu não estava animada como de costume e isso, com certeza, era reflexo da falta que Shawn fazia em minha vida. Pelo menos, antes de Miguel, havia aquela expectativa de que algo pudesse acontecer, mas agora... Quando desejei bom- dia a Sandra, ela estava com um sorrisinho maroto nos lábios.
— Chegaram algumas encomendas para você. Deixei tudo na sua sala. Encomendas? Eu não havia comprado nada pela internet, então, certamente, devia ser coisa do meu pai. Ao entrar em meu escritório, levei um susto enorme ao me deparar com dezenas de buquês com rosas de todas as cores. Era a coisa mais linda que já tinha visto na vida e, certamente, não eram do meu pai. Soltei minha bolsa no chão, ainda em choque com toda aquela demonstração de carinho, e caminhei por entre os vasos, tocando as pétalas com cuidado e sentindo o perfume incomparável das rosas colombianas. Achei um envelope meio escondido entre as flores do buquê que fora colocado em cima da minha mesa. Com dedos levemente trêmulos, abri à procura do cartão, mas para minha surpresa, havia um pedaço de papel dobrado. Imediatamente o reconheci, ficando ainda mais nervosa. Meu coração já estava palpitando quando o li:
“Não esperar que haja uma data especial para enviar flores a Camila”
No mesmo instante minhas mãos começaram a tremer de verdade e uma enorme emoção tomou conta de mim. Um nó começou a se formar em minha garganta e senti vontade de chorar. Eu me lembrava do dia em que eu e Shawn conversamos sobre isso, lá na fazenda. Estava prestes a completar dezesseis anos e perguntei se ele costumava mandar flores para suas namoradas. Ele respondeu que sim, mas apenas em datas especiais como aniversário ou dia dos namorados. Eu fiquei indignada com aquilo e lhe disse que não deveria haver datas especiais para uma mulher ganhar flores. Shawn riu e disse que, para mim, ele abriria uma exceção e um dia me surpreenderia com um belo buquê de rosas. Bom, esse dia tinha chegado e ele tinha conseguido mexer com as emoções da Camila adolescente, que desejava esse tipo de demonstração de carinho e atenção. Pelo visto, aquela garota carente ainda vivia dentro de mim e continuava desesperada por sua atenção. Quando anotava as promessas que ele me fazia, eu realmente tinha esperança de que ele as cumprisse, mas, bem no fundo, eu sabia que aquilo nunca aconteceria. Voltei a olhar para a sala, encantada, mas também, um pouquinho chateada por saber que ele havia aberto a caixa sem mim. Tinha vontade de lhe dar uma bronca, mas não conseguiria, eu tinha ficado feliz demais com a iniciativa dele. Limpei as lágrimas que teimavam em cair e pensei em ir à sala dele agradecer o gesto, mas logo repensei, achando melhor me acalmar primeiro ou correria o risco de acabar em seus braços, e aquilo não poderia acontecer. Não poderia ceder só porque ele encheu minha sala com as flores mais lindas e perfumadas que eu já tinha visto. Voltei para pegar minha bolsa, guardei o envelope dentro dela e organizei os arranjos de forma que não atrapalhasse minha locomoção pela sala. Suspirei durante toda manhã a cada vez que tirava os olhos de algum documento e encarava as flores. Na hora do almoço, meu pai avisou que Shawn havia viajado a trabalho e que talvez só voltasse no final da semana. A princípio fiquei chateada por ele não ter me falado nada, mas na mesma hora minha mente me lembrou que eu o tinha afastado e que por isso não podia exigir e nem reclamar de nada. Depois de revirar os olhos internamente, pensei em mandar uma mensagem de agradecimento, mas achei melhor esperar para fazer isso pessoalmente. No final do dia, com a ajuda de Sandra, coloquei os buquês em meu carro, mas deixei aquele onde achei o cartão, na mesinha de centro que havia na minha sala. Quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi colocar meu telefone para carregar. Estava tão atordoada naquela manhã, que não me lembrei de pegar o carregador. Quando o telefone ligou, várias chamadas não atendidas começaram a aparecer na tela. Eram todas de Rafaela, mas mesmo curiosa para saber o que ela queria, preferi cuidar das minhas flores antes, isso daria tempo para a bateria carregar um pouco. Eu não tinha vasos de cristal para tudo aquilo, então tive que ir até minha mãe para emprestar alguns. Claro que ela estranhou que eu precisasse de seus vasos, mas não dei muitos detalhes, se o fizesse, teria que contar a história toda. Depois que tudo estava em seu devido lugar, fiquei algum tempo namorando minhas flores, antes de subir e retornar a ligação da minha amiga.
— Alguém morreu? — zombei quando ela atendeu.
— Sua vaca, estou o dia todo tentando falar com você — ela reclamou.
— Desculpe, amiga, meu dia foi uma loucura e meu telefone ficou sem bateria, mas pode falar. Em vez disso, Rafaela ficou em silêncio, como se estivesse tomando coragem. Estava prestes a lhe repreender quando ela soltou:
— Acho que esse Miguel não é o cara certo para você. Foi minha vez de ficar em silêncio por um tempo.
— Mas você mesma me incentivou a ficar com ele.
— Eu sei, Camz, mas mudei de ideia, o Davi me falou umas coisas não muito legais sobre ele e achei melhor te alertar. Davi era o melhor amigo de Shawn, então, era óbvio que ele daria um jeito para que Rafaela fizesse minha cabeça.
— Nós ainda estamos apenas nos conhecendo, se achar que ele não é uma boa pessoa, vou dar um jeito de me afastar, ok.
— Camila... — ela insistiu.
— Eu sei que está preocupada, mas pode ficar tranquila, eu não estou apaixonada, então, caso perceba qualquer coisa diferente, saio correndo. Ela deu uma risada desgostosa e mudamos de assunto. Depois que desligamos, comecei a analisar nossa conversa. Rafa me pareceu estranha e acabei me questionando se não estava acontecendo algo mais. O problema era que eu conhecia bem a minha amiga e sabia que ela só me falaria alguma coisa quando quisesse, por isso não insisti, esperaria até que ela estivesse preparada. Naquela noite, demorei a pegar no sono, pois minha mente não parava de me atormentar. Comparações entre Shawn e Miguel apareciam a todo momento, mas eu sabia que não poderia me basear nisso, pois estava acostumada com Shawn, então seria difícil que meu subconsciente aceitasse outro homem. Ficar com Shawn, só valeria a pena, se fosse do jeito que sempre sonhei. Estava tão cansada de migalhas, e sempre que meu coração apaixonado queria cair em tentação, eu me lembrava que Fernanda, e tantas outras, receberam tudo dele, então, nada mais justo do que querer o mesmo. Quando cheguei no andar da presidência na manhã de terça-feira, parei de chofre e tive medo de sofrer uma apoplexia, quando vi Fernanda na recepção conversando com Sandra. Que diabos ela estava fazendo ali? Várias hipóteses passaram pela minha cabeça e a única conclusão lógica que encontrei, foi que ela, provavelmente, havia se dado conta da merda que fez e agora começaria a correr atrás do prejuízo, ou seja, Shawn. Obriguei minhas pernas a se movimentarem e assim que me viu, Fernanda abriu um enorme sorriso que contradizia a declaração de Shawn sobre ela estar com depressão. Claro que havia algumas mudanças. Seu corpo estava um pouco mais magro do que eu me lembrava e faltava-lhe um pouco de vitalidade, mas eu creditava isso ao tempo que ela passou internada. A questão é que, mesmo um pouco abatida, ela continuava bonita e eu tive vontade de bater nela por isso.
— Bom dia, Camila — disse ela, animada.
— Bom dia, Fernanda — cumprimentei e acenei para Sandra. Ela tinha uma expressão ressabiada, mas, obviamente, nada comentou. Virei-me para Fernanda novamente.
— Que bom que está melhor.
— Graças a Deus, foi só um susto. Ainda estou me restabelecendo, mas pronta para voltar ao trabalho, não aguento mais ficar em casa. Acenei, me perguntando o porquê de ela estar falando sobre trabalho comigo.
—Bom, fico feliz. Foi bom te ver, até mais — falei e fui passando por ela.
— Nos vemos por aí — ela replicou e fiquei mais confusa ainda. Minutos depois de eu guardar as minhas coisas, Sandra entrou feito um raio em minha sala.
— Olha, eu não estou acreditando que ela vai continuar trabalhando aqui. Juro que meu queixo foi ao chão e voltou.
— Como assim? Eu não estava entendendo mais nada.
— Ela é médica do trabalho aqui na empresa. Só podia ser uma grande brincadeira de mau gosto.
— Desde quando isso aconteceu e porque ninguém me contou?
— Eu não falei nada porque achei que você já soubesse, quanto aos outros, imagino que não queriam te aborrecer com isso — ela deu de ombros ao falar.
— E já faz mais de um ano que ela foi contratada. Mais de um ano! Eu
estava atônita.
— A boa notícia é que ela só vem às quintas-feiras e, geralmente, em apenas um período, depende da quantidade de pessoas. Por isso, todos os exames de admissão e desligamento são feitos nesse dia da semana. Se eu tivesse me inteirado um pouco mais da empresa, já teria sabido desse detalhe. Ri internamente ao pensar nas consequências disso. Shawn solteiro e Fernanda dando sopa pelos corredores da empresa: não era uma combinação muito boa. Você não deveria estar preocupada com isso, já que escolheu o Miguel. Inferno! Nem minha mente estava ao meu lado.
— Meu pai sabe do retorno dela?
— Não sei, mas acho que não vai se opor, ele tem grande admiração por essa moça, na verdade, ele adora. Mal sabe o tanto que ela vai infernizar seu querido sócio. E mais essa agora. Era só o que me faltava. Meu pai aprovava meu namoro com Miguel, e o de Shawn com Fernanda. Parecia até que havia uma conspiração para nos manter separados. Pensar nisso fez um frio na barriga carregado de medo subir pelo meu ventre, uma sensação estranha que não era nem um pouco confortável. E se Shawn percebesse que ainda gosta dela?
— Você acha que ele e Fernanda podem voltar a ficar juntos? Sandra me olhou com carinho e um pouco de compaixão, adivinhando sabiamente o que eu estava sentindo.
— Acho difícil, mas não dá para garantir, Camila, das outras vezes eu também achei que não haveria volta e eles acabaram reatando, então, não vou opinar. Eu sabia que não era sua intenção, mas a resposta de Sandra tinha conseguido me deixar ainda mais inquieta. A manhã do dia anterior tinha sido tão especial, com minha sala cheia de flores associadas aos suspiros que escapavam a todo momento, e agora... Eu nem sabia o que pensar, então tentei trabalhar, mas tudo o que consegui fazer ao longo do dia, foi tentar me convencer de que estava tudo bem. Shawn já tinha me dito que não amava mais a Fernanda e ele não voltaria com ela apenas por culpa, comodidade, ou para que ela saísse do seu pé, não é? Talvez fosse hora de ligar para agradecer as flores e dizer que lhe daria uma chance. Se deixasse isso resolvido, quando ele voltasse e a encontrasse, não faria mais diferença, não é? Essas e outras hipóteses surgiram em minha cabeça, para tentar acalmar o meu coração, mas, como sempre, meu lado racional estava lá para colocar meus pés no chão e me fazer entender que se Shawn quisesse voltar com ela, não haveria nada que eu pudesse fazer, eles tinham uma história juntos, cheia de altos e baixos, então era bem possível que acontecesse uma recaída. Ao chegar àquela conclusão, tive vontade de chorar. Meu Deus, onde fui me meter?! Para piorar, ainda tinha o Miguel. Naquela tarde, eu havia deixado meu celular dentro de uma gaveta, no silencioso e pedido para Sandra me passar apenas chamadas do meu pai. Tinha um relatório para fazer, e já estava dispersa demais para ainda ser interrompida com telefonemas sem importância. No final do dia, ela me avisou que ele havia ligado atrás de mim, pedindo apenas que eu fosse avisada sobre isso. Bom, o recado foi dado, mas não estava a fim de retornar. Eu ainda não tinha me recuperado de tudo aquilo quando saí da Cabello, no final do expediente. Quando cheguei ao condomínio, resolvi parar para conversar com papai, mas ele ainda não tinha chegado. Na hora, fiquei frustrada, mas depois percebi foi melhor assim, se o pressionasse para que mandasse Fernanda embora, ele poderia desconfiar daquele meu súbito interesse. Então, ao contrário do que planejei, contei tudo para a minha mãe, que ficou incrédula e disse que iria dar um jeito para que a ex não permanecesse muito tempo na empresa. E ela não faria aquilo apenas por causa de mim; mamãe tinha verdadeira antipatia pela bela doutora, e num verdadeiro show de dramaticidade, disse que a sanidade de todos dependia de seu afastamento. Não consegui deixar de rir da forma como ela falou aquilo. Mamãe era supersimpática e amável, mas quando pegava ranço de alguém, dificilmente mudava de ideia e eu tinha certeza de que ela iria infernizar a vida do meu pai até que ele tomasse uma atitude. Depois que fui embora, me afastando da aura de amor que me abraçava sempre que estava naquela casa, acabei me sentindo mal por compactuar com aquilo. O problema era que não dava para ser boazinha naquele momento. Se Fernanda quisesse correr atrás de Shawn, que fosse bem longe da empresa do meu pai. Mas você está com o Miguel, então por que toda essa irritação?, uma voz debochada questionou, e por mais que eu não quisesse admitir, era a mais pura verdade. Eu tinha resolvido dar uma chance para o meu coração gostar de outra pessoa e agora não fazia sentido me preocupar tanto com o que Shawn e Fernanda fariam. Sem conseguir passar mais uma noite pensando no tormento que estava a minha vida, resolvi sair sozinha. Precisava bater perna, respirar outros ares para colocar as ideias no lugar e nada melhor que o shopping para distrair a cabeça. Mas depois de entrar em dezenas de lojas e olhar centenas de coisas, comprei apenas um óculos de sol. Sabendo que a ideia de fazer compras não iria fluir, decidi ir até a praça de alimentação, que já estava prestes a fechar. Fui a um restaurante árabe e pedi um beirute de frango e um suco natural, que foram servidos em seguida. Com minha bandeja na mão, ocupei a primeira mesa que vi e comecei a comer. Minutos depois, vi a porta de saída do cinema ser aberta e logo as pessoas que estiveram assistindo à sessão, começaram a sair. Enquanto saboreava o beirute que estava delicioso, fiquei observando, de forma descontraída, os casais que caminhavam despreocupadamente, de mãos dadas, provavelmente trocando ideias sobre o filme. Acabei ficando melancólica novamente. Sempre quis que Shawn me notasse para que pudéssemos fazer programas como esses, e aí, quando isso acontece, ele propõe um relacionamento secreto. Era muito azar. De repente, a comida perdeu o gosto e tive vontade de largar tudo lá e ir embora, mas detestava desperdiçar alimentos, então levei a bandeja até a atendente e pedi que embrulhasse a metade intocada para viagem e terminei de tomar o suco. A caminho de casa, lembrei-me de que precisava comprar creme dental e remédio para dor de cabeça e resolvi parar em alguma farmácia. Avistei uma poucos quilômetros depois do shopping e me dirigi para lá. Estacionei quase em frente à porta e estava prestes a descer quando meus olhos capturaram um rosto conhecido. Congelei no lugar e fixei o olhar no homem bonito que acabava de entrar na mesma farmácia onde eu pretendia comprar minhas coisas. Ele estava muito bem vestido, como sempre, com uma roupa mais despojada, mas o que me chamou a atenção, foram as duas morenas, voluptuosas e insinuantes, que estavam penduradas em cada um de seus braços. A cena me deixou completamente absorta, eu não sabia o que fazer ou o que pensar. Tudo bem que elas poderiam ser apenas amigas dele, mas, sei lá, a interação entre eles parecia íntima demais, além disso, meu sexto sentido ficou cabreiro. Eu sentia que havia algo mais ali. De certa forma, fiquei até um pouco aliviada por saber que não era só eu que estava mantendo segredos no nosso relacionamento. Se é que era realmente isso, porque estava meio difícil de acreditar. Se fosse com uma, tudo bem, mas duas, Miguel?! Continuei ali, com os olhos grudados na porta, esperando que eles saíssem, o que não demorou nada; pelo jeito, tinham um objetivo bem específico e nada exagerado, se levasse em conta a pequena sacola que uma das garotas carregava. Eles se viraram na minha direção e dei graças a Deus por não ter nenhuma loja aberta na minha frente, ou a iluminação do lugar me denunciaria. Continuei acompanhando enquanto os três, tão grudados um no outro quanto possível, caminhavam na frente do meu carro, provavelmente em direção ao dele. Quando passaram, notei que as mãos dele descansavam na curva da cintura de cada mulher e elas faziam o mesmo com ele. Permaneci acompanhando seus passos, avidamente, queria ver se rolaria alguma coisa, mas eles apenas entraram no BMW de Miguel e se foram. Eu juro que meu primeiro impulso foi segui-los, mas apenas por curiosidade, porque, sinceramente, eu não me importava se ele estava transando com uma delas, ou mesmo com as duas. O que interessava é que eu não estava, e pelo visto, nunca estaria. Peguei minha bolsa, tirei meu celular lá de dentro, tranquei o carro e liguei para Rafa antes de entrar na farmácia, eu ainda precisava comprar o que faltava. Ela atendeu depois de três toques e comecei a descrever o que tinha visto, rezando para que ela me desse uma luz, pois ainda não tinha uma opinião formada sobre tudo isso.
— Hum, isso é realmente muito estranho... — ela falou, de maneira vaga, como se não quisesse se aprofundar no assunto.
— Sim, mas eles podem ser só amigos — eu arrisco.
— Olha só, Camila, eu me precipitei ao incentivar sua relação com o
Miguel. Hoje, acho que você não deveria ficar com ele. Ainda mais
depois disso, porque nós duas sabemos que não há amizade ali,
pelo menos não do jeito que conhecemos. Talvez por isso Miguel andasse tão calminho. Ele me disse que teria um compromisso no domingo e que, por isso, não poderíamos nos ver — o que, para
mim, foi providencial, eu não estava a fim de me encontrar com ele novamente no dia seguinte. Só que na segunda ele não entrou em contato, nem mesmo por mensagem, e isso foi estranho. Mais estranho ainda, foi que só me dei conta disso naquela hora. Nem mesmo quando ele ligou na terça, pedindo desculpas por não ter entrado em contato antes, dando uma desculpa qualquer, eu me lembrei que não falava com ele desde que saiu de minha casa, no sábado. Que coisa, ele não fazia a menor falta.
— Você acha que ele está ficando apenas com uma delas ou com as duas?
— Faz diferença? — ela perguntou, um tanto exasperada.
— Ei, calma, eu não estou querendo arrumar uma desculpa, é só curiosidade mesmo — expliquei, rindo um pouco de sua irritação. Ela também riu brevemente e respondeu:
— Desculpe, mas é que essa não é uma atitude legal para um cara que está começando um relacionamento, não interessa se ele está comendo uma ou as duas de uma vez. Nem mesmo Shawn, que não quis te assumir, fez isso com você.
— Você me confunde, Rafa —falei, soando frustrada dessa vez. Ela primeiro fez campanha para eu me afastar de Shawn e agora elogiava a conduta dele.
— Eu sei, amiga, eu... —ela parou e ficou alguns segundos em silêncio e tive a impressão de que ela estava pensando no que falar.
— Olha, eu peço desculpas por tê-la incentivado. Quando nos encontramos com ele e seus amigos naquele bar, eu achei todos eles muito bacanas, além de lindos, educados e tranquilos. Naquele dia, eu imaginei que Miguel fosse diferente, agora, não vejo a hora de você se afastar.
— Tá bom. Eu vou pensar no que fazer. Ela suspirou audivelmente do outro lado, mas depois apenas falou:
— Tudo bem, mas se precisar de qualquer coisa, me liga. Após
confirmar que ligaria, desliguei o telefone. Nessa hora eu já estava dentro do carro; tinha escolhido e pagado minhas compras, totalmente no automático e me encaminhado para lá em busca de privacidade. Guardei o celular, prendi o cinto de segurança e me dirigi para casa, ainda pensando na estranha conversa que tive com a Rafa. Nossa ligação me deixou ainda mais confusa, ela tinha razão em falar que Shawn mesmo não me assumindo tinha atitudes mais honradas em relação ao nosso namoro. Por conhecê-lo há tanto tempo, eu sabia que ele não me trairia; se ele, por acaso se interessasse por outra mulher, podia ter certeza de que ele terminaria tudo comigo primeiro. Mas esse era Shawn, não dava para basear todos os homens nas atitudes dele. Por outro lado, eu não tinha nenhum compromisso com Miguel e nós sequer conversamos sobre o assunto fidelidade. Ainda assim, mesmo que em oitenta por cento do tempo que passamos juntos eu estivesse pensando em Shawn, não tinha mais ido para a cama com ele, já Miguel, sabe Deus o que andou fazendo por todo esse tempo. Mais uma vez, dei graças a Deus por não ter cedido ao avanço dele no sábado. Se isso tivesse acontecido, eu estaria frustradíssima agora. Na realidade, foi muito bom ver aquilo, assim ficaria muito mais fácil fazer as comparações que minha mente insistia em inventar, mesmo sem minha permissão. E a conclusão foi única e certeira: Shawn estava sempre comigo. Essa constatação causou tanto alívio quanto um aperto no peito. Tirando o fato de não querer assumir nosso relacionamento logo de início, todo o resto era perfeito. Shawn demonstrava estar bem interessado em mim, tanto que, nas vezes em que ficamos conversando, após fazer amor, ele compartilhou diversos planos para depois que assumíssemos nosso lance. Se eu fosse sincera, admitiria que para Shawntambém não deveria ser fácil, era a amizade de uma vida que estava em jogo, e se não bastasse isso, ele e papai ainda eram sócios, o que devia pesar ainda mais em suas decisões. Só que as vezes eu me esquecia desses detalhes e compreender isso era bem complicado. Nunca fui do tipo mimada e egoísta. Apesar de me amarem, meus pais me criaram para ser humilde e respeitosa acima de tudo, mas o amor de Shawn me fora negado por tantos anos, que agora, quando tinha a chance de tê-lo, não queria mais postergar e acabava colocando meus desejos à frente de qualquer coisa. Naquela noite, antes de dormir, ainda recebi uma mensagem bem fofinha de Miguel. Disse que tentou falar comigo, mas que não insistiu, pois não queria atrapalhar meu trabalho e que só estava entrando em contato para me desejar boa noite. Eu agradeci, doce e meiga, e quando perguntei, de forma bem tranquila, o que ele estava fazendo, o babaca teve a cara de pau de falar que estava em um churrasco de família, mas que gostaria mesmo era de estar comigo. Senti nojo das mensagens e da cara dele. Eu fui tão desejada quando morava fora do Brasil, que senti asco por Miguel estar tentando me enrolar. Seu grande erro, além do óbvio, foi ter enviado essa maldita mensagem, caso não tivesse feito isso, eu ainda estaria em dúvida sobre aquela ida à farmácia, com uma mulher agarrada a cada braço. Certamente, amanhã, estaria tentando me enganar, dizendo a mim mesma que tinha sido apenas um encontro entre amigos, que se conheciam o bastante para andarem daquele jeito. Agora, eu podia imaginar com muita nitidez o que eles foram comprar. Idiota! Fazia tão pouco tempo que estávamos saindo e já peguei um de seus deslizes... Imagina se eu viveria com um homem que não me respeita e nem faz questão de esconder seus casos, perambulando por lojas, com duas mulheres do lado, no meio da semana, como se não tivesse mais nada para fazer na vida. Apesar de não querer, eu estava me sentindo enganada, mas ao mesmo tempo, grata, pois agora eu tinha uma pequena noção de quem era Miguel Cavalcante e não me deixaria enganar.

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