Capitulo 18

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Na manhã seguinte, acordei com o barulho distante de um aspirador de pó. Aquilo significava que Maria estava fazendo faxina na casa de Shawn, ou seja, no dia seguinte, quando estivesse na minha casa, teríamos novidades. Arrumei-me com pressa e não tomei café, já estava atrasada. Mas quando saí de casa, me deparei com a minha garagem vazia. Droga! Tinha esquecido de que havia ido para casa com Shawn, deixando meu carro no estacionamento da empresa. Aquele homem me fazia perder o juízo.
— Quer carona, Camila? — Ouvi a voz de Shawn a alguns metros de mim. Ele também estava na área aberta de sua garagem, pronto para ir trabalhar. Pensei em recusar e dizer que iria pedir carona ao meu pai, mas quando olhei no relógio percebi que havia uma grande chance de ele já ter saído. Então pensei em pedir um taxi, mas na mesma hora me repreendi, era ridículo agir assim.
— Sim, obrigada. — Atravessei o gramado que fazia parte do meu jardim e fui até a garagem dele. Como de costume, ele abriu a porta para mim e depois se ajeitou em seu lugar. Fiquei observando sua mão forte girando a chave e depois tomando o volante... Tive que me conter para não suspirar de forma ruidosa; aquele homem ficava sexy demais quando dirigia. Ao passarmos em frente à casa dos meus pais, notei que o carro de papai não estava lá, sinal de que fiz a coisa certa ao aceitar a carona de Shawn. Mais uma vez, o trajeto foi feito entre longos silêncios e conversas sobre o trabalho, parecia que esse tipo de assunto o deixava confortável, mas pela minha visão periférica o percebi olhando para as minhas pernas e gostei de saber que meu corpo provocava alguma sensação no, ultimamente impassível, Shawn Mendes. Chegamos à empresa juntos e isso não causou muita estranheza, já que a maioria dos funcionários eram antigos e sabiam da relação que ele tinha com a nossa família. No andar da presidência, cada um foi para sua sala se preparar para o dia frenético que teríamos. Haveria três reuniões importantes, sendo uma delas com os engenheiros responsáveis pelo condomínio de sítios, às 9h. Shawn era formado em engenharia e certamente entendia bastante sobre o assunto, mas ele e meu pai delegavam a parte técnica e chata da coisa aos engenheiros da Albrandaz. Na parte da tarde a reunião seria com o pessoal do jurídico. Como meu pai estaria atendendo um cliente no mesmo horário, eu e Shawn participaríamos desta. Como queria ficar à par do que seria discutido, meu almoço foi breve, para que tivesse mais tempo de analisar tudo. Cerca de meia hora depois que voltei, Sandra interrompeu minha leitura, entrando em minha sala sem bater, meio esbaforida.
— Camila, eu odeio ter que te pedir isso, especialmente porque a culpa foi minha, mas não tem outro jeito.— disse ela, aflita, com uma expressão bastante preocupada.
— Não precisa disso, Sandra, é claro que eu te ajudo, basta dizer o que precisa.
— Eu acabei marcando duas reuniões no mesmo horário na agenda do seu pai, estava com tanta enxaqueca aquele dia, que não percebi. O problema é que são dois empresários importantíssimos e ele vai me matar se algo der errado. Deixei minha papelada de lado e fui até ela.
— Eu posso pedir que Shawn cuide da reunião com jurídico e, enquanto meu pai atende um dos clientes, eu atendo o outro. Fique tranquila, vai dar tudo certo. Ela me abraçou, saindo da sala em seguida para poder remanejar as reuniões. Guardei os papéis que estava lendo, já que não participaria mais da reunião, e fiquei aguardando a chegada do Sr. Miguel Cavalcante. Segundo Sandra, o pai dele havia falecido a poucos meses e o rapaz estava responsável pelos negócios e bens da família, que incluíam um grande terreno. A reunião estava marcada para as duas da tarde, mas cinco minutos antes do horário, Sandra interfonou anunciando que o cliente estava a minha espera na recepção. Eu tinha acabado de vir do lavabo, onde estivera dando um jeito no meu visual, e pedi a ela que o acompanhasse até a minha sala. Levantei-me assim que a porta se abriu e Sandra entrou, dando passagem a um corpo forte que devia ter, pouco mais de 1m80 de altura muito bem proporcionados. Miguel ostentava uma barba bem-feita e usava um terno sob medida que, imediatamente, me fizeram lembrar da figura de Shawn. As semelhanças, porém, terminavam por aí, uma vez que os cabelos dele eram de um castanho-claro, quase loiro e os olhos, verdes. A diferença entre os dois ficou ainda maior quando ele abriu um belo sorriso, Miguel não tinha toda aquela carranca que Shawn costumava adotar, além de ser muito mais novo.
— Boa tarde, sou Camila Cabello — falei após dar a volta na mesa, estendendo-lhe a mão.
— Miguel Cavalcante, muito prazer. Nos cumprimentamos e Sandra desapareceu da sala, mas antes, me lançou um olhar de agradecimento. Miguel sentou-se à minha frente e logo lhe expliquei que meu pai havia tido um imprevisto, motivo pelo qual eu o estava atendendo. Miguel não se importou e começou a falar sobre seus planos de entrar para a área da construção civil, segundo ele, seu pai havia deixado muitos imóveis e terrenos espalhados pela cidade e seria um desperdício não os aproveitar da maneira certa.
— A Cabello tem boa fama na região, seu pai construiu uma empresa sólida e de respeito, por isso tenho interesse em fechar negócios com vocês. Não era novidade que meu pai se interessava bastante por grandes terrenos, já que seu foco eram condomínios, o que requeria bastante espaço. Miguel Cavalcante talvez não tivesse toda a experiência de meu pai ou Shawn, mas a ambição que brilhava em seus olhos deixava claro que em breve teríamos uma boa concorrência, caso não fechássemos alguma parceria. Entretanto, como era inteligente, ele sabia que se aliar ao meu pai poderia ser um grande negócio. E apesar de inexperiente no ramo, Miguel tinha uma grande noção de como o mercado funcionava e deixou claro que gostaria de começar com os melhores, principalmente porque seu pai costumava consultar Alejandro Cabello antes de fazer qualquer negócio. Meu pai tinha um faro certeiro e muitos o chamavam de guru da construção, embora ele odiasse o apelido. Conversamos por quase uma hora e fiquei sabendo que ele tinha vinte oito anos, era de Minas Gerais e havia se formado em engenharia civil pela UFMG. Ele também me falou das ideias que tivera para os terrenos que pretendia nos oferecer e gostei bastante do que escutei; além disso, os valores estavam dentro do aceitável, mas quem decidiria se construiríamos ou não algo juntos, seria meu pai. No final do dia, quando me dei o direito de tirar cinco minutos de folga para tomar um café, fiquei admirando a vista do parque perto da empresa, enquanto bebericava o líquido quente. Havia alguns casais correndo e se exercitando, outros namorando e muitas crianças brincando perto do lago sob a supervisão de babás ou de um de seus pais. Esse momento de observar a vida alheia tinha se tornado um hábito nos meus fins de tarde, era interessante ver outras pessoas e imaginar como seriam suas vidas. De repente, me peguei pensando em Miguel Cavalcante. Ele era o primeiro homem em quem eu reparava desde que voltei ao Brasil, fora Shawn, claro, que ocupava todos os rankings no meu coração e na minha cabeça. Como não usava aliança, presumi que o rapaz bonito e educado não fosse casado, então fiquei me perguntando se teria uma namorada. Cheguei até a imaginar como seria minha vida sem esse amor que sentia por Shawn desde sempre, o que aconteceria se eu conseguisse namorar com outro homem, mesmo com ele por perto... Logo acordei daqueles poucos minutos de suposições e delírios, até porque Miguel me tratou cordialmente durante todo o tempo, mas não fugiu ao tom profissional. Escutei uma leve batida em minha porta e ao me virar, vi Sandra com metade do corpo para dentro da minha sala.
— Seu pai mandou te chamar. — Assenti e pousei a xícara em cima da mesa.
— Eles estão na sala de reuniões — completou e saiu. Fui até o banheiro e escovei os dentes antes de sair, pois não queria que ninguém sentisse meu bafo de café. Através dos vidros foscos da sala de reuniões, pude ver que havia muitas pessoas lá dentro. A reunião de meu pai seria com os responsáveis de todos os setores e, pelo visto, ainda não havia acabado. Abri a porta e não foquei o olhar em ninguém, apenas no sorriso caloroso do meu pai.
— Camila, que bom que chegou — ele disse, animado, e começou a me apresentar às pessoas presentes ali. Havia funcionários do setor jurídico de recursos humanos, comercial, marketing, compras, além de Shawn. Apertei muitas mãos, de maneira firme, mas com um sorriso simpático no rosto. Todos foram solícitos ao anunciarem que estariam ali para o que eu precisasse, o único que se manteve calado foi Shawn, que não desviava os olhos de mim.
— Pai, eu já vou indo, nos vemos depois — falei, quando os funcionários começaram a sair da sala. Com apenas um aceno para Shawn, fui até a minha sala, peguei minha bolsa e liguei para a Rafa.
— Claro que eu topo — disse ela, animada, quando a convidei para sair. Apesar de ainda ser terça-feira, eu precisava tomar uma bebida gelada e jogar conversa fora com a minha melhor amiga. Combinamos de nos encontrar em um barzinho perto do condomínio dali a uma hora. Passei em casa para tomar um banho rápido, coloquei um vestido mais informal, sandálias de salto e prendi o cabelo em rabo de cavalo, pois estava um calor dos infernos. Minutos depois eu entrava pelas portas rústicas do barzinho. O lugar era bem movimentado e tinha se tornado o point do pessoal que trabalhava naquela região, que costumava sair de suas empresas e ir direto para lá, fazer um happy hour. E aquilo não acontecia apenas no final da semana, como o bar oferecia música ao vivo todos os dias, sempre tinha uma grande quantidade de pessoas durante a semana.
— Camila, estou aqui. — Ouvi a voz de Rafa, que sacudia a mão no ar para chamar minha atenção. Passei por entre as mesas, percebendo vários pescoços se virando para me acompanhar, e aquilo já me animou um pouco mais.
— Nossa, que saudade, amiga — falei e nos abraçamos.
— Culpa sua, que só quer saber de trabalhar.
— E você, de namorar — rebati a provocação dela. Nos sentamos e pedimos um chopp para cada uma, estava com tanta sede que abprimeira caneca se foi em um piscar de olhos, pedimos outra rodada, que foi degustada aos poucos, enquanto atualizávamos uma a outra sobre os últimos acontecimentos. Contei a ela como tinham sido os 10 dias em que estava trabalhando, com uma riqueza enorme de detalhes.
— Não sei como você dá conta de trabalhar com ele e administrar tudo isso.
— Meu pai desconfiaria se eu parasse de falar com Shawn ou começasse a tratá-lo de forma grosseira, então achei melhor levar as coisas de um jeito profissional para que nós dois conseguíssemos ter uma boa convivência.
— Ele não tentou mais nada? Neguei com a cabeça.
— Não, mas me olha de um jeito que me deixa sem palavras, como se já tivesse me visto nua e quisesse ver novamente.
— Essa é a pior parte, ele está a fim de você, mas não pode ir adiante por causa da mocreia que está em coma. O comentário da Rafa me fez rir e ao mesmo tempo viajar no tempo ao relembrar uma de minhas conversas com Shawn quando ele falou que se realmente amasse uma mulher, enfrentaria tudo para ficar com ela. Isso me fez perceber que era esse o motivo de estarmos separados. Ele não me amava, nunca amou.
— Vish, olha quem chegou. A voz de Rafa me tirou das minhas lembranças e segui seu olhar até a porta do bar, por onde Shawn e Davi entravam. Voltei-me para ela e a fuzilei.
— Ei, não me olhe assim, não tenho nada a ver com isso, nem cheguei a comentar com Davi que estaríamos aqui. Assim como nós, eles devem frequentar o lugar por ficar perto de casa — disse em sua defesa e amenizei minha carranca. Os dois se sentaram em uma mesa num canto oposto ao que estávamos e pareciam alheios a nossa presença, o que me fez perceber que minha amiga estava falando a verdade. Após a chegada deles, foi difícil focar na nossa conversa, já que, apesar de longe, a mesa que ocupavam ficava posicionada no meu campo de visão.
— E como estão as coisas entre você e o Davi? Rafa olhou para a mesa deles e depois me encarou.
— Ele é tudo de bom, Camz, mas já saquei que seu lance é apenas sexo.
— Por que diz isso? Eu e Rafa acabamos nos afastando um pouco desde que ela começou a sair com Davi e essa distância piorou quando assumi o cargo na Cabello, por isso não sabia como estava o romance dos dois.
— Ele só me chama para fazer coisas em dias de semana, já que a partir de sexta tem que trabalhar na casa de shows e cuidar das coisas por lá, segundo alega.
— Acha que ele está mentindo?
— Nos primeiros dois finais de semana, não, mas depois uma amiga do trabalho foi em um show da Marília Mendonça e o viu com várias mulheres em um camarote. Tudo bem que um de seus trabalhos é trazer esse tipo de espetáculo para a cidade, mas se na cabeça dele nós estivéssemos juntos, o natural seria ele ter me convidado. Principalmente porque era sempre assim, se não estava em sua boate, estava em um show ou em boates de amigos ou concorrentes. Rafa estava coberta de razão e fiquei chateada, não imaginava que Davi fosse esse tipo de homem, pelo menos não foi o que me passou nas breves conversas que tivemos.
— Não sei o que dizer, amiga, achei que estivesse tudo bem entre vocês.
— E está, Camz, mas só porque estou dando uma de descolada, sabe, não cobro nada, mas eu me conheço e sei que não vai demorar muito para mandá-lo à merda. Rimos do jeito engraçado que falou e ela me contou mais detalhes sobre quando estavam juntos.
— Preciso ir ao banheiro — falei em dado momento.
— Espero você aqui. Encaminhei-me para a área dos banheiros, ciente de que passaria em frente à mesa de Shawn, mas não procurei por seu olhar, fingiria que não os tinha visto. Quando estava voltando, esbarrei em um rapaz e quase o fiz derrubar sua cerveja.
— Oh, me desculpe — pedi, envergonhada.
— Não precisa se desculpar, Camila — falou, pegando-me de surpresa ao dizer meu nome, dando um sorriso
de canto e só então o reconheci. Miguel Cavalcante usava uma roupa despojada, jeans e camisa, bem diferente do homem com quem conversava naquela tarde.
— Preciso, sim, sou meio estabanada às vezes — falei em minha defesa e mais uma vez ele sorriu. Desviei o olhar do rosto dele e capturei um par de olhos azuis me fuzilando. Ao ver a irritação de Shawn, resolvi que iria prolongar aquela conversa, mas Miguel se adiantou:
— Estou com mmalguns amigos, não quer se juntar a nós? Ele apontou para uma mesa que ficava bem perto da que Shawn e Davi ocupavam. Sabia que Rafa poderia me matar por tomar a decisão sem falar com ela, mas quando dei por mim, já estava respondendo positivamente ao convite dele.
— Claro, vou chamar minha amiga e chego na sua mesa em dois minutos. Seu sorriso se alargou e ele assentiu antes de nos despedirmos temporariamente.
— Você demorou — Rafa disse quando voltei a mesa.
— Eu encontrei o Miguel quando estava saindo do banheiro e conversamos um pouco. Pediu que nos juntássemos a ele e seus amigos, mas eu disse que falaria com você, o que acha? Eu havia comentado, meio por cima, sobre a nossa reunião e esperava que ela topasse.
— Onde eles estão?
— Atrás da mesa dos nossos rapazes — falei, para atiçá-la. — E então, o que me diz? Ela olhou disfarçadamente para onde eles estavam e depois abriu um sorriso diabólico.
— Não podemos dizer não àquele monte de homens bonitos. Balancei a cabeça e sorri. Rafaela nunca me
deixava na mão, ela e eu continuávamos na mesma sintonia de anos atrás. Pegamos nossas bolsas e caminhamos entre as mesas. Ao passar por Shawn e Davi, dei um leve aceno de cabeça em cumprimento, já Rafaela parou e deu um beijo no rosto de cada um. Miguel se levantou para nos receber, assim como seus outros dois amigos.
— Esta é a Camila — disse quando me apresentou a Cesar e Tales. Cesar era um belo moreno de olhos castanhos com um físico de dar inveja. Podia apostar que ele treinava sete vezes por semana e devia seguir uma dieta rigorosa. Tales era mais magro, tinha cabelos aloirados e olhos esverdeados, seu sorriso chamava a atenção pelas simpáticas covinhas nas bochechas. Rafaela chegou no instante seguinte e também foi apresentada aos rapazes. Começamos aquela típica conversa de pessoas recém apresentadas e foi nítido o quando Cesar e Rafaela se deram bem, ela estava focada em ir à academia, então a conversa deles fluiu maravilhosamente bem, ele deu várias dicas de treino e alimentação e ela parecia muito empolgada em colocar tudo em prática. Dividi minha atenção entre Miguel e Tales. Ambos eram pessoas adoráveis, com um papo inteligente e diversificado que não nos deixava calados nem um minuto. Depois de duas horas e algumas caipirinhas na cabeça, já nem me lembrava mais da presença de Shawn, a não ser quando me levantava para ir ao banheiro e via sua carranca, que parecia cada vez pior, demonstrando que não estava gostando nada de toda a atenção que me via recebendo. Eu, entretanto, estava alegre demais por causa da bebida e não me preocuparia com ele.
— Você está com aquele brilho no olhar — Rafa disse enquanto retocávamos a maquiagem em frente ao espelho.
— Eu sei e está na hora de encerrarmos a noite ou não conseguirei dirigir para casa e muito menos trabalhar amanhã. Ela concordou e voltamos flutuando para a mesa. Rafa também trabalharia cedo no dia seguinte e já tínhamos sido bem irresponsáveis por beber em plena terça-feira. Decidimos nos despedir assim que voltamos à mesa e todos se levantaram para nos dar boa noite, inclusive o gato do Miguel, que parecia muito mais atraente naquele momento. Graças a Deus ainda tinha consciência de que aquilo se devia a quantidade de álcool que corria pelas minhas veias. Ao passarmos pela mesa de Shawn, lancei-lhe um belo sorriso que só aumentou quando vi a raiva estampada em seu rosto. Notei que Davi também estava visivelmente irritado por ter sido ignorado por minha amiga e achei que o saldo da nossa noite foi bem positivo, fizemos novos amigos e ainda tivemos a sorte de ver nossos homens passando raiva de camarote.
— Somos duas vacas — Rafa disse e ambas rimos muito, feito duas bêbadas, o que não estava muito longe daverdade. Chegamos aos nossos carros que estavam estacionados muito próximos um do outro, em um terreno nos fundos do bar.
— Eles merecem — falei, sem qualquer compaixão pelo que os fizemos passar —, e agora vamos embora, precisamos nos livrar desse monte de bebida que consumimos. Nos despedimos com um abraço e andei em direção ao meu carro enquanto procurava pelas chaves em minha bolsa. Quando apertei o alarme, vi o Land Rover de Shawn um pouco mais à frente. Dei um sorriso maléfico para mim mesma e caminhei até lá, tomando o cuidado de não ser vista pelo rapaz que cuidava dos carros. Quando parei em frente à porta do motorista, peguei um batom na bolsa e desenhei na janela um coração com uma rachadura no meio. Era a coisa mais idiota e infantil que eu tinha feito em anos, mas não tive vontade de apagar.
— Está de coração partido, Julia?
Congelei ao escutar a voz de Shawn atrás de mim. Meu Deus, que vergonha! Eu apenas o encarei de forma desdenhosa, para esconder meu constrangimento, e tentei me afastar, mas tropecei em minhas próprias pernas e fui salva de cair de cara no chão pelos braços rápidos de Shawn.
— Nem pense que vou te deixar dirigir assim — falou, sério, me fazendo perceber que estava bem tontinha mesmo, mas não iria admitir.
— Relaxa, eu estou bem. — O dono do bar é meu amigo, vou te levar embora e amanhã peço para alguém vir buscar o seu carro. Àquela altura, o álcool tinha feito a Camila de dezessete anos aflorar em mim com força total e ir embora com Shawn parecia uma proposta quase irrecusável.
— Tudo bem, Sr. Mandão, quero dizer, Mendes. — Soltei-me de seus braços e parei ao lado da porta do carona. Ele, que estava logo atrás de mim, a abriu, esperou que eu me sentasse para então prender o cinto de segurança, como se eu fosse uma criança imprudente. O pior de tudo foi ter sua cabeça tão perto da minha, com seu perfume entorpecendo ainda mais meus sentidos já tão debilitados. Antes de se afastar, ele pairou o rosto sobre o meu, fitando meus lábios, e por um segundo achei que fosse me beijar, mas ele apenas pegou a chave do meu carro de minha mão e se afastou, depois pegou minha bolsa e acionou o alarme, para depois se acomodar em seu lugar. O trajeto até o condomínio foi rápido e em menos de cinco minutos Shawn estava estacionando o carro em sua garagem.
— Tem cerveja na sua geladeira? — perguntei. Eu sabia que no outro dia uma ressaca moral me atingiria em cheio, mas naquele momento, eu só queria ser a Camila adolescente e irresponsável de anos atrás.
— Não acha que já bebeu demais, Camz? Fiz que não com o dedo indicador e caminhei até a porta de entrada da casa dele.
— Só uma e depois eu vou embora. Shawn não disse uma palavra ao
passar por mim. Ele era um homem inteligente e sabia que não era legal contrariar mulheres bêbadas. Ao abrir a porta, ele me deu passagem e fui direto para a cozinha, abri a geladeira e peguei uma long neck. Com um pouquinho de dificuldade, sentei-me em uma das banquetas altas do balcão da cozinha e fiquei balançando as pernas no ar.
— Há cadeiras ali — falou, em tom de brincadeira, e revirei os olhos. Shawn também pegou uma cerveja e se sentou ao meu lado, batendo de leve sua garrafa na minha, em um brinde.
— Desculpa pelo carro — falei para puxar assunto, mas no fundo, estava pouco me lixando para o que fiz, era bom ele saber que tinha partido meu coração.
— Pelo jeito, a bebida entrou e a velha Camila saiu — zombou e voltou a beber. Ficamos em silêncio, lado a lado, meus ombros tocando os dele, um escutando a respiração do outro naquela tensão que parecia estar sempre ao nosso redor. Passei a língua pelos lábios e desviei o olhar por alguns segundos, mas quando o encarei novamente, Shawn estava olhando fixamente para a minha boca. Eu não era boba, percebi que ele queria me beijar, mas sua honra não deixava que ele o fizesse. Bom, eu não era tão honrada e, sem parar para pensar, toquei seu rosto com os dedos, sentindo a aspereza de sua barba e fui me aproximando de mansinho, como se estivesse com medo de assustá-lo, até encostar minha boca na dele. Lentamente, passei a língua em seu lábio inferior e não recebi nenhuma resistência, apenas o suspiro exasperado de alguém que estava cansado de lutar. De repente, Shawn capturou minha boca com sofreguidão, como se ansiasse por aquele momento tanto quanto eu. Permanecemos com as bocas grudadas por vários minutos e mesmo entorpecida, notei que parecíamos dois adolescentes, já que estávamos muito próximos, com nossas mãos segurando o rosto do outro, mas nossos corpos não se tocavam, e ainda assim, todo o meu corpo se arrepiou, invadido por um desejo insano. Estava prestes a aprofundar ainda mais o beijo, quando nossa realidade me atingiu. Que diabos eu estava fazendo? Shawn ainda estava noivo, ele não me deu qualquer esperança desde que me largou sozinha em seu quarto e eu ali, tentando forçar um clima. Aquela atitude egoísta só poderia surgir de uma Camila bêbada. Ainda bem que ainda havia muito da Camila adulta e ela me arrancou do torpor que aquele beijo me causou, dizendo que eu me arrependeria se fosse usada e descartada novamente. Separei-me dele, saltei da banqueta com cuidado para não cair e deixei minha garrafa sobre o balcão.
— Eu já vou. Obrigada pela cerveja — falei, sem fitar seu rosto, e saí de lá o mais rápido que pude, sentindo-me envergonhada e muito indignada por meu comportamento idiota. Entrei em minha casa batendo a porta e fui direto para o chuveiro. Somente um banho gelado e um boa noite de sono para me fazer sentir melhor depois daquele papelão. Pelo menos era o que eu esperava.

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