Capitulo 6

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Os trâmites no aeroporto ocorreram sem problema, o voo saiu na hora e naquele momento eu já estava mais perto do Brasil do que de Boston. Assim que o avião decolou, não me contive e comecei a chorar. Eu me sentia feliz por voltar para casa, mas depois de ter ficado todos aqueles anos fora, convivendo com pessoas que se tornaram tão importantes na minha vida, era estranho saber que estava indo embora e que, muito provavelmente, não as encontraria novamente. Mas não era só isso. A angústia também estava ali por não saber o que esperar e aquilo repercutiu nas minhas emoções muito mais do que eu esperava. Fez-me lembrar de como eu me sentia quando cheguei nos Estados Unidos, do quanto havia amado e sofrido por causa daquele sentimento e do quanto temia ter me iludido por todos esses anos. Por mais que eu tenha aproveitado a vida, conhecido pessoas, gostado de outros rapazes, estava me sentindo como aquela adolescente vulnerável de novo. Claro que eu estava bem mais preparada para enfrentar tudo o que pudesse surgir. Viver sozinha não me deu apenas experiência, mas bagagem sobre como saber lidar com sentimentos que em determinadas horas pareciam querer me sufocar. Meu emocional, embora não fosse dos melhores, merecia o meu total respeito, pois se manteve equilibrado em horas difíceis, onde tive vontade de jogar tudo para o alto e voltar correndo para o Brasil. Mas meu lado racional sempre se manteve forte, preparado para me acalmar e me fazer enxergar que eu não podia desistir. Entretanto, naquele momento, prestes a voltar definitivamente para casa, parecia que eu era só emoção. Apesar de me esforçar, foram incontáveis as vezes em que precisei mudar o rumo dos meus pensamentos para não enlouquecer. Mas era inútil; a toda hora ficava imaginando como eu reagiria quando me encontrasse com Shawn. Não ajudava nada o fato de, mesmo sem eu pedir, Rafa ter me falado que ele continuava tão bonito quanto há cinco anos e que desde o meio do ano, quando meu curso acabou, ele tinha perguntado algumas vezes sobre a minha volta para casa. Não vou negar que saber dessas coisas mexeu violentamente comigo e desde que ela me confidenciou isso, um mês atrás, por diversas vezes me peguei pensando em como seria passar uma noite com ele. Mamãe já tinha avisado que eles fariam uma festa de boas-vindas e eu tinha certeza de que ele estaria presente. Desde então fantasiei milhares de vezes como seria o nosso encontro depois de tantos anos, montei diálogos e situações imaginárias que só aconteceriam na minha cabeça, pois a realidade nunca convergia com os nossos pensamentos. Shawn devia estar com trinta e oito anos agora, enquanto eu havia completado vinte e três em setembro. A diferença ainda era grande, claro, sempre seria, mas segundo ele, nada disso importaria caso estivesse apaixonado. Balancei a cabeça, tentando dissipar aqueles pensamentos. A cada minuto que passava naquele avião, a montanha de sensações que me dominava quando eu pensava nele parecia ficar mais alta e eu precisava me controlar. Quando finalmente pisei em solo brasileiro e senti o calor do sol de dezembro batendo no meu rosto, uma enorme nostalgia tomou conta do meu corpo. Aquele clima familiar me fez lembrar de tudo o que vivera até o dia em que fui embora do Brasil. Sorri das minhas lembranças, mas pedi silenciosamente a Deus que mantivesse toda a paz e equilíbrio que eu tinha ganhado nesse tempo em que fiquei fora. A última coisa que eu queria, era voltar a sofrer por Shawn novamente. Meus pais foram me buscar no aeroporto e foi a maior festa, nem parecia que tínhamos nos visto há apenas cinco meses. O fato de ser filha única e ter passado anos longe deles, os deixou ainda mais atenciosos do que já eram. Além disso, era diferente, dessa vez não era apenas uma visita, eu tinha voltado para ficar. Quando chegamos ao condomínio, fomos direto para o salão de festas onde todos os nossos parentes e amigos com quem ainda mantinha contato estavam. As primeiras pessoas que encontrei foram Rafaela e os pais dela.
— Como vai, Camila? Olhe para você, ficou ainda mais linda, hein — o pai da Rafaela elogiou.
— Obrigada — agradeci e recebi um abraço da mãe dela que me deu as boas-vindas.
— Papai tem razão, você está um arraso — Rafa afirmou assim que me virei para ela. Nós nos abraçamos, agarramos no braço uma da outra, como fazíamos quando éramos mais novas e circulamos pelo salão para que eu pudesse cumprimentar todo mundo. Depois das formalidades cumpridas, fomos para um canto fofocar.
— Como estão as coisas por aqui?
— Você quer saber sobre Shawn, ou ainda está proibido?
— Eu preciso saber, não quero ser pega desprevenida. Ela acenou, entendendo.
— Bom, se nada tiver acontecido de um mês para cá, eles ainda estão namorando. E pelo que vi, não parecia haver nenhuma crise, como Sílvia falou.
— Como assim. — Eu estava passando aqui na frente do condomínio para ir a faculdade, bem na hora em que o carro dele saiu pelos portões; Fernanda estava no banco do carona e pelahora, imaginei que estivessem indo trabalhar. Ela estava rindo, parecia feliz.
— Eles estão morando juntos? — questionei, apesar de não saber como iria reagir caso a resposta fosse positiva.
— Até onde eu sei, não. Mas não posso ter certeza, a minha fontede informações está indisponível nos últimos tempos. Não pude deixar de rir.
— Do que você está falando?
— É que quem me atualizava sobre tudo era a Sílvia, mas ela tem passado muito tempo na fazenda, e já tem uns dois meses, ou mais, que eu não a vejo.
— Entendo. Bom, pelo menos eu sei onde estou me metendo.
— Verdade. — Agora me fale sobre você.
— Eu? — ela perguntou, como se não fosse óbvio eu querer saber.
— Claro! Já tem uns dois meses que você não me fala nada sobre sua vida amorosa.
— É que não tem nada pra contar, ora — afirmou, um pouco sem graça. Olhei para ela, desconfiada. Rafa não tinha papas na língua quando o assunto eram suas paixões passageiras, se estava escondendo alguma coisa, era porque talvez fosse algo mais sério. Resolvi não insistir, quando estivesse pronta, ela me falaria.
— Então me atualize das fofocas. Ela sorriu, animada, e enquanto me deixava a par de tudo de interessante que havia acontecido na minha ausência, percebi que minha amiga parecia a mesma, cabelos longos e enrolados nas pontas, algumas sardas perto do nariz e olhos amendoados que falavam mais que mil palavras.
— Por que está me olhando assim? — Rafa quis saber, a testa franzida. Balancei a cabeça e sorri.
— Os anos se passaram, mas você não mudou nada.
— E isso é bom, certo? — Ela tinha um ar desconfiado.
— Para o cargo de melhor amiga, isso é mais que bom — garanti e ela sorriu.
— Achei que a tal Hannah já tinha tomado o meu lugar — falou com um beicinho. Rafaela e Hannah chegaram a se falar em algumas das vezes que eu e minha amiga fizemos chamada de vídeo para matar a saudade de nos ver, mas o inglês da Rafa era horrível, então não tiveram muito contato.
— Pare de ser ciumenta, meu coração é bem grande.
— Espero que tenha um espaço nele para mim, então. Não consegui conter um frio na barriga quando aquela voz que eu não ouvia há tanto tempo surgiu bem atrás de mim. Logo meu coração começou a acelerar descontroladamente e eu fiquei feliz por haver tanta gente conversando ao nosso redor, ou ele certamente o ouviria. Juntei todo o controle que aprendi a ter no decorrer dos últimos anos e me virei com um sorriso ensaiado no rosto, que vacilou assim que nossos olhos se encontraram. Droga!, praguejei comigo ao perceber o quanto aqueles dois diamantes azuis ainda me atraíam.
— Shawn , como vai? — Dei graças a Deus por minha voz soar normal.
— Que saudade, Camz! — ele falou, me puxando pela cintura e me abraçando apertado. Aquilo fez com que eu sentisse todos os seus músculos através da camiseta preta que usava, assim como seu cheiro, que continuava o mesmo. Foi como se eu estivesse voltando no tempo. Pelo jeito, aquela minha loucura por ele, só tinha ficado adormecida, pensei, com vontade de chorar, ao perceber que talvez estivesse me enganando por todos esses anos. Não precisei nem de um minuto para me lembrar de tudo o que sentia quando estava perto dele e não fiquei satisfeita com isso. O que eu ia fazer? Quando nos afastamos, ele passou os olhos pelo meu rosto, meu cabelo, que estava com algumas mechas mais claras, e depois, pelo meu corpo. Enquanto isso eu fazia o mesmo, confirmando que Rafa estava certa, pois ele continuava tão lindo quanto eu me lembrava, talvez mais, já que os cabelos mais compridos e bagunçados, lhe davam um ar meio selvagem, que só se intensificava com sua pele levemente bronzeada, demonstrando que ele andava passando bastante tempo na piscina. E o que era aquela barba. Shawn não a tinha quando fui embora, e por mais que amasse todos os traços do seu rosto, a barba lhe dava um novo charme, uma virilidade ainda maior que faria o sangue de qualquer mulher borbulhar dentro das veias.
— Vou pegar cerveja, vocês querem? — Rafa perguntou, quebrando nosso contato.
— Sim — respondemos juntos e ela se foi, mas eu tinha certeza de que não voltaria.
— Onde está sua mãe? — perguntei para mudar de assunto.
— Na fazenda. Há uns dois anos ela começou a ter preguiça de ficar
indo e vindo e como sempre preferiu o clima do interior, inverteu as coisas e agora só vem para a cidade à passeio.
— É uma pena, eu queria muito dar um abraço nela.
— Vou mandar seu recado. Tenho certeza de que ela está com muita saudade. Sorri, agradecendo.
— E como estão as coisas por aqui? — quis saber, quando ele ficou em silêncio.
— Tudo certo. O João disse que você vai assumir um cargo na empresa.
— Sim, segundo ele, está na hora de pagar pelos anos que morei fora. Ele sorriu e meu coração deu uma cambalhota. Sempre que via aquele sorriso uma chave mágica virava dentro de mim e tinha a impressão de que aquilo nunca mudaria.
— Estarei sempre por lá, se precisar…
— Com certeza precisarei. Sorri, mas dessa vez ele não retribuiu.
Olhava para mim de uma forma que nunca acontecera antes, havia uma intensidade latente e também reconhecimento. Tinha certeza de que ele estava se dando conta de que as coisas não eram mais as mesmas. Que eu não era mais a mesma. Fiquei imaginando o que ele faria com essa informação, começaria a me tratar como seu fosse alguém a quem ele estava conhecendo agora, ou se manteria mais afastado, com receio de que tudo isso fosse uma máscara e com medo de que, mesmo depois de todo esse tempo, eu ainda guardasse os mesmos sentimentos. Bom, de minha parte, ele poderia ter certeza de que nada do que ocorreu anos atrás, voltaria a acontecer. Ele podia mexer comigo ainda, como eu tinha acabado de comprovar, mas nunca mais me veria agir como uma boba apaixonada. Talvez esse tenha sido o meu pior erro, sempre escancarei os meus sentimentos e fui disponível demais. A mãe de Shawn vivia me aconselhando sobre como agir com ele, mas naquela época as coisas não faziam muito sentido para mim. Agora, lembrar de como eu andava atrás dele feito um cãozinho procurando pelo dono, me fazia perceber o quanto eu era patética. Quando as coisas estavam ficando um pouco constrangedoras, vi mamãe se aproximando com um enorme sorriso no rosto.
— Shawn, a Camila não está linda? — ela falou, envolvendo minha cintura com os braços.
— Muito, Elise, ela está maravilhosa. Meu coração voltou a palpitar ao ouvir o elogio dele. Minha mãe beliscou a minha cintura em um gesto cúmplice e eu sorri para disfarçar. Aquilo estava ficando estranho e eu já estava ficando sem graça. Aproveitei a presença dela e a deixei conversando com Shawn usando a desculpa de que iria procurar pela Rafa, precisava dar um tempo da presença inquietante dele.
— E aí, como foi com Shawn? — Rafa me encontrou no deck com duas cervejas na mão. Ela devia ter visto quando me afastei dele. Suspirei dramaticamente antes de responder.
— O de sempre: coração acelerado, mão gelada e uma vontade louca de o arrastar para a minha cama. Rafa começou a rir, mas depois percebeu que eu não a acompanhava e imediatamente me abraçou. Ela me conhecia como ninguém e sabia que eu estava certa de que tinha superado aquela paixão e que constatar que estivera me tapeando por todo esse tempo, estava me fazendo sofrer. Ficamos lá fora por mais uns dez minutos bebendo nossa cerveja e depois voltamos a socializar. Para surpresa de Rafaela, não me aproximei mais de Shawn. Isso não impediu que velhos hábitos aflorassem, e como acontecia quando era mais nova, fiquei ciente da presença dele e exatamente por isso o peguei olhando para mim por diversas vezes. Sua expressão era sempre séria, pensativa e me deixava um pouco perturbada. Aos poucos as pessoas foram indo embora, sendo Rafa a última delas. Tinha acabado de apagar as luzes do salão e estava me encaminhando para a saída, quando me deparei com Shawn entrando.
— Esqueci meu celular — explicou, indo até o bar e pegando o aparelho que estava conectado a um carregador na tomada.
— Hum. — Preferi não falar nada. As coisas eram muito mais fáceis quando eu podia andar atrás dele e chamá-lo de marido, pelo menos eu sabia onde estava pisando.
— Vamos? — Shawn me deu passagem, depois encostou a porta e caminhamos lado a lado.
— Camila, eu sei que deve estar cansada, mas queria falar com você. Engoli em seco sem saber o que poderia ser, mas balancei a cabeça, incentivando-o.
— Bom, eu percebi que você andou me evitando esses anos todos e entendo seus motivos. Mas agora que está de volta, eu queria saber se ainda está magoada comigo; pelo que te falei antes da viagem, digo. Fiquei alguns segundos calada, sem saber o que falar, mas como sempre, optei por dizer a verdade, pelo menos em partes.
— No começo foi proposital, eu precisava manter distância, e falar com você não estava me ajudando a seguir seu conselho. Mas depois foi por falta de tempo mesmo, eu tinha muita coisa para fazer, então relaxa, está tudo bem — expliquei.
— Mesmo? — Ele parou de andar, me obrigando a fazer o mesmo.
— Sim. Não posso negar que os primeiros meses foram muito difíceis — confessei e vi sua boca se retorcer um pouco num gesto de desgosto —, mas depois fui me acostumando e aos poucos eu percebi que você tinha razão. Aliás, muito obrigada por aquilo. Shawn ficou me encarando com a testa franzida, mas assentiu e voltou a caminhar.
— Então estamos bem? — quis confirmar, me fazendo rir.
— Claro que sim. Não se preocupe — afirmei. Dessa vez ele sorriu e percebi alívio em suas feições.
— Tudo bem. Boa noite, Camila, estou feliz que esteja de volta — falou, assim que paramos em frente à minha casa.
— Boa noite. — Despedi-me e comecei a caminhar para dentro. Depois de alguns passos, virei para trás e o vi parado no mesmo lugar, os olhos fixos em mim, mais precisamente na minha bunda. Voltei a olhar para a frente com um largo sorriso no rosto, que logo morreu ao me dar conta de que estava exatamente no mesmo lugar em que estivera cinco anos atrás, quando fui embora: apaixonada por um homem comprometido.

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