Capitulo 5

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Boston, Massachusetts

Minha vida acadêmica foi permeada de altos e baixos, especialmente no primeiro e nos três últimos anos, por razões completamente diferentes. Quando cheguei a Boston, estava me sentindo a pessoa mais infeliz da face da terra e foi difícil explicar ao meu coração que Shawn não deveria mais fazer parte da nossa rotina. Durante um mês eu ia para as aulas, fazia os trabalhos, estudava nas horas vagas, e apesar de parecer um fantasma, me arrastando pelos corredores, as atividades me davam algo a mais para pensar e eu era grata por isso. Porém, quando a noite chegava, toda a minha desolação voltava e eu só fazia chorar; tanto, que minha colega de quarto teve que ameaçar ligar para os meus pais, caso eu não lhe falasse o que estava acontecendo. Apesar de não a conhecer direito, Hannah transmitia uma confiabilidade tão grande, que não consegui me conter e confidenciei os motivos da minha tristeza. Naquele dia uma bela amizade começou e desde então, uma estava sempre ali para o que a outra precisasse. Depois do meu desabafo, a primeira coisa que ela garantiu foi que eu comesse. A princípio, eu não entendi o porquê de toda aquela preocupação, afinal, eu não tinha deixado de me alimentar, mas dois dias depois, fui me vestir para a aula e não achei nada limpo, então, resolvi colocar uma calça jeans que eu adorava e me assustei. Eu me sentia tão deprimida quando cheguei, que não queria nada me apertando, por isso procurei as roupas mais confortáveis que tinha, ou seja, leggings, moletons e camisetas, e as coloquei na primeira gaveta da cômoda e aquilo foi tudo o que vesti naqueles primeiros dias, além de pijamas, quando estava no alojamento. Por isso não percebi o quanto eu havia emagrecido. Pelo jeito que a calça jeans ficou no meu corpo, devia ter perdido pelo menos 6 quilos, mas achava que havia sido mais. Aquilo me deu um choque de realidade. Eu estava caminhando para uma anorexia simplesmente porque preferi me abater em vez de dar a volta por cima. Ok, eu não devia ser tão exigente comigo mesma. Tinha sido apaixonada por Shawn desde os meus doze anos, e com certeza não o esqueceria em apenas alguns dias, mas nada justificava que eu simplesmente esquecesse de mim, enquanto isso não acontecia. A partir daquele momento, nunca mais deixei de prestar atenção nas minhas necessidades e aos poucos, fui me recuperando; não dava para conciliar um curso em tempo integral com minha obsessão por ele. Isso não significava que eu não sofria. Por várias vezes fui dormir chorando, mas aquilo foi acontecendo com cada vez menos frequência, até que um dia percebi que a fase depressiva havia acabado. Claro que o fato de não ter notícias dele, havia ajudado. Assim que cheguei, sempre perguntava como estava o namoro, dentre outras coisas, tanto para mamãe, quanto para Rafa. Além disso, eu tinha uma vontade imensa de ligar para ele, nem que fosse apenas para ouvir sua voz, principalmente porque Shawn me mandava mensagens de vez em quando, perguntando como eu estava. Nas primeiras vezes eu respondi, o coração batendo acelerado por ele estar se lembrando de mim, mas aos poucos percebi que aquilo me fazia mal e fui demorando a responder até que parei completamente. Depois de alguns dias, as mensagens pararam de chegar e imaginei que Shawn havia percebido que eu, silenciosamente, estava impondo distância entre nós. Nessa mesma época proibi todo mundo de tocar no nome dele e quanto menos elas falavam, menos doloroso ficava. Foi aí que eu aprendi, a duras penas, que tudo aquilo que alimentamos, seja bom, ou seja mal, cresce, então parei de alimentar aquele sentimento em meu coração e fui me curando. Quando a pior fase se foi, percebi que havia uma determinação muito forte dentro de mim e conforme o tempo passava, menos eu me lembrava dele. Uns seis meses após minha chegada a Boston, meus sentimentos pareciam mais em ordem, mas preferi me focar completamente nas aulas e nas amizades que tinha adquirido. Como Hannah fazia outro curso, tanto ela, quanto eu, tínhamos outros amigos que acabaram se tornando amigos de nós duas. Praticamente todos os finais de semana nós saíamos para nos divertir, e assim, meu primeiro ano letivo foi passando, e eu, sobrevivendo. Nas minhas primeiras férias de verão, ficou combinado que meus pais iriam me visitar. Aquilo anulou as chances de eu ter que encontrar com Shawn no Brasil, o que foi ótimo, não queria perder todo o equilíbrio emocional que tinha ganhado nos últimos meses. Quando eles chegaram foi um alento para mim, estava com muita saudade e não aguentava mais não estar perto deles. Ficamos uma semana na cidade para que eles a conhecessem, mas depois viajamos para a Itália e foi incrível, especialmente porque nenhum de nós conhecia o país. A primeira cidade foi Roma, onde visitamos os lugares históricos e fomos em tótimos restaurantes e sorveterias irresistíveis. Quando chegávamos ao hotel, estávamos mortos, mas muito satisfeitos. O único inconveniente foi que depois de alguns dias, papai teve que resolver algum problema de trabalho e foi obrigado a ligar ou receber chamadas de Shawn por diversas vezes. Apesar de não querer prestar atenção, numa das conversas entendi que ele estava na fazenda com a Fernanda e isso me machucou demais, afinal, aquele era o meu lugar preferido. Na mesma hora me afastei e nunca mais fiquei perto durante suas ligações. Graças a Deus aquilo só durou dois dias e logo voltamos aos nossos passeios. De Roma fomos para Nápoles, onde ficamos 4 dias e de lá, partimos para a Sicília, onde ficaríamos por 10 dias. Estávamos na Catedral de Palermo quando conheci um francês galante e cheio de firulas. Coincidentemente, ele estava hospedado no mesmo hotel que nós e por três dias seguidos, nos encontramos durante o café da manhã. Sebastian era muito espontâneo e divertido e foi com ele que dei meu ponto de partida para começar a esquecer o passado. Pela primeira vez eu realmente percebi que tinha o direito de viver a vida, ficar com outros caras e fazer o que bem entendesse, como Shawn havia falado em nossa última conversa. Por isso, apesar da apreensão de meus pais, resolvi sair com Sebastian uma noite e acabamos ficando. No início eu pensei que seria estranho, mas aquele francês, além de carismático, era muito sedutor e não foi difícil derreter em seus braços. Depois daquela primeira vez, saímos mais três vezes, em noites alternadas e ficamos juntos em todas elas. Foram só beijos e amassos, apenas um pouco mais apimentados do que aqueles que dei na época de colégio. Sim, embora fosse louca por Shawn, não era nenhuma tapada e fiquei com outros garotos, não apenas para experimentar, mas também para seguir o conselho dele e ver se eu conseguia me interessar por alguém da minha idade. Mas nenhum dos beijos que troquei, me fez experimentar o mesmo que ele provocava ao meu corpo com apenas um olhar. Quando retornei a Boston, me sentia muito melhor. Sebastian ajudou a libertar uma última parte que ainda se sentia atrelada a Shawn. Eu achava que nunca iria esquecê-lo, mas percebi que conseguiria seguir a vida, sem me sentir culpada por aquilo. Talvez um dia, até me apaixonasse outra vez. Foi com isso em mente que decidi que enquanto estivesse na universidade, viveria intensamente, me divertiria muito e tocaria minha vida para frente. O segundo ano letivo chegou e a cada dia, meu coração se acalmava mais e mais e aos poucos eu colocava minhas resoluções em prática. A mudança que ocorreu em mim durante as férias foi visível, ela estava tanto no meu jeito de agir e falar como nas minhas roupas, já que mesmo depois de sair da depressão, continuei me vestindo apenas para me cobrir, não para me arrumar. Aquilo mudou radicalmente. E não foram apenas as minhas amigas que perceberam. Os rapazes, que tinham preferido me deixar quieta no primeiro ano, começaram a se aproximar aos poucos. Entretanto, apesar de prometer a mim mesma que aproveitaria ao máximo, ainda não tinha ficado com ninguém. Não por causa de Shawn, mas porque não tive vontade. A minha aparente insensibilidade, contudo, parecia atrair ainda mais os rapazes. Eles nos rondavam como moscas no mel, especialmente quando íamos a alguma festa de fraternidade. Nelas, eu acabava me soltando, depois de beber um pouco, mas nunca exagerei ao ponto de não saber o que estava fazendo ou de começar a me insinuar. Ainda assim, eles se aproximavam, me chamavam para dançar, mas nenhum deles chegou a forçar a barra comigo, e eu era muito grata por isso. No entanto, sempre tinha alguns mais insistentes que outros.
— O Gavin está louco por você, veja o jeito que ele te olha — Hannah comentou enquanto terminávamos de almoçar no restaurante da universidade. Gavin Holt era o capitão do time de baseball e dava em cima de todas as brasileiras ou latinas que atravessavam seu caminho. Segundo ele, elas eram quentes na cama e todos sabiam que eu estava em sua lista de futuras conquistas desde o meu primeiro ano ali. Nas primeiras festas de fraternidade de que participei, até achei que pudesse ficar com ele algum dia, já que naquela época eu ainda estava sofrendo por Shawn, e aquele sentimento se refletia na minha vida e escolhas. Era como se meu coração estivesse em alerta o tempo todo, me indicando que não queria passar por todo aquele sofrimento de novo. Mas agora, depois de ter superado tudo isso, simplesmente não sentia qualquer vontade de ficar com ele.
— Gavin é o típico cara bonito e metido com o qual eu jamais ficaria — garanti enquanto nos levantávamos para voltar ao alojamento.
— Nossa, queria ter essa sua indiferença. Gargalhei e ela revirou os olhos. Hannah vivia zombando da forma como eu agia, pois quanto menos eu ligava, mais os rapazes corriam atrás. Claro que eu não fazia isso para esnobá-los ou algo do gênero, a questão era que, apesar de ter me libertado daquele sentimento louco, ainda os via apenas como garotos e meu coração ansiava por um homem de verdade.
— Não é indiferença — garanti —, eu apenas o acho muito novo, meio bobinho. E apesar de ele se achar o máximo, o considero apenas um cara normal — concluí, dando de ombros. Mesmo não estando mais obcecada, Shawn Mendes ainda era o homem mais bonito que eu tinha conhecido, e nunca havia encontrado ninguém a altura para tirá-lo daquele posto. Hannah balançou a cabeça, incrédula.
— Acho que você é a única que pensa assim.
As garotas correm atrás dele o tempo todo, chega a ser constrangedor… Enquanto ela falava me lembrava da época em
que corria atrás de Shawn. Nesses anos, foram muitas as vezes em que fiquei envergonhada pela forma como o assediei. Alguns dias sentia que não conseguiria olhar para ele de novo, tamanha a vergonha que me afligia. Se isso tivesse ocorrido apenas enquanto eu era menina, ok, mas eu praticamente me joguei em cima dele até uma semana antes de ir embora do Brasil. Meu Deus, como eu era confiante. Vendo as coisas sob uma perspectiva mais adulta, conseguia perceber o quanto eu tinha sido ingênua por todos aqueles anos. Shawn nunca havia me tratado com nada além de gentileza e em minha cabeça inocente, eu achava que ele um dia me amaria. Que boba. Todas as noites eu agradecia a Deus por meus pais terem insistido em me mandar para longe. Se eu tivesse permanecido lá, talvez ainda estivesse atrás dele, feito uma mulher carente, implorando pelo seu amor. Meu objetivo para os próximos anos, era extinguir completamente qualquer resquício de paixão que ainda houvesse no meu coração e estava confiante de que iria conseguir. Na medida em que os anos foram passando, aquele amor meio obsessivo, foi ficando pelo caminho e consegui viver meus anos gloriosos. Fiz tantas coisas legais que nem conseguia mensurar. Participei de festas intermináveis, fiquei bêbada pela primeira vez e consequentemente, tive a minha primeira ressaca, o que não foinada bom. Além disso, houve viagens incríveis, grandes amizades, alguns namorados, muitos ficantes e um caminhão de experiências que levaria para vida toda. Em todo esse tempo, só fui ao Brasil duas vezes, no segundo e no terceiro ano, e em datas escolhidas com a ajuda de minha mãe para não encontrar com Shawn e sua digníssima namorada. Embora eu me sentisse bem em relação a ele, não quis facilitar e arriscar ter uma recaída que me causasse sofrimento. Nos outros anos, meus pais é que foram me visitar e como da primeira vez, ficamos praticamente um mês juntos, conhecendo lugares novos e matando a saudade. Quando estava no último ano do curso, criei coragem e perguntei a Rafaela sobre Shawn. Em alguns meses eu voltaria para casa e tinha que me preparar. Para isso, precisava falar dele, para saber como meu coração iria reagir. Na mesma hora ela me disse que ele e Fernanda haviam terminado alguns meses atrás, devido aos intermináveis plantões dela. Pelobque Sílvia havia lhe falado, eles praticamente não se encontravam, e Shawn havia pedido um tempo. Entretanto, há mais ou menos um mês, resolveram voltar, mas parecia que as coisas haviam esfriado entre eles e ela não tinha certeza de que iriam melhorar. Para Sílvia, o relacionamento já estava desgastado, sem chance de ser reparado. Se eu dissesse que havia ficado inabalável com a notícia, estaria mentindo, mas esperava que fosse me importar muito mais. Aquilo me deixou aliviada, pois realmente não precisava de nenhuma distração, uma vez que o período de provas finais estava chegando e eu necessitava de foco. E assim aconteceu. Fiz todos os trabalhos e provas e agora precisava aguardar os resultados, depois que confirmasse que havia passado, eu poderia voltar para casa. Mas diferente do que havia planejado inicialmente, resolvi fazer um curso de verão depois da formatura. Meus pais, que apareceram para assistir à cerimônia, não tinham ficado muito felizes com aquela decisão, mas acataram e uma semana depois de terem chegado, partiram, levando consigo metade das minhas coisas. O curso, que tinha ênfase em compra e venda, estava totalmente voltado ao cargo que ocuparia na empresa, por isso papai não reclamou tanto. Como se iniciaria em agosto e duraria quatro meses, eu só chegaria ao Brasil em dezembro, quando meu reencontro com Shawn, seria inevitável. Ainda não tinha parado para analisar se a ideia de fazer aquele curso havia sido autêntica, ou uma forma de protelar meu encontro com ele. Apesar de sentir que estava “curada”, precisava confessar que tinha algum receio. Foram anos e anos carregando aquele sentimento e morria de medo de que ele voltasse com tudo assim que o visse. Tentando evitar ao máximo que aquilo acontecesse, aproveitei meus últimos meses em Boston para ir em todos os meus lugares preferidos. Marquei vários encontros e fui a várias festas com os meus amigos. Foi numa daquelas noites que prometi a mim mesma que se as coisas não dessem certo no Brasil, eu voltaria. Tinha criado laços com várias pessoas e principalmente com aquele lugar, que foi importantíssimo para o meu amadurecimento intelectual e espiritual e que me mostrara um
universo incrível, repleto de possibilidades. Assim que cheguei ali, minha única preocupação era contar os dias para saber quanto
tempo ainda iria demorar para que Shawn pedisse Fernanda em casamento, mas agora, com um pouco mais de idade e conhecimento, percebi que não adiantava sofrer por antecedência. E foi isso que falei a mim mesma no dia da minha viagem de volta. Eu só saberia como realmente iria me sentir, quando estivesse frente a frente com ele, e para isso, eu teria que esperar. Por causa disso, o nome dele tinha sido proibido novamente, esperaria para ver como seria, quando a hora chegasse.
— Que horas é o seu voo? — Hannah perguntou quando me viu saindo do banheiro.
— Daqui a três horas — falei, me segurando para não chorar. Ela também fizera um curso de verão e assim como eu, voltaria para sua cidade natal, mas não estávamos preparadas para dizer adeus.
— Achei que seria mais fácil. — Corri até ela e nos abraçamos.
— Se for ao Brasil, já sabe onde me encontrar.
— Sei, sim, e ai de você se eu chegar lá e não te encontrar casada com o seu Shawn. Mesmo não tocando no nome dele, Hannah sabia que aquele homem ainda mexia comigo. Estremeci por dentro, pensando naquilo.
— Um passarinho me disse que ele pode ficar solteiro. Ela arregalou os olhos e voltou a me abraçar.
— Acho que tem a ver com a promessa que te fez. Balancei a cabeça e sorri.
— Acho que tem mais a ver com namorar uma médica que não tem tempo para ele. Nos abraçamos mais uma vez e finalmente fui para o aeroporto, levando na mala o que tinha sobrado de roupa e milhares de fotos de momentos maravilhosos que passei com meus amigos nos últimos cinco anos. Além das viagens e festas, havia aprendido a cozinhar e lavar a minha própria roupa, pois no Brasil eu poderia ser a filha de um empresário bem-sucedido, mas em Boston, fiz questão de ser uma estudante normal. Isso me deu uma outra perspectiva de vida totalmente diferente da que eu conhecia, além de um senso de responsabilidade bem distante do que eu tinha, que era voltado apenas para os meus estudos. Sorri, esses anos realmente me amadureceram em vários sentidos e eu estava extremamente feliz. Agora restava saber, como seria quando eu estivesse na vida real, ou seja, trabalhando na empresa e, principalmente, durante minha convivência com Shawn. Era isso que mais me preocupava.

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