Shawn
Apesar de todo o transtorno que Fernanda nos causou, nesse momento, não existia no mundo um homem mais realizado do que eu. Camila agora era inteiramente minha, para todos verem e com total anuência de seu pai. Para completar, ela estava grávida do meu primeiro filho. Sim, era um menino, um Mendes que iria perpetuar o nome da nossa família. Se eu já tinha ficado feliz com a notícia da gravidez, desde que fiquei sabendo o sexo dele, não conseguia pensar em mais nada. Eu sabia que nossas vidas mudariam completamente quando ele chegasse e estava ansioso por isso. Logo no início, Camila não recebeu muito bem a notícia, havia muitas preocupações e receios; dentre eles, estava o medo de que não desse conta de cuidar do bebê e de que as coisas não fossem mais as mesmas entre nós depois que ele nascesse, o que eu sabia ser totalmente impossível de minha parte. Por fim, com muita conversa, eu, Elise e mamãe a deixamos tranquila, ela jamais estaria sozinha e sabia disso. Apesar de ter ficado encantada no minuto em que ouviu o coraçãozinho do nosso filho, sua vida não foi muito fácil. Os enjoos eram constantes e aquilo a irritava bastante. Mas depois dos primeiros três meses, ela começou a aproveitar mais o período de gestação. Com o fim dos enjoos, ela pôde começar a se alimentar melhor e embora tivesse vontade de comer toda sorte de besteiras, não o fez; Camila optou por uma alimentação saudável, mesmo quando mamãe e Elise faziam seus pratos preferidos ou ofereciam doces e guloseimas. Com todo esse cuidado, minha menina não ganhou muito peso e foi a grávida mais linda que já vi na vida. Apesar de que eu, certamente, não me incomodaria se fosse o contrário, Camila sempre seria linda para mim, saber que ela carregava meu filho em sua barriga me fascinava. A iminente chegada do bebê, também repercutiu positivamente na rotina da família. Alejandro deixou a cerveja e a carne vermelha apenas para momentos especiais e aderiu aos hábitos saudáveis da filha. Além disso, como queria passar mais tempo com ela, começou a acompanhá-la à academia do condomínio. Enquanto uma personal trainer orientava os exercícios de Camila, ele corria na esteira ou fazia algum outro tipo de atividade. Estava tão focado em melhorar, que ia se exercitar, inclusive, nos dias em que ela não estava disposta. Com isso, Elise não poderia estar mais feliz, seu maior medo era de que o marido não desse ouvidos ao médico e acabasse acontecendo algo pior. Dona Karen era outra que andava com um sorriso de orelha a orelha. Antes mesmo do neto nascer, ela decidiu voltar à antiga rotina, ou seja, passar a semana na cidade e os finais de semana na fazenda. Eu achei a ideia maravilhosa, pois ficava preocupado com ela morando tão longe de nós, mas ainda não entendia o porquê de querer voltar para lá todo sábado, mesmo quando nós não íamos. Eu quis confrontá- la, fazê-la mudar de ideia, afinal, não gostava de vê-la na estrada toda semana, achava muito perigoso, mas Camila me dissuadiu e pediu que eu deixasse minha mãe em paz e acatei. Estavam todos tão felizes, que não valeria a pena brigar por algo assim, pelo menos por enquanto. Na semana seguinte à descoberta de sua gravidez, Camila se mudou para a minha casa, não fazia sentido continuar em casas separadas se dormíamos juntos todos os dias. Quando ela aceitou minha proposta, mostrei-me aberto e disposto a fazer tudo que a fizesse feliz, mas ela não quis mudar muita coisa, segundo disse, nosso gosto era parecido, mas não descartava a possibilidade de melhorar a decoração e mexer no jardim futuramente, Camila amava flores e achava o meu muito sem graça, então, a única reforma grande foi feita no quarto que seria do bebê. E foi uma delícia poder escolher tudo junto com ela, desde a decoração até as primeiras peças de roupa. Confesso que, quando entrava em alguma loja, ficava mais empolgado do que ela na hora de comprar aqueles pedacinhos de roupas. Camila, em contrapartida, foi bem sensata e ponderada. Disse que os bebês cresciam rápido demais e que mesmo querendo levar a loja toda, seria imprudente e bem estúpido de nossa parte. Sim, o humor dela estava bem oscilante e de vez em quando, ela não media as próprias palavras. Rapidamente aprendi que em momentos como esses, tudo o que eu devia fazer era assentir, pois se a contrariasse, a coisa ficava feia para o meu lado. Ainda mais que, quando mal humor acabava, ela ficava muito deprimida por ter brigado comigo, então era melhor fingir que não estava escutando nada. Mas, no geral, nossa vida estava ótima e à medida que o tempo passava, mais encantado eu ficava com as mudanças que aconteciam em seu corpo a cada mês. Adorava sempre que Camz descartava uma roupa dizendo que não servia mais. Nessas horas, meu sorriso aumentava exponencialmente e a cara dela se fechava, mas eu sabia que era brincadeira, minha garota estava adorando saber que havia um serzinho crescendo ali dentro. Aquele período de gestação foi um dos mais felizes da minha vida, e da dela também, eu tinha certeza. Tudo era diferente e delicioso ao mesmo tempo, eu nunca havia sentido uma satisfação tão verdadeira em minha vida. A cada mês que acabava, nós ficávamos mais ansiosos para conhecer o rostinho do nosso filho e ficávamos deitados na cama tentando adivinhar com quem se pareceria e apostando quem ganharia quando ele, finalmente, nascesse. Contra a minha vontade, Camila trabalhou durante toda a gestação e como tinha uma dieta saudável e rotina de exercícios quase que diários, quando o último mês chegou, ela continuava bem-disposta, apesar de um pouco mais cansada em algumas horas do dia, como era normal com todas as grávidas. Então, um dia, duas semanas antes da data prevista para o parto, ela começou a ficar inquieta. Passou a noite toda em um sono intermitente e acordou com cólica. Quando se levantou, uma pequena quantidade de líquido transparente escorreu por suas pernas. Imediatamente liguei para sua obstetra, arrumei nossas coisas e a levei para o hospital.
— Essa foi a primeira vez que você percebeu que havia líquido? — perguntou a médica enquanto fazia a ultrassonografia.
— Acho que sim. Eu comecei a usar absorvente diário há dois meses, mas como é normal sair um pouco de urina, nunca me preocupei.
— O que está acontecendo, doutora — fui eu que perguntei dessa vez.
— Está tudo bem com o bebê? — Camila inquiriu em seguida e apertou minha mão.
— Seu útero começou a perder líquido amniótico, porém, seu corpo ainda não entrou em trabalho de parto. Se estivesse com menos semanas, eu sugeriria que esperássemos para verificar se haveria mais perda, mas você já está com 38 semanas e seu bebê está maduro. Entretanto, através da ultrassonografia, pude ver que o volume está um pouco abaixo do normal.
— E o que isso quer dizer? — A voz de Camila já estava meio chorosa.
— Nós podemos fazer logo uma cesariana e acabar de vez com essa ansiedade ou, se preferir, podemos esperar para ver se você entra em trabalho de parto nas próximas horas, afinal, o volume não está tão baixo. Basta monitorar os batimentos cardíacos do bebê, além da perda de líquido, obviamente.
— Mas o que a senhora sugere? — quis saber, pois não arriscaria nem minha garota e nem meu bebê.
— Eu tenho medo de esperarmos muito e isso causar sofrimento fetal, especialmente se a perda continuar na mesma proporção. Camila ficou visivelmente frustrada, ela tinha se preparado todos esses meses para que seu parto fosse normal, mas, infelizmente, não poderíamos arriscar. E foi isso o que quis transmitir a ela através do meu olhar. Ela assentiu, como se tivesse entendido, e pediu:
— Faça o melhor para o bebê.
— Tudo bem, vou mandar preparar a sala de cirurgia e em alguns minutos alguém virá buscá-la. O senhor pode acompanhar, se quiser. Não precisava nem perguntar.
— Com certeza eu irei — afirmei, olhando para Camila que sorriu pela primeira vez desde que saímos de casa. Não demorou mais de meia hora para que ela fosse transferida para o centro obstétrico. Na sala operatória, o anestesista conversou rapidamente com ela antes de aplicar a anestesia. Camila parecia tranquila e me olhava com ternura, os olhos brilhando de lágrimas não derramadas. Assim como eu, não estava cabendo em si de tanta ansiedade. Fiquei ao seu lado, preferindo não presenciar o momento do corte, afastando-me apenas quando escutei o choro alto e desesperado, então, lá estava o corpinho do meu filho erguido pela mão da médica. Meu mundo pareceu parar quando coloquei os olhos nele. Rapidamente a enfermeira o pegou e o colocou ao lado de Camila para que pudesse vê-lo.
— Ele é perfeito — disse ela, emocionada.
— É, sim, meu amor. Após alguns minutos, a enfermeira me entregou meu filho já com sua roupinha de maternidade e uma mantinha branca que Camila havia escolhido para ele. Seus olhos estavam bem abertos e ele parecia me encarar com curiosidade. Aquele cisco de gente em meus braços representava um tipo de amor que eu nunca sentira antes e enquanto vivesse, seria grato a Camila por ter me dado o maior presente que ganhei na vida: a oportunidade de ser pai. Os primeiros dias de Heitor Cabello Mendes em casa, foram lindos e cansativos na mesma medida. Ele gostava de dormir de dia e ficava grande parte da noite acordado, era esse o motivo das nossas olheiras. Mas depois que a pediatra nos deu dicas sobre como ajustar seu sono, em alguns dias esse problema estava resolvido. Meu homenzinho era calmo, nunca vi um bebê tão tranquilo, parecia até saber que se desse trabalho, sua mãe ficaria louca. Camila, como toda mãe de primeira viagem, era toda preocupada, não desgrudava da cria e a ideia que teve no início da gravidez sobre trabalhar o mais rápido possível e deixá-lo com Elise ou Karen, foi descartada assim que colocou os olhos nele. Eu sabia que isso iria acontecer, mas deixei que as coisas tomassem seu curso natural. Sem perceber, ela estava se tornando uma supermãe. Claro que isso não as afastou. Mamãe e Elise estavam sempre por perto, além de Maria, que agora fazia faxina na nossa casa duas vezes por semana. Sua ausência na empresa sobrecarregou as coisas para mim e Alejandro, que já estávamos acostumados a delegar algumas funções a ela. Mas isso não me desanimou um dia sequer, porque eu sabia o que encontraria quando voltasse do trabalho. Todas as manhãs, eu saía extremamente feliz e voltava no final da tarde ansioso para ver Camila com meu filho nos braços. Aquele ambiente familiar era maravilhoso. O pequeno bebê que surgiu sem que ninguém esperasse, havia preenchido todos os espaços vazios e silenciosos da casa onde morei praticamente sozinho por tantos anos; havia uma energia nova em cada cômodo, ele trouxera luz para a minha vida. Toda vez que pensava em como estava sendo perfeito, tinha certeza de que se soubesse disso antecipadamente, talvez não tivesse deixado que ela fosse estudar fora do Brasil. Mas a vida tinha dessas, era bem possível que se ela tivesse ficado, as coisas acabassem tomando outro rumo. A mim, só restava agradecer por termos ficado juntos no final, independentemente dos caminhos que o destino escolheu para nos unir. Às vezes, eu parava para analisar tudo que aconteceu depois que Camila voltou ao Brasil e a cada vez me convencia de que Fernanda e Miguel acabaram sendo peças chaves para que o destino nos unisse. Se a obsessão da minha ex não tivesse aflorado daquela forma, eu não teria percebido o quanto éramos incompatíveis; e por mais incomodado que me sentisse com o fato de Camila ter ficado com Miguel, eu tinha que admitir que aquele idiota me levou a perceber que meu sentimento por ela não era apenas desejo ou possessividade. Eu a queria comigo, não apenas na minha cama, mas na minha vida, para sempre. Não sei ao certo quando comecei a vê-la com outros olhos, talvez meu inconsciente tenha guardado todas as suas provocações e sorrisos de uma vida inteira, para que quando nos encontrássemos novamente, não houvesse para onde fugir. Camila arrebatou meu mundo, roubou meu coração, me deixou de joelhos. Agora, com toda certeza, podia dizer que o que sentia não era apenas amor, e queria compensá-la por tudo o que passou durante tantos anos. Meu cuidado e devoção poderiam ser considerados um exagero por alguns — sim, eu estava ciente —, mas a verdade era que queria, através das minhas atitudes e palavras, que Camila nunca duvidasse do amor que sentia por ela.
