Durante a semana, os preparativos para a festa de Karen tomaram a maior parte do meu tempo vago. Cuidei da decoração, das bebidas, dos garçons e várias outras coisas, mas ainda estava dependendo da confirmação de um serviço de buffet bastante conceituado que oferecia festas temáticas. A atendente disse que não poderia me confirmar ainda porque estava com duas festas agendadas, mas que apenas uma delas tinha dado certeza e feito o depósito do sinal. Caso a outra não fizesse o mesmo até o final da semana, ela poderia fechar comigo, de forma que eu teria que aguardar. Como não conhecia outro lugar com boas referências, resolvi aceitar e esperar sua ligação. Quanto a Shawn, depois da nossa pequena discussão, resolvi erguer um muro invisível. Ele precisava achar que eu estava bem com Miguel ou as coisas jamais dariam certo entre nós. Para isso, ele precisava sentir minha indiferença, precisava se sentir vulnerável. Meu plano começou a se concretizar mais rápido do que imaginei. De uma hora para outra, eu me transformei na pessoa mais requisitada por ele, quando o assunto era trabalho, desculpa que o levara com certa frequência à minha sala. Shawn não falou sobre sua visita e nem tocou no nome de Miguel, era como se sua crise de ciúmes e posterior discussão nunca tivessem ocorrido, mas seus olhos eram traiçoeiros e por várias vezes percorriam meu corpo com flagrante luxúria. Parecia brincadeira. Só porque eu queria mostrar a mim mesma que conseguia seguir uma rotina sem ficar com os pensamentos nele, o maldito resolvia se fazer presente o tempo todo. Mas eu estava conseguindo, era só não olhar diretamente em seus olhos hipnotizantes, e muito menos em sua boca, que era a minha grande fraqueza. Miguel, por sua vez, continuava em contato comigo, sem nem sonhar que era o motivo da dor de cabeça de Shawn. Aquilo, de fato, estava me preocupando. Tinha receio de que quando conhecesse Miguel e tomasse ciência de suas intenções junto à empresa, Shawn tentasse boicotar a parceria antes mesmo de ela ser cogitada. Pensando nisso, havia pedido a Sandra que marcasse sua reunião diretamente com meu pai, sem a presença de seu sócio. Ele tinha me avisado que a reunião estava agendada para sexta-feira e tudo o que eu podia fazer era rezar para que desse certo, uma vez que não estaria lá, pois desde a boate, já tinha avisado que não trataria mais de negócios com ele.
— Com licença — disse Rodrigo após algumas batidas, abrindo uma fresta da minha porta.
— Oi, Rodrigo, pode entrar — convidei e me aproximei da minha mesa. Ele estava usando jeans e uma camisa polo branca que apenas evidenciava seus bíceps trabalhados.
— Não sabia que estava aqui hoje.
— Não estava, mas seu pai me informou que deu algum problema no novo sistema. Você já chegou a usar?
— Na verdade, não. A maioria das coisas que vêm para mim são impressas.
— Posso olhar sua máquina?
— Claro, fique à vontade. Rodrigo passou por mim e se sentou na minha cadeira. Fui até uma das poltronas que tinha na minha sala e fiquei lá, mexendo no celular, até que ele começou a vibrar na minha mão.
— Ei, ainda lembra que tem amiga? — Rafaela falou, me fazendo sorrir.— Pare de ser dramática — respondi com os olhos em Rodrigo que continuava concentrado na tela do meu computador.
— Esse final de semana vou ficar de molho, se quiser pode ir lá em casa no sábado — sugeri.
— Davi quer sair, mas talvez passe lá durante o dia, eu te aviso.
— Combinado. Assim que desliguei, pensei em ir almoçar, mas Rodrigo disse que a reprogramação não iria demorar, e resolvi esperar. Enquanto ele trabalhava, fiquei observando cada detalhe de seu rosto. Ele era realmente muito bonito. Comecei a descer o olhar por seu pescoço, pelo peitoral forte, mas não exagerado, que a malha da camisa marcava com sutileza...
— Prontinho, depois que reiniciar, pode usar normalmente — ele disse, me tirando dos meus pensamentos e se afastando da mesa.
— Farei isso. Obrigada, Rodrigo. Antes que deixasse a sala, ele tirou a carteira do bolso e pegou um cartão de visitas.
— Se der algum erro, pode me ligar ou mandar mensagem — falou, estendendo-me o cartão.
— Ótimo, muito obrigada mesmo. Ele sorriu e se foi deixando-me parada ali, admirando o cartão preto com seu nome e os telefones de contato. Desisti de sair para almoçar e preferi pedir algo para comer ali mesmo. Depois da refeição, meti a cara no trabalho e não saí da minha sala a tarde toda. Meu pai tinha me pedido para fazer uma espécie de auditoria e aquilo me consumiu por completo. Se soubesse que focar nos problemas da empresa me deixaria tão ocupada, já teria feito antes. Talvez fosse essa a tática de Shawn para lidar com seus problemas. Ah, Camila, esquece o Shawn, minha mente pediu e foi o que fiz. A sexta-feira chegou e minha rotina foi a mesma, exceto pela reunião que teria às 9h no setor de vendas. Enquanto me encaminhava para lá, pensei que logo Miguel também estaria ali para falar com meu pai. Confesso que estava sentindo uma leve apreensão. No entanto, acreditava que tudo daria certo e mesmo que não desse, que fosse por incompatibilidade ou qualquer outra coisa, menos, por causa do ciúme de Shawn. Na noite anterior, quando me mandou uma mensagem confirmando a reunião, ele perguntou se não poderia me ver logo após, mas recusei. Primeiro porque não podia, tinha uma reunião no mesmo horário, mas também porque não achei prudente e foi o que lhe disse, não queria qualquer envolvimento com ele ali dentro e perguntei se não poderíamos fazer algo no dia seguinte, mas Miguel me disse que sairia da Cabello direto para o aeroporto e só voltaria na outra semana. Tudo o que me restou foi desejar boa viagem e pedir que ele entrasse em contato ao voltar, o que ele prometeu fazer. Quando minha reunião finalmente acabou, já era quase meio-dia e eu estava com fome, mas bastante cansada, de forma que não sabia se sairia para almoçar ou pediria alguma coisa. Ainda tentava decidir o que fazer, quando ouvi Sandra perguntar através do interfone:
— Camila, sua mãe está aqui na empresa e mandou perguntar se você quer almoçar com ela e seu pai. Sorri, por saber que mamãe estava ali.
— Quero, sim, avise que já me encontro com eles no estacionamento, por favor.
— Tudo bem. Desliguei o computador e saí animada da minha sala, mas meu sorriso esmoreceu quando vi Shawn junto com eles. Bom, não havia o que fazer. Fomos no carro do meu pai, ou seja, ele e minha mãe na frente, eu e Shawn atrás, o que não foi nem um pouco estranho... Todos concordaram em almoçar numa churrascaria perto da empresa e depois de acomodados em uma mesa para quatro pessoas, meu pai começou a falar sobre a reunião que tivera naquela manhã.
— Você tinha razão, filha, Miguel Cavalcante é bastante inteligente e
sabe muito bem o que quer e como investir seu dinheiro, fiquei bem impressionado. Sorri de volta, mas ao olhar o rosto de Shawn, enxerguei um misto de incredulidade e raiva. Ele tinha se dado conta que o meu Miguel, era o mesmo cara que esteve com seu sócio naquela manhã tratando de negócios.
— Você deveria investir em um rapaz como ele, Camila. Vocês têm quase a mesma idade e formariam um casal danado de bonito. Além disso, seria um prazer ter um genro tão empenhado em crescer na vida. Enquanto papai falava, Shawn me fuzilava com o olhar como se apenas imaginar aquilo o deixassem nauseado.
— Ele é realmente um gato — comentei e levei um pisão no pé que me fez arfar um pouco e arregalar os olhos para o autor daquela façanha. Como ele estava na minha frente e papai ao lado, seu sócio não conseguia ver a cara de raiva e desgosto que ele não fazia questão de disfarçar. Já mamãe...
— Miguel, é? — perguntou ela, se mostrando interessada.
— Sim. Eu o conheci na empresa, mas já nos encontramos algumas vezes fora de lá.
— Ah, é? Mas se encontraram como, por coincidência ou em um encontro? Enquanto me perguntava, mamãe olhava disfarçadamente para Shawn, me fazendo perceber o que ela estava tentando fazer.
— Nas primeiras vezes, sim, mas depois ele me chamou para sair e
eu aceitei.
— Bom, se as coisas ficarem mais sérias, leve-o lá em casa, quero conhecer esse gato — pediu.
— Pode deixar, mamãe — respondi, encarando dois pares de olhos azuis muito irritados. Duurante a refeição, meu pai ainda fez elogios pontuais, tanto a Miguel quanto ao Rodrigo, o que pareceu inflamar ainda mais o
meu homem. Não sei nem como ele conseguiu comer, porque estava parecendo mais um leão enjaulado, louco para pular no pescoço de alguém. Tive que me segurar muito para não gargalhar. Depois do nosso almoço superdivertido — para mim, pelo menos —, voltei para o escritório rindo internamente por saber que Shawn tinha odiado cada segundo daquela refeição a quatro. Comecei a trabalhar de alma lavada, mas toda a minha alegria se foi quando, no final do dia, a secretária do buffet ligou dizendo que infelizmente não poderia me atender, porque as duas festas haviam sido confirmadas. Entrei em pânico, estava tão certa de que seria possível, que nem fui atrás de outro. Passei a hora seguinte fazendo ligações, mas recebi a mesma resposta dos poucos buffets especializados no assunto: não tinham disponibilidade para a data em questão. Aquilo não me espantou, o aniversário seria em quinze dias e só conseguiria contratar um bom serviço se acontecesse um milagre. De repente, lembrei-me que Sandra conhecia milhares de pessoas e que o irmão dela tinha um bar bem movimentado... Um deles deveria conhecer alguém que pudesse me ajudar.
— Sandra, me diz que você conhece algum serviço de buffet especializado em comida mexicana! Ela negou de imediato.
— Não. Mas sei que a família do Rodrigo tem dois restaurantes mexicanos na cidade, só não sei se eles fazem serviço de buffet.
— Como você sabe disso? —
perguntei, atônita.
— Enquanto o gato atualizava meu computador, aproveitei para fazer algumas perguntas, ora. Qual a melhor forma de se conhecer alguém? Quase gargalhei, Sandra era um barato. Quem a ouvia falar assim, não imaginava que ela era muito bem casada e completamente apaixonada.
— Ótimo, vou ligar agora mesmo. Voltei para a minha sala e liguei para Rodrigo que me atendeu no terceiro toque.
— Oi, Rodrigo, é a Camila, da Cabello.
— Oi, Camila, algum problema com o novo programa?
— Não, está tudo certo, estou ligando por outro motivo. Sandra disse que sua família tem restaurante mexicano, sabe me informar se eles trabalham com eventos externos?
— Trabalham, sim, vou te passar o número da minha irmã e você verifica a disponibilidade de datas com ela. Anotei dois números que ele me passou e agradeci. Depois liguei para a irmã dele, que se chamava Rebeca. Ela cuidava dos eventos do restaurante e disse que por sorte, um cliente havia desmarcado e deixado aquele dia vago. Quase surtei ao ouvir aquilo, mas me controlei e marquei de encontrá-la depois do expediente, pois eles ofereciam vários tipos de serviço para eventos e seria mais fácil decidir pessoalmente. Com esse problema resolvido, encerrei meu expediente mais cedo, dando graças a Deus por não ter esbarrado em Shawn. Ao chegar em casa subi imediatamente para ir tomar um banho. Depois, coloquei um jeans skinny de cintura alta, um croped de renda branco e uma anabela nude. Antes de seguir para o meu destino, parei na casa dos meus pais.
— Aonde vai tão linda assim? — mamãe perguntou quando passei pela porta, a casa toda estava com cheiro de bolo de banana.
— Estou ajudando Karen a organizar sua festa de aniversário, tenho um encontro com o serviço de buffet em meia hora.
— Dá tempo de comer um bolinho e tomar um cafezinho com sua mãe? — perguntou com seus olhos pidões.
— Claro que sim — respondi e fomos abraçadas para a cozinha. Mamãe nos serviu o bolo quentinho e duas xícaras de café.
— E então, você está mesmo interessada nesse rapaz, ou tudo aquilo foi para provocar o Shawn? Parei de mastigar quando escutei sua pergunta.
— Nós ficamos juntos, mas ambos deixamos claro que não estávamos
atrás de um relacionamento, mas se acontecesse, iríamos deixar rolar. Entretanto, acho que passou da hora de tocar minha vida e esquecer esse homem, não acha? Ela pensou um pouco antes de responder:
— Acho que deveria aproveitar para conquistá-lo enquanto ele está solteiro. A Karen ficou sabendo que Fernanda receberá alta em breve, e longe da manipulação da família, irá perceber o que fez e tentará reconquistá-lo. Pelo menos é o que eu faria, se tivesse o histórico dela. Conquistá-lo enquanto esta solteiro... Queria saber o que ela faria se soubesse que Shawn passou uma noite comigo, depois me tratou como se eu não existisse e que agora se achava no direito de melar o meu lance com Miguel. Por não saber disso, ela não entendia que meu comportamento era justamente para autopreservação da minha sanidade. Ele me conhecia desde pequena, já havia ficado comigo, e tinha idade suficiente para saber o que queria, não adiantava forçar uma situação, homem nenhum agia sob pressão e com ele não seria diferente.
— Mãe, ele não é nenhum adolescente bobo, se quisesse estar comigo, já teria dado um jeito. Não vou ficar correndo atrás de Shawn, ele não merece.
— Tudo bem, filha, vou deixar que resolva seus problemas à sua maneira — ela disse em tom gentil, após alguns minutos de silêncio.
— Obrigada, mamãe — murmurei, realmente agradecida e mudamos de assunto. Ela quis saber o que estava planejando para a festa de aniversário de Karen, mas já estava atrasada para meu encontro com Rebeca e não tive muito tempo de falar detalhes. Cheguei em frente ao restaurante com dez minutos de atraso. A fachada era pintada num tom laranja bem vivo e havia alguns cactos e outras plantas subindo pelas paredes, bem ao estilo mexicano. Pelo que eu li no site deles, depois de certo horário uma área do restaurante virava uma baladinha e fiquei curiosa para saber se eles tocavam músicas diversas, ou apenas latinas, para manter o clima, mas apesar disso, não tinha a intenção de estender a noite; não me sentia nem um pouco animada. Aproximei-me da porta, onde havia um segurança postado, e perguntei por Rebeca, sendo informada de que ela estava à minha espera dentro do restaurante. Adentrei o local que tinha paredes coloridas e era todo decorado com chapéus típicos e quadros com imagens divertidas seguindo o tema. Vi que mesmo não havendo clientes ainda, os funcionários já estavam à postos.
— Você deve ser a Camila, eu sou Rebeca. Virei-me em direção a voz que falava comigo.
— Muito prazer — sorri, apertando a mão de uma moça magra, com cabelos loiros e bem lisos cortados no estilo Chanel.
— Venha, vamos até meu escritório, daqui a pouco eles soltam a música e isso aqui vira uma loucura. Segui Rebeca Alencastro até os fundos do restaurante, onde havia um depósito de bebidas que dividia espaço com um escritório improvisado.
— Não se espante com todo luxo desse lugar — ela brincou. — Meu escritório fica no andar superior, mas está em reforma e esse foi o jeito que encontrei para poder ficar de olho no restaurante. Sente-se.
— Imagina, sei bem como é, trabalho no ramo da construção — falei sentando-me à sua frente enquanto ela ligava o computador.
— Ah, claro, acho que Digo comentou sobre isso. Senti uma coisinha na barriga por saber que o gatíssimo havia tocado no meu nome. Esqueci aquela sensação no segundo seguinte, quando ela virou a tela do computador para me mostrar o catálogo com os pacotes de eventos que eles possuíam. Fiquei bem impressionada com a estrutura que eles ofereciam.
— Acho que é isso — falei, mais ou menos meia hora depois, após acertar os últimos detalhes com ela. Optei por um modelo mais simples, para poucas pessoas e com meu tequileiro de brinde.
— Ótimo. Pode confiar que seu evento não será cancelado em cima da hora, e que será uma festa linda.
— Fico feliz. Rebeca me acompanhou até o salão do restaurante que já estava bem movimentado, com várias pessoas já curtindo um happy hour e músicas típicas do México nos alto-falantes.
— Não quer ficar mais um pouco e experimentar algumas bebidas e comidas do nosso restaurante? Adorava comida mexicana, mas a maioria dos clientes estava em grupo ou casais, comer sozinha não era minha praia.
— A ideia não é ruim, mas vou combinar de vir com uma amiga depois. Rebeca sorriu de forma condescendente, entendendo bem os motivos da minha recusa ao seu convite. Então passou os olhos pelo restaurante como se estivesse à procura de alguém e fez um gesto com a mão. Olhei para trás e avistei Rodrigo vindo em nossa direção. Ele
também tinha trocado de roupa e vestia um jeans bem escuro e camiseta preta.
— Olá, Camila, como vai? — cumprimentou me dando um beijo no rosto.
— Estou ótima. Acabei de fechar o serviço com sua irmã. Rebeca saiu do meu lado e entrelaçou o braço no de Rodrigo.
— Convidei a Camila para experimentar nossas comidas, mas acho que ela não gosta de comer sozinha. Que tal lhe fazer companhia? Rebeca era toda descolada e pelo jeito não se importava de constranger seu irmão. O problema é que eu também fiquei sem graça com a pergunta dela.
— Claro, será um prazer — ele respondeu apontando para onde estava sentado e avistei um computador em cima da mesa.
— Digo está ajustando nosso novo sistema, mas pode tirar uns minutinhos para lhe fazer companhia — Rebeca explicou, enquanto caminhávamos até lá. Nós três nos sentamos e Rodrigo pediu desculpas, mas precisava de mais alguns minutos para terminar o que estava fazendo, ou teria que reiniciar tudo de novo. Apesar de sua simpatia, não pude deixar de pensar que estava atrapalhando, mas logo me distraí com Rebeca, que começou a falar sobre eventos que já tinha feito e várias loucuras que já tinha presenciado. Quando Rodrigo fechou a tela do computador, a irmã pediu licença e nos deixou a sós, fazendo-me sentir que a paz havia voltado a reinar em meus ouvidos, ela era muito expansiva. Então, me vi a sós com o Oliver Queen brasileiro, que me encarava com um discreto sorriso que parecia bem maior, devido a seus olhos expressivos.