Finalmente o dia do meu aniversário havia chegado. Como queria comemorar com minha família e amigos, marquei meu voo para o dia seguinte, mesmo sabendo que chegaria na universidade com uma semana de atraso. O evento também serviria como uma festa de despedida e eu estava ansiosíssima, afinal, já teria dezoito anos e minha meta era convencer Shawn a ficar comigo. Na minha cabeça estava tudo claro, eu não era mais menor de idade, ficaria fora do Brasil por vários anos e ele não se recusaria satisfazer meu desejo. Óbvio que ainda me sentia meio aérea e distraída por causa da conversa que tivemos no seu escritório. A toda hora eu me pegava pensando em suas palavras perturbadoras. A única coisa que me acalmava, era saber que ele havia prometido me esperar. Ok, não foi o que ele falou, mas foi o que coloquei em minha cabeça e era àquilo que eu me agarraria. Com isso em mente, resolvi aproveitar minhas últimas horas no Brasil ao máximo, afinal, apesar de não querer ir embora, havia me acostumado com a ideia e chegado à conclusão de que seria o melhor para mim. Olhei-me no espelho pela última vez, respirei fundo e saí do quarto.
— Filha, você está linda! — mamãe elogiou ao me ver descendo as escadas.
— Não está querido? — perguntou ao meu pai, que se aproximava.
— Sim, lindíssima. — Ele tinha um sorriso orgulhoso. Eu havia escolhido um vestido preto, com tecido brilhoso, gola boba e costas nuas; ele era sexy e em conjunto com a sandália alta que resolvi usar, ficou perfeito. Para completar, passara a tarde no salão, onde fiz uma maquiagem e uma escova trabalhada que deixou as pontas dos meus longos cabelos enroladas.
— Obrigada — agradeci e imediatamente nos dirigimos ao local de eventos do condomínio. Por ser a aniversariante, resolvi chegar uns vinte minutos depois dos convidados, mas se demorasse mais, seria desrespeitoso. Ao entrar no salão, fiquei surpresa com tudo o que Rafaela providenciara. Havia muitos balões dourados e bebidas de todos os tipos e marcas. Naquela noite eu teria passe livre para beber, mas não o faria, queria estar sóbria para interagir com o meu homem. Olhei ao redor, e vi que todos os meus amigos estavam ali, entretanto, a pessoa que eu mais ansiava ver, ainda não havia chegado. Circulei pelo salão cumprimentando meus convidados, recebendo em troca muitas felicitações, abraços e recomendações de como me comportar na viagem, aonde ir e coisas do tipo. Mesmo tentando ser simpática, meu humor piorava a cada minuto que se passava e Shawn não chegava.
— Onde diabos ele se meteu? Foi uma pergunta retórica, mas Rafaela respondeu:
— Deve ter acontecido alguma coisa. Shawn jamais esqueceria a sua festa. Minha amiga tinha razão, ele havia prometido. Tentei não focar na ausência dele e curti o máximo
que pude. Acabei bebendo algumas cervejas com os meus amigos e dancei até não aguentar mais. Toda vez que minha mente tentava pensar nele, eu mudava de estação, não queria estragar aquela noite, muito menos deixar uma má impressão aos meus convidados. Perto da meia-noite, meus pais foram para casa e fiquei perambulando com Rafaela até quase duas da manhã, quando o último convidado foi embora.
— Nos vemos em breve e não fique triste, Shawn deve ter uma boa razão para não ter aparecido. Abracei a minha amiga e não falei nada. Depois que o Uber da Rafa deu a volta em frente ao salão, peguei uma cerveja e caminhei até o deck que tinha vista para o lago. Apoiei os cotovelos no parapeito de madeira e fiquei olhando para o nada. Havia uma música triste vindo do lado de dentro, e tive uma vontade enorme de chorar. Ainda não entendia como ele pudera ter feito aquilo comigo, sabendo que eu estava indo embora e não voltaria por anos! Após descartar todas as minhas chances de que ele pudesse aparecer, voltei para o salão, desliguei tudo e fui embora. Acordei tarde na manhã seguinte e logo ouvi o barulho de música e conversas animadas, vindo do lado de fora, além de um cheiro delicioso que fez meu estômago roncar. Levantei-me, fiz minha higiene, me arrumei e desci. Meu voo só sairia no final da tarde, então aproveitaria a companhia dos meus pais antes de ter que partir. Passei pela sala e fui para a área de lazer. Assim que atravessei as portas de vidro, avistei meu pai conversando com Shawn , e minha mãe entregando uma bebida a uma moça muito bonita que se encontrava ao lado dele. Mesmo antes de saber quem ela era, meu sexto sentido já estava em alerta.
— Camz. — Escutei Shawn dizer ao me ver. Ele foi ao meu encontro, depois me abraçou e beijou minha testa.
— Desculpe por ontem, eu tive outro compromisso e não consegui chegar a tempo — justificou, mas naquela hora eu estava mais interessada em sua acompanhante.
— Quem é ela? — perguntei, olhando para a mulher de cabelos lisos num tom de ruivo natural. Seus olhos também eram verdes, mas diferente dos meus, que eram acinzentados, os dela pareciam duas esmeraldas, o que a deixava ainda mais bonita.
— Vem cá, deixe-me apresentar vocês. Ele me pegou pela mão e me levou para junto deles. Papai sorriu com carinho, já mamãe, se aproximou e colocou um braço sobre os meus ombros, apertando de leve. Aquilo fez meu coração bater ainda mais rápido, pois sabia que ela queria me proteger de algo. Antes que Shawn pudesse falar alguma coisa, a moça se adiantou:
— Olá. Então, esta é a famosa Camila. Shawn falou muito de você — afirmou, me oferecendo um sorriso aberto e simpático. Já eu, dei um sorriso amarelo e assenti levemente.
— Sou Fernanda, muito prazer.
— Prazer — respondi, seca, aceitando a mão que ela estendeu. Depois que a troca de amenidades terminou, olhei para Shawn, como que esperando uma explicação, coisa que ele não fez. Para piorar, se aproximou dela e colocou uma mão em sua cintura. Graças a Deus, naquela hora a cozinheira avisou que o almoço estava servido e nos encaminhamos para a mesa. Enquanto comíamos, Fernanda contou que tinha acabado de completar vinte e quatro anos e estava no último período de medicina. Contou também que há cerca de dois meses, ela e Shawn
haviam se conhecido por intermédio de amigos em comum e que desde então, não haviam se desgrudado. Dois meses! Aquilo me deixou sem chão. Não me lembrava de Shawn ter ficado tanto tempo com ninguém. De repente, dei-me conta de que ela era mulher que eu vi chegar à casa dele, algumas semanas atrás;aquela a quem ele agarrava como se o mundo fosse acabar. Tive que me segurar muito para não desabar e começar a chorar feito uma criança. Para aumentar ainda mais o meu desgosto, pude enxergar um ar de encantamento na forma como Shawn a observava. Fernanda se portava como uma princesa e ele parecia estar de quatro por ela. Obriguei-me a desviar o olhar de seu rosto e prestar atenção na conversa, exatamente na hora em que ela confessou, que na noite anterior eles estiveram em sua festa de aniversário.
— Você também fez aniversário ontem? — perguntei, incrédula, não podia acreditar que ela havia nascido no mesmo dia que eu.
— Não, fiz aniversário na segunda-feira, mas como era início de semana, resolvi comemorar na sexta. Então ele havia faltado à minha festa para comparecer à dela? Eu me recusava a acreditar no que ouvia, a acreditar que Shawn tivera coragem de fazer aquilo comigo. A decepção devia estar estampada em meu rosto, pois quando olhei para ele, tudo o que vi foi uma expressão de arrependimento e pesar. Naquela hora, dei graças a Deus por estar de viagem marcada, seria doloroso demais vê-lo ao lado de outra pessoa. Pensar naquilo me deixou com uma sensação horrível no peito, e antes que eu desse vexame, levantei-me da mesa, pedi licença, despedi-me dos dois convidados e fui para o meu quarto, não podia mais ficar ali. Ao chegar lá em cima, peguei minha mala de mão para terminar de arrumá-la, mas fui incapaz de fazer qualquer coisa, apenas fiquei olhando para ela, desolada, sem saber o que pensar. Antes que eu conseguisse me recompor, ouvi uma leve batida na porta.
— Tem um minuto? Levantei a cabeça e dei de cara com Shawn
encostado em minha porta.
— Claro — falei baixinho, agradecendo por não estar chorando. Peguei as coisas que estavam separadas, prontas para serem colocadas dentro da mala e começar a organizar. Ele entrou, se sentou na minha cama e imediatamente seu perfume envolveu os meus sentidos. Tive medo de não me segurar e desabar ao pensar que ficaria anos e anos sem sentir seu cheiro, sem a companhia da pessoa que mais me fazia vibrar.
— Eu sei que está chateada. Bufei de forma muito pouco feminina e continuei organizando as coisas, até ele segurar meu pulso e dar uma batidinha no colchão, pedindo para eu me sentar.
— Eu já entendi por que não veio — falei quando me posicionei ao seu lado —, mas precisava trazê-la aqui?
— Ela passou a noite na minha casa, seu pai apareceu por lá e praticamente nos arrastou para cá. Senti um baque ao ouvir aquilo, mesmo sabendo que ela já devia ter passado a noite nacasa dele muitas vezes. Logo depois apreendi o que mais ele havia falado e soltei uma risadinha. Alejandro Cabello tinha um faro daqueles para os negócios, mas quando se tratava da minha paixão por seu sócio, era completamente cego. Percebi que Shawn esperava uma resposta e falei o que ele queria ouvir.
— Bom, você tem direito a uma vida… eu acho.
— Sim e é sobre isso que eu vim conversar com você — ele disse, encarando firmemente meus olhos.
— Isso o quê?
— Camila, há anos eu escuto você falar sobre essa paixão por mim — disse, sério, e não pude deixar de corar. Apesar de nunca ter escondido meus sentimentos, acabei me sentindo aquela mesma menina boba de doze anos, que corria atrás dele. — Quero que saiba que valorizo e sou grato por esse carinho que demonstra, mas está na hora de você viver a sua vida, conhecer outras pessoas, se apaixonar de verdade por alguém. Engoli o nó na garganta, ele ainda não acreditava em mim. Olhei para baixo e continuei quieta. — Eu estou gostando muito da Fernanda, ela não é apenas um caso. Levantei a cabeça e o fitei, sem tentar esconder meus sentimentos e ele percebeu, pois falou: — Não estou contando isso para te magoar, apenas não acho justo que viaje alimentando esperanças infundadas.
Então era isso. Ele iria namorar sério com ela, talvez até se casar, e achou melhor deixar as coisas bem claras para que eu não tivesse esperanças, para que eu não esperasse por algo que não aconteceria e depois sofresse por causa disso. Engoli novamente a vontade de chorar. Mesmo desolada por saber que ele estava prestes a se comprometer seriamente com outra mulher, meu lado racional estava presente e mais uma vez falei o que ele queria ouvir:
— Espero que ela te faça feliz, Shawn. — Ele me olhou de lado, meio desconfiado, mas forcei um sorriso e garanti: — É verdade. Tudo o que eu quero é que seja feliz, você merece. Ele sorriu e me puxou para um abraço. E aquela proximidade quase me fez desmoronar, mas na mesma hora me lembrei que ele já estava tocando a vida adiante e o mais certo agora era manter a dignidade e não fazer com que se sentisse culpado por algo que sempre existiu apenas na minha cabeça. Deixaria para lamber minhas feridas quando estivesse bem longe do Brasil. Mais uma vez agradeci por aquela viagem. Era o momento certo para tirar o time de campo, se permanecesse ali, eu não conseguiria me conter. No final, a minha insistência faria com que ele se afastasse, e acabaria destruindo a amizade que ele e meu pai nutriam há quase 10 anos. Quem sabe quando eu voltasse para o Brasil as coisas fossem diferentes… Não, eu não pensaria naquilo. Não seria saudável e não devia mais me encher de esperanças vãs. Eu não era mais criança e não podia mais me comportar como tal.
— Preciso terminar de arrumar as minhas coisas — falei, ao me afastar. Ambos nos levantamos e caminhamos até a porta.
— Promete que vai ficar bem? Balancei a cabeça. — É sério, Camila, preciso que me prometa que vai aproveitar sua vida. A última coisa que eu quero, é que se arrependa de algo depois. Olhei mais atentamente para ele. Shawn parecia tão preocupado e ansioso, que não pude fazer nada além de tranquilizá-lo.
— Eu prometo. Ele assentiu, sorriu fracamente e me puxou para outro abraço.
— Boa viagem, Camz — disse no meu ouvido, então virou as costas e se foi. Quando ele desapareceu escada abaixo, dei-me o direito de extravasar toda a dor que estava sentindo. Foram tantos anos fantasiando um romance com Shawn, imaginando que quando eu fizesse dezoito anos ele iria criar coragem para falar com o meu pai. Suspirei em meio as lágrimas, entendendo que aquela louca paixão estava apenas na minha cabeça. Ele jamais cogitou ficar comigo e perceber aquilo me deixou ainda mais triste. Com muito custo, terminei de arrumar minhas coisas e quando verifiquei o relógio, já eram 14h. Meu voo estava marcado para o início da noite, mas como tinha que estar no aeroporto três horas antes para fazer o check-in, teria que sair bem mais cedo. Tomei um banho relaxante, vesti uma roupa confortável para a viagem e calcei um tênis. Depois de pronta, olhei ao redor para verificar se não estava esquecendo nada e vi o colar que ganhei de Shawn sobre a cômoda. Peguei a joia, abri o relicário, e ao ver a imagem de nós dois lá dentro, quase desabei novamente. Após contemplar nossa foto por alguns minutos, tive a certeza de que ficaria daquele jeito todas as vezes que a visse e, com uma dor imensa no coração, resolvi deixar o colar, e o coloquei dentro de uma gaveta. Para não me arrepender daquela decisão, rapidamente peguei minha bolsa, assim como as malas, e desci. Durante o percurso até o aeroporto, meus pais me deram milhares de recomendações. Eles também prometeram enviar minha habilitação assim que ela chegasse, para o caso de eu precisar alugar um carro em algum momento. Eu escutava tudo o que eles falavam, mas apenas metade de mim estava ali, a outra estava lutando para não pedir que eles parassem e dessem meia volta. Depois do check-in, eles me acompanharam até o local que me levaria à área de embarque. Ao me despedir, não aguentei e voltei a chorar nos braços do meu pai, enquanto minha mãe alisava meus cabelos. Ele achou que eu estava triste por causa da viagem, mas mamãe sabia que meu coração estava em pedaços e quando me abraçou, disse que tudo ficaria bem, mas eu apenas chorei, meneando a cabeça incontáveis vezes. Quando nos separamos, ela segurou meu rosto com as duas mãos, olhou dentro dos meus olhos repetindo aquelas mesmas palavras e nessa hora eu acreditei que aqueles anos fora talvez fossem o suficiente para reconstruir meu coração novamente.