Capitulo 16

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Dias depois



Por fim, eu poderia começar a trabalhar na Cabello. No dia anterior, meu pai avisou que minha sala já estava pronta e aquilo me animou imensamente, não aguentava mais ficar dentro de casa. Ansiosa com o meu primeiro dia, acordei cedo e me arrumei com calma. A maioria dos funcionários trabalhava ali há anos, mas não queria ser vista apenas como a filha do chefe, e sim, como a profissional que era, por isso, caprichei no look executiva. Quando entrei na cozinha, surpreendi-me ao ver a mesa posta e Maria terminando de preparar meu café.
— Bom dia — cumprimentou ela e já foi me servindo uma xícara.
— Bom dia, Maria, achei que hoje estaria na casa dos meus pais.
— Eu tô, mas sua mãe pediu pra mim fazer seu café, ela num queria que cê saísse de casa sem comer. Ouvir aquilo me fez sorrir. Minha mãe nunca perderia o jeito cuidadoso e protetor comigo, pensei enquanto assoprava o líquido fumegante.
— Senta e toma um café comigo — pedi e Maria puxou uma cadeira servindo-se em silêncio, coisa que não era do feitio dela.
— Você e minha mãe são iguaizinhas quando querem falar alguma coisa que não devem. Ela deu um sorriso fraco e mudou de cadeira, ficando mais perto de mim.
— Eu sei que cê tá chateada com seu Shawn e num quer falar dele, mas eu preciso dizer... Ele num parece nada bem esses dias, Camila. Desde minha conversa com Shawn, evitei andar pelo condomínio e passei a maior parte do tempo trancada em meu escritório, analisando contratos e balanços da empresa. Além disso, tinha deixado claro para minha mãe que não queria mais falar sobre ele e ela deve ter entendido que algo sério havia acontecido, pois alertou Maria, que se mantivera calada, até então.
— Shawn deve estar preocupado com a Fernanda, já faz mais de uma semana que ela sofreu aquele acidente e ainda não acordou.
— Sei não, no dia que fui fazê faxina na casa dele, percebi que ele num tirava os olhos daqui, parecia que queria te ver, nem que fosse pela janela. O ruim de ter a mesma diarista fazendo faxina na casa dos meus pais e de Shawn, era sempre ter essa janela por onde eu poderia saber tudo o que acontecia. Isso era ótimo quando eu vivia atrás de informações, mas quando esse não era o caso, a história mudava de figura.
— Não acho mais certo ficar de papo com ele. Querendo ou não, Shawn está noivo e para piorar, sua noiva está no hospital. Acho melhor nos afastarmos um pouco. Os olhos de Maria se arregalaram, pelo visto, minha mãe não tinha lhe contado sobre o noivado.
— Eita, muié de Deus, como que cê me conta um troço desse sem me prepará primeiro! Soltei uma risada com o jeito dela e me levantei.
— Pois é, minha amiga, o homem está comprometido e eu não posso fazer nada quanto a isso. Agora eu tenho que ir, quero chegar mais cedo. Dei um beijo em sua bochecha, mas após alguns passos, voltei-me novamente.
— Maria das Dores! — chamei e ela se voltou para mim com os olhos entrecerrados, sem entender o porquê de a chamar assim, então eu disse: — Eu amo o seu sotaque nordestino. Ainda bem que, mesmo depois de tantos anos em São Paulo, você não perdeu suas raízes. Na mesma hora vi seus olhos brilharem, por isso, mandei-lhe um beijo e praticamente corri para a porta ou começaria a chorar com ela. Saí do condomínio entusiasmada por ter algo para fazer daquele dia em diante, mesmo sabendo que teria de encarar Shawn Mendes pela primeira vez em dias. Eu achava a fachada envidraçada da Cabello absolutamente linda com seus vidros espelhados e ar moderno. O estacionamento para funcionários ficava atrás do prédio e quando lá cheguei, notei que o carro de Shawn já estava ao lado do carro do meu pai, em uma das vagas destinadas à presidência. Estacionei em uma vaga qualquer, peguei minha bolsa e segui para dentro. Assim que atravessei as portas, cumprimentei as recepcionistas e segui para os elevadores. Como grande parte das pessoas ali me conhecia de longa data, não precisaria me apresentar a quase ninguém. Também não sentia aquele nervosismo de encarar o chefe no primeiro dia de trabalho. Em contrapartida, a tensão de ficar cara a cara com Shawn me deixava inquieta, especialmente por saber que aquilo aconteceria diversas vezes dali para frente. Seria difícil trabalhar com ele sem me lembrar daquela noite, no estábulo. Volta e meia meus pensamentos me traíam e eu acabava voltando para a fazenda e revivendo cada segundo daquela virada de ano que, apesar de tudo o que houve depois, foi a melhor da minha vida. As portas do elevador se abriram e minha atenção se voltou para Sandra.
— Meu Deus, como você está linda — disse a secretária da presidência, contornando a mesa para me abraçar.
— Obrigada, Sandra, estava com saudades. Desde que eu saíra do país para estudar, não tínhamos nos visto mais e eu realmente senti sua falta. Ao vê-la novamente, após tantos anos, foi impossível não lembrar das minhas visitas inoportunas e de Sandra sempre dando um jeito de me encobrir para que eu pudesse falar ou apenas espiar Shawn. Ficamos conversando por uns dez minutos, até meu pai aparecer no hall da presidência, acompanhado de seu sócio.
— Filha, que bom que chegou! — falou, me dando um beijo na testa.
— Como você está?
— Estou ótima, papai, animada. Bom dia, Shawn — cumprimentei, voltando-me para o meu amor platônico que estava em seu modo
homem de negócios, num terno alinhado e lindo de morrer.
— Bom dia, seja bem-vinda, Camila. — Seu tom casual parecia querer demonstrar toda a dignidade que possuía, mesmo depois de tudo que fizemos naquela noite. Seus olhos, no entanto, mostravam outra coisa. Neles eu podia ver que seu corpo estava ali, mas os pensamentos estavam lá, naquela maldita baia.
— Por aqui, filha, vou te mostrar sua sala. Papai tomou a frente, tão animado quanto eu com meu primeiro dia. Dei um tchau para Sandra e o segui pelos corredores com Shawn logo atrás. Para minha consternação, vi meu pai destrancando a porta de uma sala que ficava ao lado da que Shawn ocupava.
— Espero que goste — falou, satisfeito, me dando passagem. Entrei e fiquei feliz com as escolhas que fizeram. As paredes tinham sido pintadas num tom claro de cinza e os móveis escolhidos eram modernos. A mesa de vidro dava ainda mais leveza ao ambiente claro e funcional. Tudo ali era bem diferente da sala do meu pai, que era bem conservadora; na verdade, combinava um pouco mais com a sala de Shawn, que juntava os dois estilos com perfeição. Aproximei-me das janelas e adorei ver que, em vez de trânsito ou outros prédios, a vista dava para uma área verde onde havia uma praça e um bonito lago. Ao lado havia uma porta que imaginei ser de um lavabo, o que constatei quando a abri. Voltei a andar e vi uma segunda porta que me deixou intrigada, pensando o que poderiater atrás dela. Antes que pudesse abri-la, meu pai falou: — Pensei que como você vai trabalhar na área comercial, Shawn poderia te
ajudar com tudo o que precisar, por isso, resolvi fazer essa porta para que tivesse acesso direto à sala dele quando precisasse tirar alguma dúvida. Papai parecia orgulhoso de sua ideia, já eu, tive vontade de sair correndo quando a porta foi aberta e reconheci o escritório de Shawn do outro lado... Como se já não bastasse termos que trabalhar juntos, ele ainda teria livre acesso a minha sala?
— Que ótimo, pai, vejo que pensou em tudo — soltei, de forma sarcástica, mas ele apenas sorriu. Meu pai, realmente, vivia em Narnia.
— Bom, eu tenho uma reunião fora da empresa agora, mas se precisar de qualquer coisa, fale com Sandra ou Shawn , tudo bem? Eu apenas assenti e ele sorriu novamente.
— Nos vemos mais tarde. Falando isso, ele me deu um beijo e saiu porta afora. Caminhei até a mesa, peguei meu celular de dentro da bolsa e depois a guardei em uma das gavetas, sentindo o olhar de Shawn sobre mim.
— Seja bem-vinda novamente, Camz. Se precisar de qualquer coisa, estarei aqui do lado — disse, por fim. Ele sabia que se começássemos uma conversa pessoal as coisas poderiam sair de controle. E apesar de querer dizer algumas coisas, impor alguns limites que me protegeriam dele, apenas dei um sorriso educado e murmurei:
— Obrigada, Shawn. Ele sorriu tristemente e saiu. Melhor assim, ambos tínhamos que trabalhar. E foi exatamente o que fiz. Durante a manhã, analisei terrenos para possíveis condomínios em áreas afastadas da cidade; meu pai estava animado com a ideia de investir em condomínios com um toque rural, com áreas bem extensas, mas cheias de infraestrutura para quem quisesse realizar o sonho de sentir os ares do campo sem se afastar muito da cidade. Tudo era muito novo para mim, mas cresci escutando meu pai e Shawn debatendo sobre como fazer os melhores negócios, sem contar que estudei bastante tempo para isso e estava ansiosa para colocar a mão na massa. Claro que tive muitas dúvidas, mas recorri à Sandra, que me ajudou com a maioria delas, seria perturbador ficar perto de Shawn devido à nossa situação e só apelaria a ele quando não tivesse outra opção. Eu sabia que não dava para tratá-lo com indiferença pelo resto da vida, mas queria dar um tempo a mim mesma para me acostumar com a presença dele, então, aos poucos, voltaria a ter uma convivência próxima ao normal. Meus pais já estavam sabendo sobre o acidente. Meu pai, em especial, gostava bastante de Fernanda, a considerava uma moça esforçada e não entendia por que Shawn ainda não havia se casado com ela. Sempre que escutava aquilo, percebia o quanto ele estava alheio a tudo que acontecia a sua volta. Graças a Deus! Encerrei meu primeiro dia tendo conseguido resolver alguns problemas e com uma reunião agendada para o dia seguinte com o dono de umas terras que a Cabello estava interessada. Meu pai seria o responsável pela negociação, dando-me a oportunidade de observar e aprender como se fazia a coisa toda acontecer. Shawn, que tinha outra reunião agendada para o mesmo horário, não estaria presente. Saber daquilo me fez respirar um pouco mais aliviada. Saí da empresa bem depois do horário e notei que a maioria dos carros já não estava ali. Segui para o condomínio, mas antes parei em uma panificadora para comprar algumas guloseimas que minha mãe gostava, queria tomar um café com ela antes de ir para a minha casa. Estacionei o carro e segui para dentro, não estranhando a presença de Shawn assim que entrei. Era normal eles se encontrarem depois do trabalho para tomar uma cerveja ou inventar algum churrasco no meio da semana. A princípio, pensei que depois de tudo o que rolou entre nós, ele pararia de frequentar um pouco a casa dos meus pais, mas depois percebi que se isso tivesse acontecido, seria pior, pois poderia fazer meu pai desconfiar de alguma coisa. Além disso, minha mãe não deixaria, ela o tratava como se fosse um filho, morria de dó pelo fato de ele morar sozinho e não ter quem cuidasse de sua comida, mesmo sabendo que a geladeira dele era cheia de imãs com telefones de restaurantes e lanchonetes com serviço de delivery.
— Ah, querida, chegou na hora.certa, acabei de passar um café — disse ela, indo ao meu encontro e pegando as sacolas que carregava. Fomos direto para a mesa, que já estava posta.
— E então, Camila, como foi seu dia? Gostou do trabalho? — meu pai perguntou alheio a toda a tensão que pairava ao redor.
— Sim, papai, tem muita coisa para aprender, mas tenho certeza de que em pouco tempo vou pegar o jeito. Engrenamos uma conversa sobre trabalho, mas em dado momento, papai perguntou sobre Fernanda, recebendo de Shawn uma resposta rápida seguida de uma despedida intempestiva, o que me surpreendeu. Ele parecia relaxado e contente, até ser lembrado de que durante o tempo em que esteve confraternizando conosco, ela permanecia em coma. Percebi que Shawn continuava se culpando pelo acidente. Devia se martirizar a todo momento, lembrando-se que, enquanto fazia amor comigo e dormia ao meu lado, sua ‘noiva’ estava inconformada dentro de um carro, provavelmente indo atrás dele. O pior de tudo era que uma pequena parte do meu ser também achava que uma parcela dessa culpa pertencia a mim, mesmo aquilo sendo incoerente, afinal, não poderia me culpar por ter me apaixonado por Shawn ainda tão nova. Algumas vezes desejava que ele fosse aquele tipo de homem bem cafajeste, que não se importava com moral e muito menos com sentimentos alheios, mas daí me lembrava que era exatamente por ele não ser assim, que eu permanecia apaixonada por todos esses anos.

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