Capitulo 43

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O dia do aniversário amanheceu ensolarado e com um céu tão azul quanto os olhos de Shawn. Rezei para que fosse um sinal de que as coisas dariam certo e de que meu pai aceitaria com alegria a notícia que receberia no final do dia, afinal, era uma data feliz em nossa família, onde iríamos encontrar amigos e familiares para festejar mais um ano de vida do meu pai e a última coisa que queria era transformar tudo em um desastre. No dia em que falei com mamãe a respeito, ela também concordou que o aniversário seria uma ótima chance para contar a novidade, já que ele estaria feliz por estar rodeado de amigos e familiares. Falei a ela sobre o comentário que ele havia feito a respeito de seu genro e ela também ficou desconfiada de que ele já soubesse de alguma coisa. Se isso fosse mesmo verdade, poderia ser mais fácil do que imaginávamos. Karen, que havia chegado no dia anterior, também achava que tinha passado da hora de falarmos com papai, ela estava louca para me chamar de nora na frente de quem bem entendesse.
— Você arrasou de novo — disse ela ao entrar no salão. Sorri em agradecimento. Eu tinha optado por decorar o local onde o bolo ficaria com balões pretos e dourados, também encomendei arranjos de flores naturais para as mesas, nada muito ostentoso, pois meu pai era simples, mas o resultado tinha ficado fantástico.
— Que bom que chegou, Karen, já é quase meio-dia e quero ir me arrumar, mas não queria deixar o salão sozinho.
— Pode ir tranquila e não se preocupe, Elise já está vindo, assim como Maria, que chegou há poucos minutos. Tanto ela quanto eu podemos auxiliar sua mãe caso precise de alguma coisa. Ah, aí estão eles. Olhei para trás e vi meus pais entrando no salão, acompanhados de Maria.
— Eu adorei a decoração, filha, a mesa do bolo está uma beleza — mamãe disse, afastando-se para que papai me desse um abraço de urso.
— Sim, está lindo demais, muito obrigado, Camila. Agora vá se arrumar que cuidamos do resto.
— Ótimo, então eu já volto — falei e deixei os quatro lá, estava louca por um banho. Como já tinha deixado minha roupa separada e não iria fazer uma maquiagem muito elaborada, em poucos minutos estava arrumada. Escolhi uma calça cigarrete estampada, uma regata de seda branca e anabelas turquesa, que combinavam com a estampa da calça. Escovei meus cabelos para que ficassem bem lisos, mas com as pontas modeladas e fiz um rabo de cavalo. Queria estar linda, porém, sem exageros, afinal, era um churrasco que provavelmente só acabaria à noite e não queria me preocupar se minha saia estava curta demais ou se o cabelo estava bagunçado. Quando voltei para o salão, Shawn já estava lá, lindo como sempre. Percebi que ele quase andou na minha direção para me receber, até ver que papai estava fazendo o mesmo e parou onde estava, me lançando um olhar meio sentido. Ele não aguentava mais aquela situação. Papai, eufórico, me pegou pela mão e levou de mesa em mesa. Além de me exibir, ele queria atribuir a mim, a organização de sua festa. Enquanto o acompanhava, vi, com certa incredulidade, que o Sr. Luiz havia sido mais uma vez convidado e a minha suspeita de que estivesse rolando alguma coisa entre ele e Karen aumentou ainda mais. Na hora em que tivesse um tempinho, iria colocar minha querida sogra contra a parede e fazê-la me contar exatamente o que estava acontecendo.
— Sua bunda ficou maravilhosa nessa calça — Shawn falou baixinho, logo atrás de mim, minutos depois, aproveitando que papai havia desgrudado.
— Linda ela vai ficar com seu pau todinho dentro dela — sussurrei de volta, sem olhar para ele. Ouvi um rugido antes de eledar uma risada e resmungar:
— Safada gostosa...
— E sua — completei, virando-me para ele, que tinha os olhos escuros de desejo. Antes que Shawn pudesse falar ou fazer mais alguma coisa, Rafaela e Davi passaram pela porta de entrada e interromperam nossa troca de safadezas. Não nos encontrávamos desde que saímos para jantar, quando cheguei de Singapura e estava com saudades da minha amiga. Ela ainda não sabia o que a Fernanda havia feito e não tinha certeza de que iria contar, Rafa era estourada e poderia fazer alguma besteira se aquela bruxa aparecesse na sua frente. Nós quatro procuramos por uma mesa vazia no deck e por lá ficamos, conversando e analisando a interação dos convidados de meu pai. A dupla que Davi contratou já estava cantando e depois do almoço, alguns casais mais animados, ou já um pouco altos, começaram a dançar. Aquele clima familiar e harmonioso me deixou com o coração cheio de alegria. Papai e mamãe sorriam parecendo extremamente felizes e fiquei orgulhosa por fazer parte daquele momento. No meio da tarde, quando já estávamos na nossa segunda rodada de carne, vi Rafa arregalar os olhos e apontar:
— Camila, o que ela está fazendo aqui? Meu Deus, aquilo nas mãos dela é sangue? Olhei em direção à porta e fiquei embasbacada quando me dei conta do que minha amiga estava falando. Fernanda estava lá, com a roupa toda suja e as mãos vermelhas de sangue. Era a cena mais horrorosa que já tinha visto em minha vida. Ela passava os olhos de forma frenética pelo salão, como se estivesse desorientada, mas então, um sorriso diabólico se desenhou em sua boca, quando avistou meu pai mais ao lado, conversando com alguns amigos, completamente alheio a ela. Nessa hora consegui acordar do transe em que eu própria me encontrava e falei, com certo desespero:
— Tire-a daqui, Shawn, pelo amor de Deus. Ele também parecia em choque com a cena, assim como todos que a viram, mas antes que pudesse se levantar, Fernanda correu em direção ao meu pai. Ela tinha colocado as mãos para trás, mas era impossível esconder a situação de suas roupas. Shawn finalmente se levantou e caminhou com pressa entre as pessoas para chegar a tempo de tirar Fernanda dali, antes que ela falasse qualquer coisa. Mas a verdade era que ela já estava falando, só que eu não conseguia ouvir, porque a música continuou rolando, o que foi bom, pois muitas pessoas permaneceram distraídas e não viam o que estava acontecendo. Graças a Deus, Karen estava lá e parecia tentar acalmá-la. Levantei-me também e me aproximei deles, com Rafa segurando meu braço. Enquanto isso, Shawn estava tentando convencê-la a sair, sem causar muito estardalhaço. Então, vi os guardas da guarita passarem pela porta. Pela cara assustada dos dois, ela devia ter pulado o muro, somente isso explicaria todos aqueles cortes e arranhões.
— Não, Shawn, me larga, eu preciso falar com ele... — ela implorou, debatendo- se para tentar se desvencilhar e acabou caindo ajoelhada no chão. Quando olhei para o meu pai, ele estava com o rosto vermelho e as têmporas suadas. Mamãe se mantinha a seu lado, mas eu temia que mesmo sem Fernanda falar nada, algo acontecesse, ele não parecia nada bem.
— Deixe-a falar, Shawn. O que houve, minha filha? — papai questionou e a levantou do chão.
— Eu estou desesperada, Alejandro, enlouquecendo, e tudo por culpa da sua filha, que roubou meu namorado. Todos que estavam presenciando aquela cena voltaram seus olhares para mim, inclusive meu pai. De minha parte, apenas balancei a cabeça de um lado para o outro, em uma tentativa falha de me eximir daquelas acusações.
— Foi por causa de Julia que Shawn rompeu o noivado. Ele não quer mais saber de mim, porque está dormindo com ela. — Nessa hora, ela agarrou as mãos do meu pai que também ficaram manchadas de sangue.
— Basta, Fernanda — Shawn demandou, dessa vez mais alto e a pegou com um pouco mais de força pelo braço. Davi havia se juntado a ele e os dois praticamente a arrastaram de lá, uma vez que não havia mais nenhuma necessidade de tentar amenizar a situação, já que até a música havia cessado e todos os convidados estavam reunidos ao redor deles. Meus olhos, cheios de lágrimas, acompanhavam os três enquanto seguiam para fora, com Fernanda ainda se debatendo como uma louca. Foi então que escutei o grito de minha mãe:
— Alejandro! Oh, meu Deus, Alejandro! Quando me virei, vi-a segurando meu pai que tinha a mão em cima do peito.
— Pai — murmurei, sem conseguir acreditar que tudo o que tentamos evitar estava acontecendo. Rafa apertou ainda mais meu braço, procurando transmitir um conforto que seria impossível sentir no momento.
— Carlos — mamãe chamou, desesperada e ao mesmo tempo esperançosa —, ajude aqui, pelo amor de Deus!
— Eu cuido dele, Elise. Chamem uma ambulância — o senhor falou, com a voz calma e serena, enquanto ajudava meu pai a se deitar no chão. Carlos Lessa era um cardiologista aposentado e grande amigo de papai. Ele começou a prestar os primeiros socorros, enquanto alguém, não saberia dizer quem, chamava a ambulância. Karen abraçou mamãe que, apesar de nervosa, não havia chorado, apenas observava atentamente o marido. Já eu, não conseguia ter nenhuma reação; o dia que havia começado lindo e auspicioso, tinha virado uma tragédia. Os próximos minutos foram cheios de tensão, cochichos e olhares, de pena para meus pais e acusadores para mim, a destruidora de lares. Mas nada disso importava naquele momento, o que interessava era que meu pai ficasse bem. Por isso, só consegui respirar quando escutei o barulho de sirenes. Nessa hora consegui me mexer e me aproximei de mamãe que me abraçou apertado.
— A culpa é minha, mãe — falei chorando em seu ombro, enquanto os paramédicos colocavam papai na ambulância.
— Não se culpe, filha, ele vai ficar bem, pense positivo. Te vejo no hospital — falou, depois de enxugar as lágrimas que teimavam em cair dos meus olhos e entrou atrás do marido. Eu não tinha a menor condição de dirigir, então aceitei prontamente quando Davi, que já havia voltado há muito tempo, se ofereceu para me levar ao hospital. O trajeto todo foi preenchido pelo meu choro contido e sentimento de culpa. Karen foi no banco de trás comigo, tentando me acalmar, mas nenhum consolo era suficiente naquele momento. Se acontecesse qualquer coisa com papai, eu jamais iria me perdoar. Quando chegamos a recepção, mamãe estava sentada bem no cantinho do sofá, com olhar totalmente perdido. Sentei-me ao lado dela enquanto Rafa e Davi foram ver se conseguiam alguma informação, mas a única coisa que lhes disseram foi que meu pai tinha sido levado para a ala cardiológica e que apenas quando os médicos terminassem o atendimento inicial, é que conseguiríamos obter alguma notícia.
— Me perdoe, mamãe — falei enquanto a abraçava.
— Pare de se culpar, querida. Ela nunca iria admitir, mas eu sabia que a culpa era toda minha.
— Se eu tivesse falado antes, nada disso...
— A culpa não foi sua, Camila e sim daquela desgraçada. Como uma médica teve coragem de fazer algo assim! Ah, se a senhora soubesse do que aquela louca é capaz, pensei, mas não externei, não tinha ideia do que mamãe faria se soubesse o que havia acontecido comigo. Ficamos
abraçadas em silêncio, uma tentando amenizar a dor da outra. O pior era que naquele momento, nada fazia sentido. Será que tudo aquilo valia a pena, apenas para viver um grande amor? Será que conseguiria ser feliz com o coração pesado de culpa? Eu achava que não.
— Desculpem a demora — Shawn falou, entrando na recepção. Ao olhar para ele, vi que havia resquícios de sangue em algumas partes da manga de sua camisa. Sangue de Fernanda, aquela maldita.
— Estamos aguardando por notícias — Karen explicou enquanto ele se sentava ao meu lado.
— Vai ficar tudo bem — falou, dando um beijo em minha têmpora, mas na verdade, ninguém poderia garantir isso. E mesmo que ficasse, não dava para saber se papai iria aceitar nosso namoro, e não estava me importando. Tudo o que eu queria era que ele ficasse bem, mesmo que isso significasse ter que renunciar a Shawn. Sem aguentar permanecer sentada esperando por notícias, levantei-me e fui até a capela que ficava no final do corredor. O lugar era pequeno, com apenas alguns bancos e algumas imagens de santos, já que o hospital fora fundado por uma família cristã. Ajoelhei-me em frente à imagem de Jesus crucificado e orei com todo o fervor que havia em meu coração, assim como no dia em que pedi a Deus que Shawn ficasse comigo, mas agora pedindo pela vida do meu pai. Nessas horas de sofrimento é que realmente damos valor as pessoas, não que eu não valorizasse meus pais, sempre os amei incondicionalmente, mas a situação deixava os sentimentos à flor da pele e era impossível não pensar no pior. Após orar por vários minutos, voltei à recepção e abracei minha mãe novamente. Cerca de vinte minutos depois, um médico apareceu e todos nos levantamos, cada um mais aflito que o outro. Pela forma como falou, foi ele quem atendeu meu pai na emergência.
— O Sr. Alejandro teve um princípio de enfarto, mas como foi atendido rapidamente, o problema não evoluiu.
— E como ele está, doutor? — mamãe perguntou.
— Está bem, mas deve ficar em observação pelo resto da noite. Amanhã repetiremos os exames e se estiver tudo normal, já poderá ir para casa. Mas tem uma coisa. Eu já conversei com ele e vou falar agora com vocês. Se o Sr. Alejandro não diminuir o consumo de carne, carboidrato, álcool e não começar a se exercitar diariamente, algo pior pode acontecer. Então, fiquem de olho nele. Todos assentimos e quando médico se foi, não aguentei e caí no choro. Havia orado tanto para receber essa notícia que o alívio me fez desabar.
— Eu disse que ficaria tudo bem, querida — mamãe falou, me abraçando e também chorando, sentindo o mesmo alívio.
— Agora vá para casa, eu ligo quando o médico der alta — ela pediu, mas eu jamais a deixaria sozinha ali.
— Eu vou ficar aqui, mas todos vocês podem ir, eu ligo se acontecer alguma coisa — falei, dirigindo-me aos outros. Mesmo relutantes, Rafa e Davi foram embora, mas Shawn fez questão de passar a noite no hospital conosco, assim como Karen. Adormeci encostada ao ombro de Shawn e quando acordei, estava apoiada em minha mãe. Já era de manhã e a primeira coisa que vi foi que Shawn conversava com o médico do dia anterior. Aproximei-me na hora em que ele falava que as visitas estavam liberadas, mas tinham que ser breves. Então ele reafirmou que se os exames voltassem normais, papai receberia alta antes do almoço. Eu, claro, estava ansiosa para vê-lo, só que ainda temia por sua reação, não sabia como ele tinha absorvido todas aquelas palavras de ódio proferidas por Fernanda, mas naquele momento não havia o que fazer, eu teria que enfrentar meu pai.

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