Capítulo 4 - Cristopher

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O dia parecia que da mesma forma que começou terminaria, ou seja, péssimo. Eu estava estressado, cada candidata a secretária que entrava pela minha porta estava me deixando irritado.
Será que o Ricardo não analisava a merda dos currículos?
Após a sétima candidata ir embora da minha sala, eu já estava esgotado. Passo as mãos no rosto e encosto na cadeira. Olho pela janela e volto a mim quando ouço o Ricardo entrar. Só ele entrava sem bater.

_Por que essa cara? Parece que não dormiu essa noite. - Reviro os olhos e me viro para ele

_Cara de quem está cansado da sua incompetência. Você não lê os currículos? Porque até agora só entraram acéfalas aqui.

_Calma, ainda falta a última. - Dá um risinho cínico - E é a última, mais ninguém enviou nada.

_Espero que não seja mais uma incompetente, porquê eu já estou exausto.

_Você precisa urgentemente de uma secretária, então pare com esses critérios desnecessários. - Começo a beber água

Eu iria precisar me hidratar depois de gastar energia com tanta gente inútil.

Estava acabando de beber outro copo d'água quando ouço batidas na porta, imediatamente peço que entre, e ouço uma voz suave.
Assim que me viro, eu fico paralisado.
Isso é uma pegadinha, não é?!
Aquela moça que há dias atrás se jogou na frente do meu carro estava parada na minha frente, me olhando como se fosse do mesmo nível que eu. Paro de beber o restante da água e começo a analisá-la. Estava com roupas simples, que para ela deveria ser luxo. Os seus cabelos estavam soltos e nada de maquiagem. Usava um tênis, até que limpos, segurava uma bolsa firmemente e parecia estar receosa.
Deveria estar se recordando de mim.
Mas onde diabos o Ricardo estava com a cabeça para selecionar o currículo dela?
Ele sabe muito bem que é regra que nenhum negro ou negra será admitido aqui.
Percebo o clima na sala e me apresso em dispensá-la.

_Não haverá entrevista. - Não iria esticar assunto com ela, então fui logo ao ponto

Ela me olha surpresa e que audácia!
Quem ela pensa que é para me olhar nos olhos?

_Aconteceu alguma coisa?

_Você não será contratada. Então saia. - Me sento e ela se aproxima da mesa que nos separava

_Me desculpe. Eu não tenho experiência, mas o senhor não deveria me fazer algumas perguntas e se não gostar, me dispensar?

Essa garota só podia estar me testando. Eu ainda mato o Ricardo por essas e outras.

_Não. Eu sou o dono deste escritório e decido muito bem quem irá e quem não irá trabalhar aqui. E você não irá. - Encaro seus olhos claros demonstrando insatisfação com a sua insistência.

_Eu poderia saber o motivo pelo qual o senhor me dispensa assim? - Sua expressão era tímida, quase tremia a voz mas se mantém firme

A encaro novamente, e com a maior naturalidade explico a ela.

_Porque você é negra! - Seu rosto ganha um tom de surpresa - Eu não admito pessoas da sua cor em meu escritório. Não sei como conseguiu chegar neste andar, mas eu tratarei de demitir os incompetentes que cometeram esse erro.

Ela abaixa o olhar e em seguida passa as mãos no rosto, mas não estava derramando lágrima alguma.

_Eu não suporto sequer estar perto de um, essa sua cor me causa náuseas. - Saio de trás da mesa e fui para atrás dela - Eu acho que sequer deveria existir pessoas assim, porquê nem para me servir vocês são úteis. Sujariam o que tocassem com essa pele suja.

Quanto mais rápido ela entendesse e fosse embora melhor, para ambos por sinal.
Ela me olha nos olhos, mas havia algo diferente em sua expressão.

_Você é tão medíocre! - Diz , e por alguns instantes me deixa surpreso - Você acha que é superior à mim, por quê? Porque veste uma roupa cara? Porque tem um trabalho que ganha bem? Porque é estudado? Porque é branco? Você me dá pena.

_Você pensa mesmo que eu preciso da sua pena? - Falo em discordância - E por essas e outras que sim, sou muito superior a você. Sequer deveria estar trocando alguma palavra com você.

_Você não é superior a mim, é só mais um idiota que julga as pessoas por algo irrelevante. Eu não posso mudar a minha cor e não mudaria de forma alguma. Porque eu prefiro ser uma preta, pobre e com caráter do quê ser como você. - Diz sem perder a postura, com uma calma irritante

Essa garota é louca?
Ela sequer me conhecia para falar algo de mim. Mas eu a colocaria em seu devido lugar, não serei afrontando por ninguém, ainda mais uma negra.
Me aproximo dela e sem desviar o olhar, falo entre dentes com uma raiva contida.

_Saia imediatamente desta sala!

_A verdade é ruim para você!? Quer saber mais? Você tem é medo. Tem medo de que um negro o mostre que pode sim superar você, que você não é o melhor.

Eu não suportaria mais ouvir uma palavra dessa abusada. A encaro por alguns minutos, até tomar iniciativa. Em momento nenhum ela se retrai e eu odiei isso.

_Está contratada! - Me surpreendo com minhas próprias palavras - Esteja aqui todos os dias úteis às 7:00 e eu não tolero atrasos.

_Você não irá se arrepender.

_Eu não, mas você sim. - E isso era uma promessa - Mas saiba que não tolerarei também falta de respeito, tanto comigo quanto com os outros acionistas. Eu sei como o seu pessoal é desrespeitoso.

_Eu também não irei tolerar falta de respeito.

_Aqui quem manda sou eu, quem dá as ordens sou eu. Então não me venha com exigências, porquê aí você já está querendo demais. - Sento em minha cadeira

Ouço o seu longo suspiro e bufo ao ter me sujeitado a esse capricho.

_Para começo de conversa, é Senhor Magalhães. O seu trabalho é anotar tudo na minha agenda, reuniões, recados, qualquer coisa importante. Em dias de reuniões deve levar café ou água. E de vez em quando algo para mim também. - Ela ouvia atentamente - Tem experiência?

Ai que retórico!

_Não. Esse é o meu primeiro emprego em algo assim.

_Li o seu currículo rapidamente no tablet. É de Minas Gerais, tem vinte quatro anos... - Faço uma pausa - Tem filhos?

_Não, senhor.

_Isso é algo surpreendente. Geralmente a raça de vocês se reproduzem como rãs. - Pude ver o seu olhar se direcionar à mim com raiva

_Eu não colocaria um filho no mundo se não tivesse a capacidade de educá-lo.

_Espero que se lembre que agora a senhorita trabalha para mim e que um "a" a mais estará no olho da rua. E isso será um prazer para mim. - Eu deixaria claro o quanto sua presença era indesejável

_Obrigada pela chance, Senhor Magalhães. Pode ter certeza de que não jogarei fora essa oportunidade por pouca coisa.

_Ótimo, agora pode ir. Eu realmente tenho mais o que fazer. - Nos olhamos e ela acena com um risinho contido

_Até amanhã, senhor.

E eu pude soltar o ar que não sabia estar segurando. Se ela pensa que eu irei facilitar, está redondamente enganada. Eu a farei se arrepender por ter colocado os pés aqui. Ela não era ninguém e eu farei questão de mostrá-la como se pisa em uma barata.
Me levanto para beber água e quando me lembro de suas palavras, sinto raiva. Jogo o copo na parede e ele se quebra. Ouço a porta se abrir e quase acerto um soco no rosto do meu amigo.
A culpa era dele, era toda dele.

_Houve algum abalo sísmico aqui para fazer isso com o copo? - O olho de soslaio e me sento na minha cadeira novamente

_Você conseguiu, eu contratei a garota negra.

Observo o seu sorriso sutil, era coisa dele, eu sabia.
Eu só não entendia seu intuito.
O meu dia começou horrível e terminou pior ainda. Mas eu estava confiante em mim mesmo. Eu tornaria os dias dela tenebrosos a ponto dela desistir em menos de três dias. Ela iria conhecer o Cristopher Magalhães e iria se arrepender de ter cruzado comigo.

O outro lado do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora