Pararem de sofrer

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CAVEIRA


Levei a pequena pro hospital e chegando lá passei quase o restante do dia e metade da noite.


Estava lotado de bacuri tudo chorando. Julinha só amuada na dela e antes de ser atendida, vomitou quase um rio.

O médico disse que era virose e falou também que ela ficou desidratada. Passou uns remédios, recomendou que eu não levasse ela pra escola e no final disse que a gente podia ir.

— Até parece que eu ia te mandar pra escola assim — Ela nem ficou feliz, na moral senti com uma dó da porra.

Coloquei ela na cadeirinha e fechei os vidros, liguei o ar do carro e fui em direção ao morro. No caminho comprei os remédios e uma água de coco que ela gosta.

Já em casa, dei banho na Júlia e a gente jantou uma sopa que a Beth tinha deixado antes de ir embora.

Dei os remédios e a água de coco. Subi as escadas com ela no colo, já mais animada e fui pro meu quarto.

— Vai dormir comigo hoje, tá ? —


— Ebaaaa — Sorriu me abraçando. Deixei ela na cama. — Pai...trás o Robson ? —


— Aquele bicho feio não vai dormir na minha cama não — Ela riu e fez bico. — Vou lá pegar — Dei o controle pra ela. — Escolhe alguma coisa aí —


Busquei aquele elefante feio da porra e dei pra ela.

Deitei na cama e Júlia me abraçou. Como sempre fui dando uns tapinhas na perna dela pra mesma pegar no sono, fiz isso até ver que ela tinha apagado de vez e levantei a cobrindo só com um lençol.


Tomei um banho e fumei um cigarro branco na área, com a porta fechada pro cheiro não ir pro quarto.

Quando terminei, fui na cozinha, comi um pedaço de bolo e subi outra vez, levando água numa garrafinha rosa e os remédios da Júlia.

Deitei e olhei se a baixinha ainda tava com febre e graças a Deus, não estava.
Abracei ela e demorou um pouco, mas acabei dormindo também.




BERENICE

Fui alguns dias dessa semana ficar com o estúpido do Caveira e nas três vezes ele não teve o mínimo de cuidado, acabou pegando no meu braço machucado me fazendo sentir dor e na hora H, como sempre, bem foda-se pra mim, me deixando até roxa.

Sai da padaria no horário e voltei pra casa, entrei pela porta da cozinha e tomei um copo de água, minha boca ultimamente vivia ressecada.


Avisei minha mãe que eu já tinha chegado e fui tomar um banho.

Essa foi a primeira semana dela sem a quimioterapia. Nós fomos na última sexta feira falar com o médico e ele avisou claramente oque aconteceria.

Minha mãe aceitou tranquila, e eu pedi então para que ela continuasse tomando pelo menos alguns remédios em casa, pra não sentir tanta dor, ela aceitou e o médico renovou a receita.

Durante a semana ela tossiu mais que o normal, e secamente, isso estava me preocupando demais.

Olhei o chão sentindo a água quente cair no meu corpo, apoiei a cabeça no azulejo frio e suspirei.


— Me ajuda, Deus ! — Supliquei baixinho sentindo meu coração doer.


Ao sair do banho me olhei no espelho enquanto me secava, algumas marcas espalhadas, pelo grande cuidado do babaca.

Não sei oque, mas algo mudou em meu corpo nos últimos dias. Um enjoo me rondou e eu me vesti rápido.


Desci as escadas e fiz um pouco de café, desde quarta feira eu vinha sentindo essa merda. Todas as vezes que fico muito tempo sem comer eu acabo ficando assim.

Levei café pra minha mãe e voltei pra cozinha, me sentei tomando o café enquanto olhava algumas faculdades próximas e quais cursos elas ofereciam.

Levantei um tempo depois e comecei a fazer comida. Cortei carne, temperei enquanto dava uma leve fritada e coloquei pra cozinhar, enquanto isso, fiz arroz e feijão.
Cortei batata pra por na carne depois e fiz uma salada de repolho com tomate, cebola e maionese. Dona Vânia ama.

Fui tirar o lixo da pia e olhei o saco em que o restos de carne estavam, o mesmo tinha sangue, aquilo me fez lembrar de algo instantaneamente.


— Puta que pariu !! —


Relacionei aquele sangue todo, com menstruação e acabei me lembrando que a minha está pra lá de atrasada.

Me olhei no reflexo da janela, o medo tomou conta do meu corpo. Tomei um copo de água quase morrendo do coração e resolvi me acalmar, o Caveira e eu nunca deixamos de usar camisinha, então não tinha possibilidade de estar grávida.

Revirei os olhos brava comigo mesma por causa das minhas constantes preocupações.


— Retardada mesmo —


Tirei o lixo e levei lá pra fora. Voltei terminando a comida e minha mãe desceu. Comemos e ela foi dormir.

Limpei a cozinha e fui me deitar.


Acordei na manhã do sábado com muita dor de cabeça e enjoo. Dei risada.

— Agora pronto, vai ficar essa palhaçada só porque eu já tô grilada — Me arrumei pro curso e desci as escadas. Fiz café da manhã e levei pra minha mãe, antes dela comer eu ajudei com o banho e uma fralda limpa.

— Mãe, me diz que essa semana a senhora volta pra quimio ? —


— Se é pra começar, pode sair — Bufou olhando a parede.


— Mãe, a senhora vai se matar e tá me pedindo pra deixar isso acontecer, pra ver e não fazer nada —


— Eu não estou pedindo nada, eu já fiz e...— Tossiu. — E pronto. Agora vai pro seu curso logo —


Assim que deu minha hora, eu sai.


As onze fui liberada e voltei pro morro, passei na farmácia comprei os remédios da minha mãe que estavam acabando e comprei também alguns remédios pra dor de cabeça.

Falei dos enjoos pra farmacêutica, a Renatinha, filha da dona Maria. Ela me olhou por alguns segundos.


— Bere, não quer levar um teste ? —


Sorri nervosa.


— Não precisa, eu sempre uso camisinha, Rê. Você mesmo já me disse que o babaca vem direto comprar —


— Tá bom então, se precisar passa aqui.
Qualquer coisa....— Se abaixou pegando dois testes. — Pede esses, tá bom ? São os melhores —


— Tá bom, amor — Fui pro caixa e de lá olhei os testes em cima do balcão, mordi a boca. — Já volto ! — Falei pro moço do caixa e corri pro balcão. — Rê, tô levantando ! —

Peguei as duas caixinhas e corri outra vez pro caixa sem ouvir respostas.


Cortei caminho pelas vielas e cheguei mais rápido em casa. Abri a porta e fui direto pro meu quarto, escondi os testes e me troquei.

Desci apenas com os remédios da minha mãe e guardei, prendi o cabelo e comecei a arrumar e faxinar a casa ao som de Xamã.

Fui até o quarto da dona teimosa e ela se levantou para que eu pudesse trocar as roupas de cama.
Tirei o pó de tudo e limpei por fim o chão.


— Você não cansa de cuidar de mim, sei que as vezes acabo sendo grossa com você. Mas esse câncer já levou minha vitalidade, eu não aguento mais, sei que você vai ter um bom futuro. Minha menina sempre foi muito inteligente e nunca fez mal a ninguém, merece muito ser feliz. Sinto que por mim você se priva de muita coisa.
Nada mais justo que as duas pararem de sofrer —

Suspirei nem tendo coragem de responder, apenas saí do quarto sentindo meu peito doer.

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