Igreja de Aphanael

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Da cúpula da igreja de Aphanael, no distrito da Fé em Elosfouth, Albane Pascoal, o regente da Fé, tinha uma visão completa da Praça que precedia as colunas da entrada da basílica. Era cedo, poucos fiéis permeavam o vasto pátio. Certamente ainda não era para erguer preces, pois, naquele dia, os portões ainda estavam fechados.

Os passos do regente, saindo de seus aposentos, ecoavam no salão que circundava a cúpula. Ainda vestido para sua intimidade, a Fé percorria o longo corredor refletindo sua batina marrom no ilustrado piso de mosaicos, a seus pés. Enquanto percorria os olhos nas vidraças abertas para entrada de ar, viu ao longe duas carruagens reais se aproximando, inconfundivelmente apostou que já eram os outros Elos. À frente da comitiva dois porta-bandeiras e dois lanceiros brilhavam em suas armaduras reluzentes. Saltitando aos galopes dos brancos cavalos, que pareciam ter a vaidade aflorada pelas faixas de tecido abotoadas em suas celas, rastejando até o chão.

Pascoal cerrou os olhos tentando ter uma melhor resolução da imagem à distância. Mas não conseguiu ver mais que isso, só o suficiente para saber que todo o alvoroço para cruzar o distrito, certamente seria um dos Elos a caminho.

— Hum, chegaram mais cedo do que eu esperava — disse, olhando para sua veste simples.

— Considerando que deverão atravessar o átrio a pé, subir os trezentos e quarenta e seis degraus até mim, creio que tenho tempo suficiente para meu desjejum — pensou, apressando o passo na tentativa de ganhar alguns segundos.

Ao entrar no salão de refeições, cinco servas da Fé o aguardavam em pé. Enfileiradas na extremidade do salão, todas vestidas de hábitos brancos, com um cordão dourado e um pingente redondo, com a divisa dos quatros anjos. Entrou na sala sacudindo a mão em direção às servas. — Sirvam-me! Tenho pressa — disse.

As servas, então, avançaram sobre a mesa posta. Desfazendo os pratos que expunham uma refeição da manhã, talvez suficiente para um navio de viajantes saciar a fome do dia, pareciam já haver decorado o que o regente de sua fé escolheria comer, a partir do humor do seu cumprimento.

Pascoal sentou-se na mesma poltrona que sempre escolhia todas as manhãs. A mesa comportava mais de vinte pessoas, mas ele gostava de sempre fazer sua refeição sozinho:

"— Alinhar os pensamentos" — dizia a si mesmo. Posicionou o guardanapo no colo para o proteger de migalhas, pegou a taça da direita com certa pressa, e seu grande anel colidiu com a taça de cristal. Fazendo um som como se houvesse defendido um ataque de espada, molhou os lábios, retornou a taça, pegou os talheres conduzindo pequenos cortes de sua refeição à boca. Enquanto comia, levantou os olhos ao afresco pintado na abóbada do salão. O anjo da provisão estampava todo o teto. Na pintura, um anjo estendia os braços para baixo e das suas mãos saía uma luz em direção aos plebeus que oravam por sustento. Pascoal desceu o olhar sobre os candelabros às esquinas da sala, e com um dos garfos apontou a um deles que estava com a vela apagada, e fez apenas um som com a boca fechada.

— Hum.

Uma das servas, rapidamente se dirigiu à vela e a acendeu, encabulada.

— Que os anjos perdoem minha negligência — disse, retornando ao seu lugar, abaixando a cabeça em reverência.

— Que os anjos também não te deixem no escuro —respondeu, tomando agora um gole maior da taça à esquerda.

Levantou-se, secando os lábios com o guardanapo e o soltou sobre a mesa.

— Os anjos são gratos à vossas vidas — disse, de forma automática, andando em direção ao caminho de onde viera.

— Somos gratas à doação de nossas vidas — responderam as servas, em coro.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora