O Monge e o Minguante

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O monge Jacinto desceu da carruagem com tensão em suas pernas. Não tremia, mas sentia a anestesia da adrenalina proporcionada ao ver os oito corpos mutilados no chão. Pedaços das, outrora, armaduras reluzentes, cobertas de sangue, preenchidas com pedaços humanos. Olhou para o lado e viu o minguante limpando o sangue espirrado em seu corpo, com uma das capas de seda de um soldado.

Jacinto andou até as carruagens angelicais, desviando da bagunça em que aquele lugar se transformou tão rapidamente. Para ele, era estranho encarar os membros soltos entre terra e capim. Era como se os corpos tivessem perdido a humanidade. Contudo, o que mais o espantou, foi a facilidade de Anroff para derrotar os oito soldados.

Escolhendo o caminho mais limpo, se conduzindo nas pontas dos pés, Jacinto abriu a primeira carruagem e teve um grande espanto. Uma sacerdotisa angelical tentava passar despercebida no canto contrário à porta aberta.

— Por favor, sou só uma estudiosa — disse ela, quase sussurrando, se espremendo no interior da carruagem. O monge, rapidamente levou os olhos ao medalhão que ela carregava pendurado no peito. Uma avalanche de lembranças avançou em sua mente, era o mesmo medalhão que garantiu a segurança dele, em todos esses anos, em sua peregrinação.

Jacinto hesitou e congelou por um instante. Olhou para o lado e viu que o minguante ainda estava ocupado, agora rasgando o tecido com sua adaga e amarrando em sua cintura, improvisando uma tanga para cobrir a nudez, visto que suas vestes foram rasgadas na transformação. O monge retornou os olhos à sacerdotisa e elevou o dedo indicador aos lábios, fazendo um sinal de silêncio. Fechou a porta rapidamente e andou até o compartimento de carga atrás da carruagem.

— Anroff, suprimentos! — gritou, arrastando por uma das alças, um grande baú de madeira e couro curado, com acabamento em pedras claras e um grande brasão dos quatros Elos, no centro de sua tampa.

O baú fez um estrondo quando Jacinto puxou por uma alça, até que saísse da base na carruagem, indo direto ao chão, ele queria afastá-lo o máximo possível, da carruagem.

"— Anroff não pode ver a sacerdotisa, ele a mataria e profanaria o medalhão. " ¬— pensou o monge.

— Eu o ajudo com isso — disse Anroff, vindo em sua direção. — Veja se há algo mais na outra carruagem — disse, pegando o baú pelas duas alças e levando até sua carroça.

O monge se viu em um pequeno dilema. Sentindo que estaria de certa forma, não sendo leal ao minguante. Pensou em tudo o que aprendeu no monastério e no quanto o medalhão significava para ele. Pensou, até mesmo, em retirar o medalhão da sacerdotisa, o que facilitaria a viagem, mas só em pensar nisso já se sentia amaldiçoado.

— A segunda carruagem é uma espécie de jaula! — gritou Jacinto.

— Venha monge, não precisaremos de muito, a floresta se aproxima, teremos que deixar as carroças logo — disse Anroff, já subindo na carroça. Jacinto parecia conversar consigo mesmo em murmúrios, mordia o lábio inferior, ao ponto de Anroff perceber a inquietação.

O monge pegou uma das espadas no chão, de mau jeito, pois não tinha habilidade para manipular lâminas. Andou em direção ao minguante e ficou do lado do assento da carruagem. Respirou fundo e então elevou o rosto ao minguante, que o encarava com um semblante confuso.

— Tem uma sacerdotisa da Fé, na carruagem — disse, apontando com a ponta da lâmina em direção aonde ela estava.

— Ela carrega um medalhão do monastério. Eu queria protegê-la por isso, mas não seria fiel a você. Por isso me vi num dilema, matá-la, pra minha cultura, é amaldiçoar a nós mesmos, eu não conheço uma só história de alguém que profanou o acordo do medalhão, mas faça o que seu instinto ordenar.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora