Cicatriz do Deserto

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Dário estava sentado na extremidade mais próxima do cocheiro da carruagem cedido pelo seu Pai, o Barão Leonard de Cravo e Rosa. Essa era uma das carruagens usadas pelo Barão, que removeu toda a tapeçaria, adornos luxuosos e qualquer apetrecho luminoso que poderia chamar a atenção de ladrões nas estradas. A carruagem então foi reformada e reposicionada com madeiras rústicas, sem acabamento e bem reforçada com metal cozido. As únicas coisas que entregavam a qualidade da carruagem, são as treliças da janela e porta, além das rodas de aço que tinham raios com curvas caracoladas, que certamente era fruto do trabalho de um bom ferreiro.

Apesar do bom estado da estrutura, a estrada fazia um balançar irregular, que poderia ser muito incômodo para longas viagens, e Dário já se incomodava desde o primeiro dia de jornada até o deserto. Dário empunhava a espada que descansava a ponta no piso da carruagem e suas mãos seguravam na guarda dos dois lados da lâmina, apoiando o peso dos ombros sobre as mãos. Sua testa suava pelo calor dos corpos somado a baixa ventilação no interior e sentia mais calor ainda pela armadura de couro que vestia. Vestimenta de combate leve, com costuras cuidadosamente bem feitas, um capuz cobria totalmente o busto, mas ele havia jogado para trás, revelando seu rosto esculturalmente bonito, com cabelos que desciam até o ombro e uma barba ralé, típica para os jovens de vinte e seis anos.

Após passar a noite na estrada, não sabia o que mais o incomodava naquela manhã, o calor, o balançar irregular da carruagem ou os risos dos dois imaturos que cochichavam a sua frente.

— Dá pra vocês pararem com isso? — soltou em um disparo.

— Parar com o que? — disse Celsius cutucando Ravih com o braço.

— Não se faça de bobo garoto, parem com essa falação, vocês dois parecem... — se interrompeu por uma autorresposta que teve. "Duas crianças" disse a si mesmo, se recusando a completar a frase.

— Que espécie de castigo foi este que meu pai me deu? —pensou Dário — Ravih, me diz uma coisa, como exatamente vamos fazer? Seja lá o que quer que estamos indo fazer...

Ravih para por um segundo e busca palavras na mente como se tentasse lembrar o que o sábio havia falado pra ele, e se levanta se equilibrando no balançar da carruagem indo até seu baú.

— Isso aqui! — disse, retirando um medalhão velho do baú — isso aqui deve nos dar abrigo e comida por um tempo, assim disse o sábio.

— É pra vender? — indagou Celsius, andando até Ravih.

— Não, não é pra vender — respondeu guardando o medalhão e fechando o baú — o ancião me disse que isso foi trazido junto a um manuscrito há muito tempo, uns cem anos eu acho.

— Cem anos? — questionou Celsius aos espantos — "ô mentira centenária", deixe de mentira que isso aí não tem cem anos.

— Você é sempre inconveniente assim? — perguntou Dário, já incomodado pelas falas de Celsius.

— E você sabe mesmo usar essa espada ou só sabe fazer pose? — respondeu com gargalhada exagerada, Ravih também riu, e Dário percebeu o motivo das graças e murmúrios dos dois. Mas escolheu se calar, virando o rosto e lançando o olhar vagamente.

A paisagem do lado de fora já havia mudado a dias, desde que saíram da região de Cravo e Rosa, o verde e floral já tinha sido substituído por arbustos secos, terras amareladas e alguns cactos espinhosos que já apareciam com mais frequência. O ar também distinguia mudança, pois o vento trazia uma sensação de areia aos pulmões.

Em uma das paradas durante a viajem, Ravih e Celsius recolhiam galhos secos de árvores para improvisar uma fogueira, eles fizeram uma pausa para passar a noite e cozer grãos e hortaliças.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora