O Brilho do Anjo da Fé

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Micha empurrava o caule de uma rosa branca que havia se soltado da esponja do arranjo de cima do jarro de porcelana. Mexia nas folhagens com delicadeza, parecendo arrumar a posição de cada flor. Centralizou o arranjo com um leve empurrão sobre o branco baú de gavetas e arrastou uma poltrona de cobre moldado posicionando-a melhor no enquadro. Com dois leves tapas no assento acolchoado, varreu qualquer impureza e só se satisfez, quando certificou que todo o cenário estava impecável. Terminado os toques de perfeição, voltou para o lado do pintor, que media a persona à frente, apurando-a com o pincel alinhado aos olhos.

— Micha, recite novamente minha agenda de hoje — ordenou Valentina Pascoal, de pé no centro do cenário, usando um deslumbrante vestido de seda, uma gargantilha de joias que pesava no pescoço, quase coberto por um cachecol de pele, tão branco e felpudo quanto o mais alvo dos coelhos. O maior destaque, porém, estava no grande anel da Fé, que reluzia na fina mão de Valentina, item com a beleza tão grande quanto o poder.

— Minha Excelência, depois de posar para pintura, vamos visitar os pobres alojados atrás do salão da justiça, seu momento de oração também está agendado, à tarde receberemos os outros Elos, que virão reportar os últimos feitos.

— Ótimo! Como está o quadro? — perguntou a qualquer um que respondesse.

— Fabuloso, será a mais bela das pinturas que já fiz na vida — respondeu o pintor com entusiasmo.

Micha conferiu o quadro, e confirmou a beleza exuberante de Valentina. A fé tinha uma pele macia e clara, rosto fino e harmônico, e tinha os cabelos castanho claro, preso em um coque por uma joia dourada.

— Esse quadro vai realçar seu brilho, sua benevolência e magnitude — lisonjeou Micha.

— Chamarei de: O brilho do anjo da fé! — colocou o pintor.

A bajulação, estimulou o sorriso de Valentina, e o fez durar a manhã inteira, até o fim da pintura.

Antes da refeição do meio do dia, a liteira de Valentina balançava pelas ruas menos privilegiadas de Elosfouth. Onde o contraste das riquezas que estava acostumada era sentido até nos ares, pois os ventos espalhavam os odores de excrementos jogados nos becos, poças de águas podres como lama de chiqueiro e sovacos e partes íntimas que ardiam e mau cheiravam, pelos dias sem serem lavados.

Dentro da liteira, a Fé se abanava, tentando amenizar a inalação do ar, mas a ventilação manual era inútil, sendo mais eficaz cobri as narinas com o leque que cheirava a frutas frescas.

Assim que a liteira parou e a porta se abriu, forçou um largo sorriso que preencheu sua face e ela pulou para fora, desconsiderando qualquer risco à higiene. Arrastou o belo vestido pelas águas sujas, enquanto era ovacionada pela multidão que corria para vê-la.

— Bendita seja! Bendita seja! — gritavam os maltrapilhos famintos, que se agachavam perante a Fé para receber as graças.

— Que a graça dos Anjos estejam convosco! — a voz de Valentina sumiu com os gritos de júbilos do povo — Servi, servi e será servido. Assim manda nossa lei. E eis que vos digo, tens servido aos anjos, tens doado aos anjos e eu ouvi o Anjo da fé dizer que está grato! Trago-vos boas novas.

Valentina falava, andando no meio da multidão que assentou ao seu redor, tentando fazer o máximo de silêncio para ouvir o anunciado.

— O tempo de fome passou, hoje trago pão e mel, trago grãos e trago leite. Afirmo que a partir de hoje, vossas barrigas estarão bem servidas. Ofereço meu auxilio, recompensa de suas devoções.

Tendo dito isso, as carruagens que a acompanhou, são abertas, e os cardeais da fé, começa a distribuição dos mantimentos que trouxeram.

— Amanhã é o dia da procissão dos Anjos. Esse ano, será um marco, pois iremos lançar nossa luz para o mundo. Vos digo que muitas riquezas virão para vós, Elosfouth está em mudança e farão parte disso.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora