A Traição de Kahagi

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Anroff estava preso em pensamentos, precisou ouvir vezes seguidas o que o pirata contava. Este que dizia de forma sincera, afirmava com todas as letras que a minguante raptada pelos elos gerações passadas não foi morta e nunca foi encontrada.

O assunto cortava-lhe o coração trazendo um peso de culpa, mágoa, ansiedade e tristeza numa sobrecarga única sobre ele, era como se estivesse fugindo de uma realidade a muito tempo e de repente ter que lhe dar com todos seus traumas de uma só vez.

— Mabrangg, viva? Como é possível? — se perguntava, sentindo o machucado de uma ferida aberta, não por espada, nem por ponta de lança, mas pelo íntimo de seu espírito. Sentia que se pudesse chorar, certamente haveria lavados os olhos de emoção.

— Você... conhecia ela, não é? Conhecia a minguante das histórias... — perguntou o pirata, sentando-se na borda do navio agarrando as cordas das velas.

— Conte-me tudo que sabe sobre isso, como ela fugiu? — Anroff se recompôs, voltando ao seu tom sereno ainda que emotivo, precisava racionalizar o que estava por ouvir. Implorou — eu preciso saber tudo o que puder me contar sobre isso.

— Ah, eu pouco sei, acredito que eu estava bêbado quando madame Gulê falava sobre isso. Bom, espere que saciamos nossa fome e nos lavarmos, vou pedir que ela te conte tudo depois.

Preciso ir ao convés inferior, quem sabe ainda tem algum barril de bebida fermentada por lá, hoje é dia de comemorar, minguante. Estamos à salvo! — Disse o pirata dando um pulo se colocando de pé e deixando Anroff à sós.

O minguante se debruçou à borda do navio encarando à distância a ilha de Pazzio, a escuridão da noite não dificultava sua visão e os olhos dele parecia procurar o túmulo de seu velho amigo, procurando na verdade a presença do espírito do monge.

— Mabrangg deve estar viva, monge — falou consigo em pensamento — consegue acreditar nisso?

Seus pensamentos se silenciaram pelo som das águas borbulhando nos mecanismos abaixo que davam tração ao navio. Havia então decidido não retornar a Pazzio, mas cruzar novamente os mares. Anroff não teve fome, ficou sozinho na cobertura das sombras, vendo as águas o levar de volta as terras conhecidas, terras que pra ele eram terras esquecidas, pois havia enterrado as memórias do massacre de seu povo na floresta com a intensão de não sofrer mais por essa dor, mas os elos que foram ali, desenterraram todas suas lembranças.

A nova embarcação daquele navio teve êxito na busca por barris de bebidas nos convés inferiores, e no tardar da noite se reuniram sentando-se ao redor do volante do navio para cantar e contar histórias para distrair a solidão da noite ao mar. A influência das bebidas amoleceu as línguas de todos e risos e gritos eufóricos vinham daquela direção.

Anroff abandonou as sombras e foi em direção da tripulação, não pelos festejos ou bebidas. Mas por considerar que se eles continuassem bebendo assim, não ia conseguir ouvir da madame Gulê as informações mais acuradas.

— Aí está, o nosso salvador! — gritou o homem, erguendo o copo que perdeu parte da bebida pelo desequilíbrio do pirata.

— Ohrooo! — Gritou, sendo seguido por um brinde de canecas levantadas que se encontraram no ar seguido do coral de vozes.

— Ohroo!

— Madame Gulê, o minguante quer ouvir uma história, venha Anroff, sente-se conosco. Ele quer saber tudo sobre a minguante das pernas quebradas.

A informação das pernas de Mabrangg fez Anroff enrugar a face. Visivelmente, todos podiam ver o incômodo do acinzentado. Este que se sentou em caixas de madeiras empilhadas do lado do volante do navio.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora