Os segredos da floresta

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Anroff e Jacinto caminhavam juntos floresta adentro, a carroça que os trouxeram ali já estava distante o suficiente para se perder das vistas do monge que, repetidamente, olhava para trás acima dos ombros. Voltando a cabeça para frente, ergueu as sobrancelhas em tom de espanto.

— A floresta é mais escura do que pensei Anroff — disse, com assombro, analisando a quantidade de árvores que se espalhavam no vasto campo à frente e anoiteciam a luz.

— Não gosta do escuro, monge? — o minguante disse, fazendo uma pausa e agachando-se enquanto colocava no chão o baú que carregava. — Sente-se, coma algo, você vai precisar de um pouco mais de energia para a travessia. Veja o que há neste baú, pressuponho que não aguenta mais minhas raízes — brincou Anroff. Jacinto agachou-se com um leve sorriso no rosto, podia sentir o quanto o minguante demonstrava afeição para com ele.

— Eu não vou mentir Anroff, talvez se você cozesse essas ervas elas seriam mais degustáveis — disse, sorrindo.

O minguante andava ao redor, passando o olho nas longas árvores que perdiam seu tronco na escuridão das folhagens, procurando por algo específico. O percurso a ser seguido seria uma longa caminhada de um sol, até alcançar a aldeia dos druidas, que se escondiam nas extremidades ao Norte e o minguante conhecia os atalhos que encurtariam esse caminho e não perderia tempo nenhum nas defesas da floresta.

Anroff se aproximou de uma árvore alta, com vários casulos fechados cobrindo todo o seu tronco. Esticou a mão e alcançou esses casulos, apalpando um a um até sentir a consistência de um fruto preencher sua mão. Tendo encontrado um que julgou servir, puxou o casulo, que estava preso, e este rasgou a casca do tronco, como o puxar de uma pele enrijecida circundando uma unha. Segurou o fruto com as duas mãos e começou a debulhar as camadas como as de uma cebola, folha a folha, até só restar algumas sementes.

— Jacinto, ainda tem estômago para minhas raízes? — perguntou, agachando-se junto ao monge.

O monge estendeu a pequena mão na grande palma aberta do minguante e, enquanto recolhia as sementes, teve um pensamento fora de si, até então não havia tocado no minguante e, tendo a ponta de seus dedos tateando a cinzenta mão de Anroff, sentiu o momento prolongar-se, por incômodo.

— Durma um pouco, podemos descansar algumas horas e teremos que andar muito a pé.

O monge não fez questão de esconder o cansaço e se encostou num tronco caído à esquerda. Sentando-se em posição de meditação, se pôs a vagar em pensamentos. Pensou sobre sua jornada e sobre a intensidade das últimas semanas. Se perguntou se encontrar sua própria cura era, de fato, o grande propósito de sua vida ou se tudo isso foi apenas seu espírito entrelaçando seu caminho até aqui. Sentia que agora fazia parte de algo maior, como o oráculo havia lhe dito e gostava de estar com o minguante. Jacinto pensou sobre todas essas coisas até ser tomado por um profundo sono, que o fez apagar num breu repentino.

***

Abrindo os olhos, aguçando a visão, não se moveu. Parecia ter só fechado os olhos por um momento. Encarou atentamente o tronco de uma árvore, coberto por musgo, e observou por um instante as formigas que, enfileiradamente, subiam pelo tronco, carregando pedaços de folhas tão verdes que se destacavam no escuro. Conduzindo a visão mais abaixo, Jacinto viu o minguante sentado numa árvore próxima a ele, com as pernas fixadas e os braços sobre o joelho, deixando as mãos descansar soltas. O monge bocejou, elevando a mão atrás do pescoço.

— Dormi muito? — perguntou.

— Algumas horas — respondeu Anroff, colocando-se de pé, como se já estivesse esperando há muito tempo. — Podemos avançar agora.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora