Travessia, Ataque a Floresta Lunar

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O cantarolar dos pássaros nas copas verdes das árvores anunciava a chegada de mais uma manhã. O Sol já estava posicionado alto o suficiente para iluminar todo o altar abandonado, coberto com os tecidos vermelho sujos de sangue, do ritual da última noite. A aldeia que emanava vida, naquele dia amanheceu esmorecida. A chegada do minguante havia despertado uma expectativa muito otimista para os druidas, mas a Lua não havia respondido a essa expectativa.

Jacinto havia acordado tão cedo quanto o Sol e, à beira do rio, esfregava os dentes com folhas de uma árvore que o minguante recomendou para a limpeza oral.

— Espero que meus dentes não fiquem verdes como os dos druidas — disse, cerrando os dentes para ver seu reflexo na água. — Bom, o dever me chama, preciso falar com Anroff — Virou-se, coçando a cabeça —, mas onde ele está? Ele despertou ainda mais cedo que eu, na verdade não sei se ele dormiu — disse para si mesmo.

Andou pelo vilarejo e gesticulava aos druidas, tentando descrever o minguante. Os druidas pareciam entendê-lo, mas não haviam visto Anroff. O monge foi até uma roda de crianças, que estavam bem menos animadas naquela manhã do que no dia anterior, e os saudou:

"— Ohro" — disse, com um sorriso simpático menos entusiasmado. As crianças o encararam, mas não esboçaram ânimos para se distraírem. Uma delas murmurou algo que Jacinto entendeu como um: "Hoje não, monge".

O monge, então, gesticulou com a mão bem acima da cabeça, desenhando com o dedo, uma lágrima no rosto, gesto que fez uma das crianças compreender o que queria, assim, ela apontou o indicador para o templo de raízes.

No templo, ele viu Anroff riscando suas adagas uma na outra, com olhos vagos, como se sua alma estivesse distante dali.

— Anroff — disse, quebrando o silêncio.

— Jacinto — respondeu Anroff, saindo de seu transe e olhando o monge com um sorriso sem graça, parecia querer dizer algo mais, mas conteve as palavras.

— Eu, estive te procurando, tem algo que eu queria falar com você.

— Monge, você acha que eu trouxe engano para meu povo? — disparou Anroff, em desabafo, evidenciando descontentamento.

— Do que você está falando? Você trouxe esperança.

— E a esperança trouxe angústia.

O monge se aproximou sem falar nenhuma palavra e chegou perto do minguante, posicionando os braços sobre ele como num abraço esmorecido. Anroff, no primeiro momento, não teve reação, mas se rendeu ao conforto de um abraço sincero, fechando os olhos e permitindo-se amenizar suas frustações.

— Queria chorar monge, sinto que isso aliviaria a aflição que sinto, mas eu só sinto uma sensação seca e vazia, que se materializa dentro do meu peito e parece tangível, enquanto existente.

O monge se distancia do abraço do minguante.

— Permita-se sentir suas dores. Se você as evitar, um dia elas te afogarão. Apesar de tudo, você é humano Anroff.

O monge pareceu hesitar entre contar ou não contar sobre o que havia lido no diário da sacerdotisa, a manhã parecia já ter lamentações demais.

— Minguante — disse, com a mão segurando o antebraço de Anroff. "— É difícil viver as verdades da vida, quando o seu coração não se sente à vontade".

— Obrigado monge — disse. — Eu vou me lembrar disso.

Num breve momento de silêncio, Anroff ouviu uma movimentação na aldeia, à distância. Subitamente, num sobressalto, se colocou de pé, aguçando os sentidos como um felino para a circulação e gritos de horror que vinham de fora.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora