Todos os caminhos levarão à Obliteração

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As duas mãos de Ravih seguravam a espada embainhada contra o peito enquanto se balançava na carruagem que cruzava as estradas. Agora por onde passavam já não levantavam tanta poeira como nos dias anteriores, quando ainda estavam no amarelado do deserto e o rastro da terra levantada ficava no ar por horas. Agora, a vegetação já havia se alterado.

Sentia o ar mais puro limpar os pulmões enquanto os cenários que passavam pela janela ficavam cada vez bem mais familiares, sabia que no próximo raiar do deus de Sanud estariam em casa, estariam em Cravo e Rosa.

— Engraçado como a viagem de volta é mais rápida né? — disse Celsius pela sétima vez.

— Parece que ela fica mais longa cada vez que você diz isso — respondeu Dário impaciente — bom, ao menos chegaremos a tempo para as festividades de aniversário da cidade. Quero muito subir o morro do cruzeiro. Quanto tempo faz desde a última vez?

— Não acredito que finalmente estamos voltando pra casa. Tudo agora vai voltar a ser como era antes — disse Celsius colocando as mãos atrás da cabeça se encostando no acolchoado da carruagem enquanto coçava o antebraço.

— Nada voltará ao normal, acho que nada será como antes — respondeu Ravih serenamente — ao menos não para mim. Não depois de tudo que vi, de tudo que vivi e depois de tantas sequelas.

— Mas você conseguiu cumprir parte da profecia, foi ao deserto e recebeu o apoio das areias, não era isso que mandaram fazer? — questionou Celsius.

— "Mandaram fazer" soa até engraçado. Quando eu saí de Cravo e Rosa eu só queria "fazer o que tivesse que fazer e voltar pra casa" e de que adiantou? Que compreensão isso me trouxe? Olhem pra mim, eu não sei onde ir agora. Só me resta as sequelas dessa maldição.

— Nada será o mesmo porque você não é mais o mesmo Ravih — Dário se colocou na conversa — tenho observado tudo em você e sabe o que vejo? Não vejo em você o mesmo menino que cruzou essa estrada um dia.

Repare em suas falas, suas questões e posicionamentos. Não consegue ver, porque é bem mais fácil enxergar sua evolução de fora. Algo te fez mudar, algo que você não quer nos contar. O que você viu no deserto? — Dário perguntou retoricamente, Ravih havia compartilhado apenas parte de sua submersão e recusava-se a contar suas profundidades.

— Vocês não entenderiam — respondeu com voz baixa, retirando parte da lâmina dourada da bainha. Olhando fixamente seu reflexo espelhado. Embora seus olhos estivessem ali, sua mente viajava tentando compreender o que havia conversado com a Entrevida. "Eu o aguardo pro nosso casamento, mas onde está minha coroa? Onde está meus anéis? Nem mesmo abriste teus olhos. Galante, vai, nossa era está esperando. Traga meu dote e cumpra o que me prometeu".

Nada disso fazia muito sentido pra Ravih, e desde então suas dúvidas e questionamentos havia o deixado bem mais reflexivo, sereno e sombrio.

Além de seu semblante, até mesmo sua aparência havia mudado. A cicatriz no pescoço foi coberta por uma tatuagem com os símbolos de Sanud, já as marcas ao redor de seus olhos vermelhados marcavam com cicatrizes a condição do não-morto.

Com o resto da estrada encurtada por cochilos desconfortáveis, já era um novo dia quando a carruagem parou na praça Vilarejo das Flores e o cocheiro abriu as portas para o desembarque.

Uma sensação nostálgica encheu aqueles corações de emoções, voltar para casa trazia a eles a sensação de um abraço apertado que tanto ansiavam.

Com um salto para fora Celsius foi o primeiro a descer, Dário veio logo em seguida. Ravih saiu lançando sombra em seus olhos com a palma da mão, girando sobre os seus pés. Estava revivendo memórias. Estava em casa.

Aspirante à ObliteraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora