Saindo dos trilhos

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Kiyoko

A casa silenciosa me fazia querer morrer.

Subi os degraus cautelosamente e encontrei a porta do quarto de Suri aberta. Um protesto silencioso que minha filha tinha iniciado após a briga com o pai. Discreto, porém uma mensagem bastante clara.

— Almoço tá pronto — tentei soar o mais animada possível, mas ela continuou sentada na cadeira da escrivaninha, de costas para mim.

— Tá, depois eu como — respondeu simples e sem rodeios.

— Ainda fazendo o trabalho da escola? — perguntei me aproximando e ela fechou o caderno imediatamente, dando um longo suspiro.

— É. A gente tem que apresentar essa peça no Halloween e eu resolvi preparar o roteiro com antecedência.

— Devia descansar um pouco. Você está de férias — falei acariciando o cabelo dela, mas Suri revirou os olhos.

— Não tem nada de legal pra fazer. Pode me dar licença? Eu ainda tenho muito trabalho pela frente.

Olhei para a minha menina tão apática e suspirei. Eu sabia que ela não estava me contando tudo.

Uma semana havia se passado desde a grande briga com o pai. Eu esperava gritos, surtos ou coisa parecida, mas tudo o que Suri oferecia era uma completa apatia, indiferença e silêncio.

Satoshi tinha confiscado a escada que ficava no quintal após a fuga do rapaz pela janela de Suri. Ela sequer se importou com aquilo, ignorou completamente, como se não tivesse ninguém para pular sua janela novamente.

Girei os calcanhares e saí do quarto, deixando-a sozinha e com a porta aberta. Queria poder entender o coração de Suri, mas era coisa demais para uma garota de dezoito anos processar. Na verdade, acho que em qualquer idade seria difícil.

Suspirei e voltei para a cozinha, de onde podia ver Satoshi no sofá da sala, assistindo Star Wars pela milésima vez. Fui beber água e acabei me deparando com os copos do Mickey que Shiro tinha ganhado de Hanma no aniversário.

— Alguma coisa não parece certa...— sussurrei para mim mesma ao ver os itens tão delicados em minhas mãos.

Copos do Mickey e Star Wars se pareciam muito mais com o Shuji Hanma que Suri descrevia do que ficha na polícia e marginalidade. Eu sabia que Satoshi não estava mentindo, mas me perguntei até onde aquela história havia sido contada.

Afinal, histórias pela metade podem oferecer uma perspectiva completamente distorcida da realidade.

Enquanto refletia sobre meus pensamentos, meu celular vibrou e eu o peguei de imediato.

"Senhora Shotoku, eu acho que já sei a data em que podemos fazer aquela coisa" — Rei

Engoli em seco ao ler a mensagem.

"Que horas? Tem certeza?" — Kiyoko

"É aniversário do Porco, ou pelo menos ele tá dizendo por aí que é. Tenho certeza que ele vai fazer alguma coisa" — Rei

"Ok, me avisa direitinho e a gente faz" — Kiyoko

"Check" — Rei

"Check" — Kiyoko

Aquele era nosso código secreto para o assunto. Falávamos "check" quando tínhamos alguma informação importante ou muito pontual a tratar.

Guardei o celular novamente e respirei fundo, olhando para Satoshi e pensando no caos que nossas vidas estavam naquele momento.

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Holy Sin, Shuji HanmaOnde histórias criam vida. Descubra agora