Holy Sin, Shuji Hanma

De cabeça pra baixo

Minako

Ainda estava escuro quando saí para trabalhar. Haru dormia no sofá da sala e eu precisava compensar as horas que tinha saído mais cedo para busca-lo nos bares quando os proprietários me ligavam, dizendo que ele estava desacordado de tanto beber. Eu não podia nem pensar em perder o emprego. As dívidas que ele havia feito pelos bares me obrigavam a dedicar boa parte do meu salário à elas. Se Shuji soubesse...

Afastei os pensamentos de imediato enquanto trancava a porta da frente e ia caminhando até o ponto de ônibus. Não queria nem pensar na possibilidade do meu filho descobrir aquelas coisas, seria a gota d'água para ele e eu não estava em condições de lidar com um conflito tão grande.

O ponto de ônibus ficava de frente para uma escola primária onde as crianças na faixa dos quatro anos frequentavam. Toda vez que os via eu não podia evitar de me sentir nostálgica, lembrando de Shuji daquele tamanho minúsculo enquanto corria com a mochila que era maior que ele para dentro do colégio.

-Machucou, meu amor? -Perguntou uma mãe ao se ajoelhar perto da criança chorosa caída no chão. -Vem cá! -Ela o abraçou e fez carinho, deixando um beijo em cada uma das mãozinhas raladas. Repentinamente, a dor pareceu passar e logo a criança novamente saiu correndo feliz.

Quem dera se todas as dores pudessem ser curadas com beijinhos nas mãos.

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-Ainda não tem pratos limpos? -Uma das cozinheiras gritou. Cozinhas de restaurante sempre eram pura gritaria e caos, o que me causava muita dor de cabeça, mas eu já estava me acostumando com o latejar contínuo.

-Estou terminando. -Falei tentando fazer o mais rápido possível, entretanto, a dor no ombro me machucava com pontadas bruscas devido ao movimento repetitivo.

-Minako, dá aqui, eu termino. -Disse minha colega de trabalho enfiando ambas as mãos na pia industrial cheia de água. -Limpa lá atrás.

Concordei com a cabeça e me afastei, indo até a despensa e pegando o balde cheio de água e o limpador de chão. Era um trabalho bem mais cansativo que lavar os pratos, mas não exigia agilidade e nem velocidade, além disso, me deixava um pouco mais longe dos gritos, apenas escutando vez ou outra conforme os auxiliares entravam lá para pegar algo.

-Acho que vou arrumar uma coisinha daquelas. -Falei me lembrando do aparelho que meu filho sempre carregava consigo, escutando músicas com os fones o tempo inteiro. Eu vivia brigando com ele, dizendo que ficaria surdo qualquer dia desses, mas acho que estava começando a compreender a necessidade que ele sentia de ter algo soando o dia inteiro em seus ouvidos.

A carga pesada de trabalho finalmente pode ter um intervalo assim que meu relógio de pulso apitou, informando que era hora do almoço. Fui até minha colega de trabalho, mas a cozinha estava um caos ainda maior, então saí sozinha para comer.

Não enrolei muito na cozinha dos funcionários, comendo meu almoço em silêncio enquanto agradecia o fato de não precisar levar marmita. Claro que a comida preparada para nós era muito diferente da comida servida para os clientes, mas ainda sim me poupava gastos.

Os outros funcionários conversavam entre si, mas eu não tinha muito contato com eles, então assim que terminei de comer fui aproveitar para caminhar um pouco pela rua, pegar um pouco de ar livre.

-Ah, que cansaço! -Falei depois de atravessar a rua e me senti patética. A verdade é que eu passava o dia inteiro trabalhando de pé e precisava descansar. Me sentei no banco que ficava de frente para o salão elegante e bonito e observei o lado de dentro.

Elas conversavam e riam alegremente, até as funcionárias, pareciam sentir prazer em suas funções. Quando era mais nova eu era extremamente vaidosa, mas agora não me restava tempo, vigor ou recursos para isso. Olhei para minhas próprias unhas extremamente curtas e mal cuidadas, corroídas pelos produtos de limpeza. Nem conseguia me lembrar qual fora a última vez em que passei um esmalte ou tirei as cutículas.