Sob as flores de cerejeira

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Minako

Retirei as garrafas da mesa de centro com cuidado, torcendo para Haru não acordar com meus movimentos e coloquei o lixo para fora de casa em seguida. O sono pesado dele se mantinha e eu respirei aliviada ao perceber que a embriaguez o impediria de acordar pelas próximas horas.

A montanha de louça me aguardava, os estofados do sofá já começavam a apodrecer de novo, o chão implorava por uma varrida que só poderia ser dada quando meu marido fosse tomar banho e a bagunça na sala fazia parecer que nada havia sido limpo há semanas, mesmo que a última grande faxina não fizesse muito tempo.

Entretanto, não era nada disso que me preocupava. Já passava das dez da noite e Shuji ainda não tinha voltado para casa. Eu apenas vi de relance quando ele e Rei se encontraram, mas foram conversar em outro lugar, e então, ele voltou com o semblante raivoso, pegou a moto e sumiu sem nem entrar em casa.

-Cadê você...? -Sussurrei enquanto lavava a louça. A água fria fazia doer meus dedos cansados do trabalho, passava o dia inteiro limpando e lavando a cozinha do restaurante, e quando chegava em casa, fazia o mesmo. Minhas costas doíam tanto por ficar sempre curvada que muitas vezes eu precisava me lembrar que ainda nem tinha chegado aos quarenta anos.

Meu coração materno só conseguia pensar em tragédias. Talvez tivesse caído de moto por aí, talvez tivesse arrumado briga... Céus! Por que tinha que se parecer tanto com seu pai?

Já não bastava ter perdido o Isamu num acidente de moto quando nosso filho tinha apenas um ano de idade, só de imaginar nosso menino tendo o mesmo destino meu coração se apertava por completo. Com dezenove anos eu estava sozinha no mundo, com um bebê pra criar e sem nenhum apoio. Shuji era tudo pra mim, e eu sentia vontade de chorar sempre que pensava em qualquer coisa ruim acontecendo com ele.

-Graças a Deus! -Falei baixinho assim que o vi estacionar a moto. Rapidamente apressei a louça, queria aproveitar aquele tempo curto com ele, mas assim que Hanma atravessou a porta, percebi que não seria o melhor dos momentos.

Ele não deu boa noite, não avisou que tinha chegado... nada. Apenas me olhou e passou direto pelo corredor até o quarto, fechando a porta com cuidado para não acordar Haru, mas eu sabia muito bem que a vontade dele era ter batido com toda a força que tinha. Voltei meus olhos tristonhos para a pia cheia de louça e novamente coloquei meus dedos dentro da água gelada, limpando toda a sujeira que havia em cada uma das peças.

Isamu, o que você teria feito se estivesse aqui? Eu me perguntava em silêncio, me lembrando do meu falecido namorado enquanto suspirava melancólica. Como teria aconselhado nosso garoto?

#

Já era de madrugada quando escutei o som do chuveiro desligar. Haru dormia na sala como quase todas as noites e eu me levantei em silêncio da cama. Vesti o roupão velho, mas confortável e calcei as pantufas já amareladas pelo tempo.

Depois de esperar alguns minutos para ter certeza de que ele estava vestido, bati à porta e esperei sua resposta. A voz baixa e curta denunciou que o humor de Shuji não estava dos melhores, então eu sabia que precisava ser cuidadosa com as palavras.

-Fazendo trabalho, filho? -Perguntei fechando a porta atrás de mim e indo até a escrivaninha.

-É um negócio pra aula de literatura. -Ele respondeu seu tirar os olhos do papel. Estava ainda com o cabelo molhado, sem camisa e com as costas curvadas.

-"O pecado me acorrenta, mergulhando-me na lama do quinto círculo e sufocando-me até que o ar em meus pulmões se torne apenas uma lembrança". -Li baixinho o trecho que ele escrevia e logo Hanma colocou a mão em cima. -Ah, desculpe, não quer que eu leia?

Holy Sin, Shuji HanmaOnde histórias criam vida. Descubra agora