Capítulo Dezenove

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A simples ideia de encontrar-se com Aurora de novo deixou suas pernas bambas. Enquanto seguia o guarda para qualquer que fosse a sala que ela o esperava, Érico tentou se distrair olhando ao redor. As paredes tinham um tom de vermelho-vinho e havia pilastras de marfim a cada cinco passos, entre os espaços delas, quadros, diversos quadros que mostravam homens ajoelhados entregando presentes as jovens ou de jovens sendo colocadas em um trono de rosas e espinhos. Sempre quadros que pareciam olhar para ele e segui-lo. Mifram havia decidido se abastecer melhor do que Hend em relação às luzes elétricas, tanto que havia mais lustres de bronze no teto do que quadros nas paredes. O chão era de um branco impecável, os jarros de samambaias, gigantescos e igualmente brancos.

A beleza refinada do palácio de Aurora o deixara envergonhado por estar todo sujo.

Parte dos minutos que levou andando, ficou pensando em Lipe e Joaquim, indo na direção oposta às escadarias que levavam as portas do palácio. As palavras de Lipe retumbaram em sua cabeça, não pela primeira vez.

— Nos veremos mais tarde.

Foi uma promessa. Um fato. Algo que deixou Érico sem ar por um instante, porque até aquele instante, ele só havia ouvido as mesmas palavras de Ari, de Bico ou de Chico, nunca de alguém que estava vivo, que queria mesmo encontrá-lo depois. Sua experiência com novas amizades se mostrou mais tortuosa do que ele imaginou, ainda mais com Joaquim o evitando e o olhando com raiva durante a caminhada deles na floresta, mas Lipe era a parte boa de tudo aquilo, tinha fé nele, uma fé que ele mesmo achou que não conseguiria ter em si mesmo.

Antes de sentir o cheiro de comida na floresta — antes de quase morrerem, ele pensou melhor — Joaquim e Lipe estavam conversando sobre quantos dias conseguiam ficar sem comer. Érico se sentiu esquisito presenciando aquela conversa entre os dois, sentindo que estava se metendo em algo em que não tinha o direito. Afinal, ele nunca havia passado fome até fugir de Hend. Desconhecia a sensação nauseante do seu corpo enfraquecido, da dor de cabeça incessante quando pensava em comida e do jeito como seu estômago embrulhava, quase como querendo digerir a si mesmo. Era torturante, ele havia concluído em silêncio um tempo atrás; torturante e real.

Quantas pessoas do seu reino passavam por aquela mesma situação enquanto ele fazia três refeições por dia?

Sua janela podia ser grande, mas dali ele não conseguia ver o que as outras pessoas estavam fazendo tão bem, viu os garotos brincando, às vezes via homens caminhando com suas carroças, mas apenas isto, ele não tinha ideia de que para além, na aldeia, havia pessoas morrendo de fome.

Talvez eu soubesse, sim.

Ari lhe contou uma vez, vagamente, que sua vida era excepcional, a vida perfeita mesmo que não fosse perfeita para ele naquele momento. Ari lhe mandou ler um livro para parar de ficar irritadiço, e foi o que ele fez. Leu sobre A Paz Fria que prevalecia entre os cinco reinos. Aquela história lhe fascinava ao mesmo tempo em que lhe deixava assustado. Muito antes do seu pai, os reinos entraram em conflito porque não haviam se estabelecido tão bem, nunca haviam sido determinados suas funções e territórios precisamente, todos os imperadores faziam o que podiam para se manterem no poder e ajudar seu povo — principalmente a sua família.

Foi então que Érico leu sobre pessoas inocentes que morreram de fome, de frio ou pelos ataques surpresas em seus lares.

Lembrava-se perfeitamente dos parágrafos que destacou com a pena para um outro pedaço limpo de papel:

Num enxame de abelhas, elas procuram atacar quem acha ser que estivesse perturbando sua colmeia. Somos abelhas, sempre procurando a quem atacar nossas colmeias. Infelizmente, algumas morrem, felizmente, as mais preparadas vivem. Tem de ser assim, pois não há outra maneira de sobreviver em um mundo injusto em tudo.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora