Capítulo Vinte e Quatro

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Lipe se demorou na banheira. Nunca havia tomado banho de banheira na vida e agora que podia, gostava de ficar lá, brincando com as bolhas e sentindo a água quente ficar gelada, afundar a cabeça na água e ficar de olhos fechados, prendendo a respiração e ouvindo apenas o zumbido da água em seus ouvidos. Eram os melhores momentos do seu dia depois do treino, de vestir roupas calorosas e sapatos pesados.

Foi na água gelada que ele percebeu estar atrasado para encontrar os amigos. Quase escorregou na porcelana da banheira ao se levantar, não querendo reconhecer a própria nudez. Pescou uma toalha na pequena cômoda ao lado da banheira e se secou enquanto andava a passos rápidos até a cama, onde havia deixado separado seu roupão para dormir. Era branco, quase transparente. Ele sempre usava o roupão com um calção por baixo, não gostava de sentir tanto frio. Vestiu tudo o mais depressa possível e saiu do quarto.

Foi quando trombou com alguém que parecia ser mais alto e muito mais forte que ele.

— Perdão — Lipe murmurou, olhando para baixo. De volta ao estado de submissão que nunca sairia por completo dele, afinal, ele nunca aprendeu como se portar de outra maneira.

— Peço desculpas também, não estava prestando atenção ao caminho.

Lipe conheceu aquela voz imediatamente.

Benício.

O garoto que treinou Érico desde que haviam começado.

Ele estava com o mesmo roupão que ele, os cabelos estavam molhados e ele cheirava a maresia, à noite, ao orvalho. Parecia ter nascido das folhas molhadas e sido embalado pelo cheiro das flores enquanto andava até ali. Por um momento, Lipe ficou sem fala.

Depois, pensou depressa e sorriu.

— Não costuma ter pessoas andando pelos corredores a esta hora, por isso saí sem prestar muita atenção.

— Bom, eu também costumo a fazer andadas noturnas quando não consigo dormir. Faço isso bastante, geralmente fico nos jardins.

— Por que não no Bosque? — Questionou ele, de repente, curioso com aquele rapaz.

Benício apenas sorriu para Lipe, como se ainda considerasse se deveria respondê-lo ou deixá-lo curioso.

— Por que não andamos nos jardins? Prometo responder suas perguntas.

— Eu... — Parou. Sabia que Érico e Joaquim estavam esperando no quarto a menos de dez passos de onde está agora, mas sua mente teve outro plano.

— Só se me esperar a vestir algo mais quente, ou pelo menos, meias melhores. — Acrescentou a Benício que concordou em esperá-lo. Lipe voltou para o quarto.

Estavam caminhando perto das figueiras gigantescas do jardim quando Lipe voltou a perguntar por que Benício não caminhava no Bosque já que parecia gostar tanto de treinar naquela área.

Com um sorriso mínimo, ele lhe respondeu sem pressa alguma em soltar as palavras:

—Existem diversos perigos no Bosque. Não é recomendável ficar lá à noite a menos que esteja com companheiros. Armados, de preferência. Existem diversas lendas sobre aquelas áreas. Decerto já ouviu alguma.

Lipe negou com a cabeça e não se sentiu afetado em dizer que não sabia, na verdade.

— Bem, alguns contam que viram um garoto, não mais velho que você, acredito. Ele tem apenas uma perna e só usa vermelho, mas se consegue vê-lo desde muito longe. O garoto faz maldades, pelo que me contaram, solta as rédeas dos cavalos, atira pedras na cabeça das mulheres e machuca as crianças perdidas. Alguns afirmam que ele os pega e os faz comer o que vier pela frente, até seus dentes quebrarem. Há outras pessoas que dizem ver uma luz no meio do Bosque à noite.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora