— Hum... Pode vir comigo?
Érico girou o pescoço e se deparou com Lipe. Ele estava afobado, o cabelo dele estava com pequenos grãos de poeira e o nariz, vermelho. Um segundo depois de notar isso, Lipe espirrou.
— Desculpe.
— Não precisa se desculpar. Aonde vamos? — Perguntou já andando ao seu lado.
Lipe mordeu o lábio, como se estivesse se dividindo em dois, uma parte dele está aqui, tentando lhe responder enquanto outra parte sua está mais distante do que Érico pode imaginar.
— Antes de virmos para cá, Joaquim e eu ficamos em um aposento perto da praça. Acho que ele já está lá nos esperando.
A expressão dele era cuidadosa, dando ainda mais certeza a Érico de que queria contar-lhe mais, mas algo o impedia. Ele não insistiu, não se deixou levar por sua desconfiança, apenas passou a andar mais depressa seguindo Lipe pelos degraus depois, pelas ruas.
A praça de Mifram tinha a fonte que espirrava água sem parar e, aos cantos, arrodeando a fonte, canteiros de flores vermelhas e amarelas e brancas. A cidade toda podia sentir o cheiro daquelas flores, era grandes e com pétalas que eram do tamanho dos seus dedos, sempre havia alguém ali para admirá-las ou colhê-las, se não pessoas, então abelhas. O zumbido deixava Érico em alerta, pois nunca esqueceu a primeira vez que foi picado por uma abelha nos jardins de casa.
Sua casa também tinha flores bonitas, havia beleza se ele procurasse direito, assim não veria apenas uma construção de tijolos amarelos com concreto e aço. Os jardins eram cuidados por criadas, mas sua mãe sempre se colocava debaixo do sol para fazer uma coisa ou outra, mesmo que sempre se receasse em que seu pai visse. Nunca chegou a se perguntar o porquê de a mãe ter tanto medo de seu pai, costumava pensar que todos deviam ter medo dele, pelo menos um pouco, afinal, ele era um rei.
Desviando os pensamentos da mãe antes que visse a imagem dela morrendo, como se já não tivesse pensado nisso mais de dez vezes desde que saíra de Valência, Érico encarou a pequena casinha de tijolos vermelhos sujos que estava a sua frente. Tudo na casa lhe parecia frágil: a porta era amarelada e com rachaduras, a maçaneta também era de madeira. As janelas estavam sujas, o vidro cinzento.
Estava iluminada, porém. Era a única casa iluminada a esta hora da noite.
Lipe entrou primeiro, fazendo um sinal com a mão o chamando. Respirando fundo e melhorando sua postura, Érico entrou na casa.
O ar lá dentro era de terra e fumaça. A pequena e estreita lareira estava com fuligem velha, mas tirando aquilo, tudo estava limpo. Uma pequena mesa fora arrastada até ficar entre as duas camas de solteiros da casa. Avaliando mais afundo, Érico sorriu com a ideia de que se sentia em uma casa de bonecas. Estava acostumado com móveis grandes e exagerado, na maioria das vezes, móveis que tinham aparência de serem caros e pesados. Ao se sentar na cama junto a Lipe, deixando Joaquim sozinho na cama à frente, ele não conseguiu evitar ficar encolhido, com medo de que mesmo o seu peso afetasse a madeira rangente da cama.
Seus pés ficaram juntos e suas mãos foram parar no colo. Estava esperando pacientemente que um dos dois começasse a falar o porquê o chamaram, e o porquê de Joaquim parecer levemente pálido sobre a luz oscilante do lampião em cima da mesinha.
Parecia o rosto de alguém prestes a vomitar.
— Então? — Sussurrou. Achou que seria o ideal contando que estão fora do palácio e trancaram a porta.
Lipe continuava a encarar Joaquim. Os olhos dele pareciam mais escuros do que Érico se lembrava e as manchas escuras também apareciam mais destacadas que antes.
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