Capítulo Cinquenta e Cinco

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— Acho que eu deveria contar uma coisa a vocês — disse ele quando o silêncio pesou. O silêncio deixava sua mente desesperada para preenchê-lo logo. —, mas me prometam que não vão rir.

— Acho que não consigo prometer — Érico murmurou, colocando a cabeça em seu ombro e aspirando seu cheiro.

Não sabia por que ele gostava de fazer isso, porque a pele de Lipe nunca teve um cheiro excepcionalmente delicado. Era mais algo como suor misturado com terra. Nada delicado, como pensava.

— Joaquim? — Tentou ele.

Joaquim havia ficado congelado no lugar desde que chegaram, o caminho inteiro ele se manteve calado, e Lipe não quis interromper seus pensamentos seja lá eles quais forem. Sabia que uma pessoa necessitava pensar tanto quanto necessitava respirar; e quando Joaquim pensava, Lipe gostava de admirar sua feição pensativa, porque ele mordia o lábio sem perceber, ou ficava franzindo o cenho a cada cinco segundos. Como uma criança.

Era fofo.

Ele deu de ombros; não sorria.

— Eu... Uma vez, eu me apaixonei por um garoto. — Era a primeira vez que ele falava aquilo em voz alta e, por mais que o medo de morrer por dizer aquelas palavras tinham diminuído, não tinham sumido, como havia pensado. Dize-las não era libertador. Ainda não. — Ele ficava limpando o chão comigo no palácio, e ele era... Hum, acho que... Belo. Eu ficava nervoso quando ele chegava perto de mim, sempre recuava, sempre... aflito. Não queria sentir o que sentia. Achei que sumiria com o tempo.

— E sumiu? — Joaquim falou pela primeira vez e sua voz não estava nada gentil; seus olhos, porém, encaravam apenas o chão.

— Sim. Sumiu. O garoto morreu.

Érico levantou a cabeça de súbito, quase acertando o nariz de Lipe, que cheirava seus cabelos. Notou que era uma coisa que fazia com frequência.

— Morreu? Como?

— Foi levado pelos guardas quando machucou a perna. Ficou horrenda. Ele não conseguiria mais fazer o serviço.

Sentiu seu estômago revirar. Sempre acontecia quando se lembrava do dia em que os guardas invadiram a cozinha e o arrastaram para fora, mesmo que ele chorasse e pedisse por misericórdia; não havia piedade se você não era útil. Por isso as criadas sempre tomaram o maior cuidado com Lipe, deixando-o fazer serviços que sabiam que conseguiria realizar, caso o contrário, perder a mão ou a perna seria apenas questão de tempo até que fosse levado também junto com os bebês e os loucos.

— Sinto muito — disseram, então.

— Porque você acha que iriamos rir disto? — Érico disse, mas, um segundo depois, esboçou um sorriso. — Sinto muito.

— Tudo bem.

Joaquim se aproximou deles, hesitante como um animal ferido que não confiava em que lhe oferecia ajuda.

— Eu acho que minha alma também é monstruosa, Érico. Nunca quis dizer que a sua fosse, eu só... Fiquei irritado com o que pensou, do modo que pensou.

Lipe se afastou um passo quando Érico e Joaquim conectaram seus olhares. O coração de Lipe disparou e seu sangue começou a ferver nas veias, e de repente todo o seu corpo estava calorento. Ele esperou.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora