Capítulo Quarenta e Dois

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Em um momento, estava chorando, estava com vontade de gritar e de agir, mesmo sabendo que não seria sensato fazer. Ele se manteve parado no lugar, sentindo todos os seus membros se grudando a madeira do barco enquanto seus dedos queriam quebrar a parte em que seguravam; sentia-se tão pesado que chegou a pensar que afundaria. Seria ele a ruína da embarcação. Quando viu um dos guardas agarrarem o pescoço de Joaquim, esperou que o sangue dele explodisse na terra e que se misturasse ao solo, esperava que seu companheiro se debatesse enquanto morria, e as risadas dos guardas soaria estrondosa aos seus ouvidos, mais do que as ondas se quebrando contra a embarcação — sua mente traidora conseguiu imaginar tudo isso.

O que aconteceu, entretanto, surpreendeu-o e foi além do que qualquer um poderia imaginar.

— O que é aquilo ali? — Tayson gritara, e foi o momento de todos pararem e olharem para onde apontava seu dedo gorducho.

Era uma fenda de luz prateada e reluzente, parecia que um pedaço da lua caíra ali, mas se recusava a parar de brilhar. Então conseguiram distinguir uma pessoa parada ali, brilhando de dentro para fora. Sem carne, sem espessura palpável, era apenas uma criança que não tinha corpo. E ela se aproximava de Joaquim sem se importar com os olhares aturdidos dos guardas, com a ventania, que na verdade, não o afetava. Quanto mais a luz envolvia o espaço onde Joaquim estava deitado, mais Lipe ficava preocupado.

— O que vai acontecer com ele? O que está acontecendo? — Questionava, eufórico.

Olhou, por um momento, para Érico, queria as respostas dele. Mas o príncipe estava encarando a cena, o rosto, sendo banhado por toda aquela luz pálida, parecia fantasmagórico. Dadas as circunstâncias aquela palavra era irônica. Ao voltar a encarar a cena, Lipe percebeu o que fez o homem que resgatou ofegar. Na verdade, a reação dele foi a primeira de várias. Os guardas começaram a gritar quando o corpo de Joaquim começou a flutuar, levantando-se do chão e alcançando os galhos mais altos das árvores, ainda envolvido pela luz. Então se aproximando do barco, mesmo em movimento. O corpo dele pousou com cuidado e a luz o deixou. Na terra, ainda visível, as árvores pararam de balançar e a ventania agressiva sumiu, deixando apenas o zumbir da brisa marítima.

Enquanto Lipe observava o corpo de Joaquim, se perguntando se seria perigoso tocá-lo, Érico se direcionou para aquela criança, um menino, banhado de luz.

— Bico?

Suas palavras foram falhas, roucas, parecia que estava prestes a chorar.

— Oi — foi tudo o que disse a criança.

— Como... Como me encontrou? — Neste momento, Érico sorria.

A cabeça de Lipe girava. As oscilações de humor de Érico estavam o deixando confuso, mas, mais do que isso, toda a situação o estava deixando nervoso. Estava distante da criança mesmo que quisesse desesperadamente se aproximar de Joaquim e sentir a respiração dele, confirmar se respirava, e queria ver seus ferimentos, desejava ser rápido para curá-los. Estavam perdendo tempo.

— Você pode curá-lo? — Perguntou de repente. — Há algo que possa fazer por ele?

A criança translucida o encarou, o que enviou arrepios por seu corpo. Ele não era totalmente translucido, parecia ser feito de prata, como os talheres e as taças do palácio que tanto poliu, e, oscilava entre a realidade e a imaginação, como se sua luz esteve prestes a apagar como uma chama de vela sendo soprada por nada mais que uma brisa.

— Não — disse —, não posso curá-lo. Não tenho esse poder.

Aquilo o feriu intensamente. A raiva o dominou como braços o agarrando por trás, deixando sua nuca quente e sua boca seca.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora