Capítulo Cinquenta e Quatro

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Olhar para ele lhe trouxe uma onda de alívio. Mesmo que fosse só suas costas e sua nuca. Érico estava de volta, e seu mundo voltou aos eixos.

— Tayson chamou vocês? — Questionou ainda de costas; dava para saber pelo tom áspero da sua voz que ele ficou chateado.

— Sim.

Eles se mantiveram perto da árvore enquanto Érico estava mais próximo do lago.

— Viemos saber como estava — Lipe disse, se aproximando cautelosamente de Érico, querendo pôr a mão no ombro dele. Quando conseguiu, suas costas ficaram menos tensas.

Joaquim demorou um pouco mais para se aproximar, não sabia se seria correto ser condescendente, mesmo que não tivesse intenção de ser. Ele e Érico haviam discutido antes de Bico possuí-lo, não haviam conversado ainda, suas poucas palavras mal poderiam ser chamadas de conversa civilizada.

Chegar perto dele fez algo dentro de si estremecer, mas de um jeito bom, como quando se estremece pela água da banheira, pela chuva em sua pele ou pela sensação do vento em seu rosto, bagunçando seus cabelos. Isto o fez lembrar-se o porquê havia se amarrado aos garotos ao seu lado, era o misto de sensações que eles lhe traziam, que quase poderia ser uma música que mudava constantemente; ora barulhenta pelos desafios que enfrentavam, o ritmo fazendo seu coração disparar dentro do peito como se quisesse bater asas e fugir, ora calma, como agora, ouvindo as próprias respirações. Era bom, Joaquim pensava, ter alguém que te coloca no ritmo da adrenalina e depois, na calmaria. Ele precisava tanto de Érico e de Lipe que sentiu novamente a vontade de chorar. Sabia que não choraria, mas teve vontade, e teve vontade de dizer em voz alta que os amava.

Encarando o lago, ele se manteve calado e esperou que Érico quem iniciasse o assunto assim que estivesse pronto. Mal tinha acabado de decidir isso quando o príncipe começou a chorar. Seus ombros tremeram e ele cobriu o rosto com as mãos, querendo arrancar o próprio rosto com as unhas. Lipe segurou seus braços.

— Pare com isso — pedia ele —, olhe para mim. Érico...

O rosto dele havia ficado rosado.

Joaquim se manteve afastado.

Sentiu-se de mãos atadas quando Érico começou a falar tão rapidamente que praticamente não respirava entre uma palavra e outra.

— Estive apavorado o tempo todo, como eu fui tão ingênuo, de como me deixei enganar todo esse maldito tempo achando que era uma boa pessoa, só porque queria! Não posso acreditar... Parecia tolice, mas era, sim, era a minha alma que gritava comigo, e eu estava apavorado de ficar nela, de ficar só ouvindo e ouvindo sem conseguir sair de lá... O que isso faz de mim? Diabo o que isso... E se eu for como o rei Anton? E se...

— Érico! — Lipe o sacudiu — Cale a boca!

Atônito, ambos pararam. Joaquim encarava Lipe como se o visse pela primeira vez e Érico estava estupefato por ele ter gritado com ele e quase o derrubado com tamanha a força que o sacudiu pelos ombros.

— Recomece, devagar. O que você tem?

— Eu... — balbuciou — Estive... Estive preso com minha alma. Dentro. Envolto. Cercado. — Neste ponto, todas as palavras eram dirigidas para Joaquim, mas Érico não estava furioso, ao que parecia, estava decepcionado. — Eu tenho uma alma horrenda.

Foi quase como se ele dissesse: Você estava certo, afinal.

E isto o arrebatou.

— O que aconteceu... Por lá?

Érico balançou a cabeça, os lábios crispando. Lágrimas vieram novamente aos seus olhos. O rosto dele faltava apenas quebrar-se como porcelana, para jorrar lágrimas que seriam a proporção daquele lago que encaravam.

— Estamos juntos — Lipe acariciou suas bochechas molhadas com os polegares enquanto segurava seu rosto —, você está aqui.

— Vocês não entenderiam.

Não tinha como afirmar que entendiam mesmo.

Ver a própria alma e ela não ser do jeito como imaginamos ser deve parecer angustiante e deprimente. Essas palavras definiam como Érico estava agora.

— Você me escutaria se eu dissesse que todas as almas podem ser horríveis?

— A sua, não. Com certeza a sua não, Lipe. — O corpo de Érico finalmente reagiu aos toques de Lipe e eles ficaram com as testas tocadas, um instante depois, sorriram calorosamente um para o outro.

Joaquim se sentiu deixado de fora, vendo por uma janela, e sabia que não podia culpar ninguém além de si mesmo por isso.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora