Dias passados
— Você não devia ter aberto esse livro.
Érico teve um sobressalto e largou o livro que caiu aos seus pés, aberto na página 372, uma página que fala sobre antigos reis e rainhas. Homens de queixo fino e mulheres com narizes arrebitados, cabelos complicados e olhos desconfiados. Estivera procurando a foto do seu pai e de sua mãe.
Ao se virar tudo o que encontrou foi uma outra estante de livros antigos com aparência feiosa, igual aquele que deixou cair. Todos os livros tinham lombadas feias apesar de novas, o couro perdia seu cheiro característico quando as folhas ficavam amareladas, gastas, com manchas aqui e ali.
Ele o pegou e o devolveu ao espaço na estante. Se encaixou perfeitamente. Um segundo depois — quando seu coração já tinha se acalmado e sua mente se convencido de que imaginou aquela voz esganiçada — todos os livros caíram de uma só vez, um deles, acertando seu rosto, o desorientando, causando batidas que fizeram seu corpo tremer. Suas pernas agiram depressa, mais depressa do que ele achou que conseguiria e chegou até à porta. Os livros formavam um mar de folhas e capas de couro, a poeira dançava acima deles, iluminadas pela luz da vela tremeluzente. Seu corpo alçou para fora, tropeçando no meio de um passo, que o levou direto ao chão.
O corredor era iluminado por velas em hiatos de doze metros. Paredes vermelhas e um carpete marrom extenso. Seus dedos se afundaram, segurando o carpete como se fosse um bote salva-vidas.
Seus ouvidos tinham apenas seus batimentos frenéticos, abaixo de si parecia que o chão também retumbava o som do seu coração. E, metros abaixo, quem se dedicasse o suficiente naquele barulho ouviria as paredes tremendo: era seu coração amedrontado.
Ele ficou um momento parado na mesma posição para saber se algo mais aconteceria, se as paredes tremeriam, se o chão se abriria...
Nada aconteceu, entretanto.
Não se ouvia barulho ou ruído, nenhuma das velas apagou-se. Tudo estava calmo e Érico escutou passos e soube exatamente de quem eram. Se levantou no mesmo segundo que seu irmão apareceu. Não dera tempo de espanar a poeira em seus ombros ou em seus cabelos.
Arniel era tudo o que Érico queria ser: corajoso, inteligente e justo. Os dois dividiam tudo, todo tipo de segredo. Mas dessa vez era diferente, Érico sabia que não podia contar nada para o irmão. Livros caídos todos de uma vez? Isso só aconteceria se houvesse um tremor na terra e em Valência, não havia terremotos.
— O que aconteceu com você? Está cheio de poeira.
A poeira fazia seu nariz coçar. A única coisa que impedia o príncipe de espirrar era o seu desespero. Ele se colocou à porta da biblioteca para que seu irmão não visse o desastre que estava lá dentro.
— Eu caí — mentiu.
— Tem certeza? — Seu irmão arqueou uma sobrancelha, como sua mãe fazia quando suspeitava que alguém mentia para ela.
Sua cabeça maneou para cima e para baixo e, querendo ou não, seus ouvidos estavam à procura de barulhos lá dentro.
— Você está bem? — A pergunta de Arniel foi feita mais seriamente. Ele não estava querendo mentiras.
— Sim — foi sua resposta imediata.
A resposta sempre teria que ser sim quando alguém lhe perguntasse se ele estava bem. Ele não queria bancar o durão nem nada parecido, a questão era apenas sua segurança.