Capítulo Quarenta e Cinco

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Lipe foi o primeiro a acordar na manhã seguinte. Érico estava com um braço ao redor da sua cintura e livrar-se dele foi dificultoso pois a cada movimento, por mínimo que fosse, Érico se mexia e Lipe parava, aflito, temendo tê-lo acordado — por sorte, não acordou.

Ele foi até uma outra porta, onde a comida estava. Sempre que percebia que agora fazia três refeições por dia, ficava assustado, assim como ficava assustado com a aparência do seu corpo; os músculos, os pelos, o tamanho das mãos... parecia que comer regularmente e o tempo que passou treinando lhe fizeram bem, pegar sol lhe fez bem. Se lembrou de como esses fatores tão simples eram difíceis enquanto ainda era mantido no palácio de Hend. Estar forte e se sentir forte era algo novo, e incrível.

Ele pegou uvas e queijo, sua barriga roncava.

— Érico não gosta de queijo — a voz infantil disse, atrás de si. Lipe olhou para trás rapidamente e viu o amigo fantasma de Érico flutuando perto da porta.

Ainda lhe revirava o estômago ver através daquela criança.

— Eu... Eu não sabia. Posso deixá-lo comer toda as mangas, ele gosta.

O fantasma nada falou, parecia estar analisando-o. Lipe sabia que se aquele menino levantasse um dedo sequer, ele estava condenado. Tentava se tranquilizar afirmando para si mesmo que ele não faria mal a uma das pessoas mais importantes para Érico, de quem gostava tanto.

Mesmo assim, havia receio em sua voz quando perguntou se o fantasma estava bem.

— Estou morto, sabe. — o menininho deu de ombros.

— Desculpe. Foi uma pergunta tola. Só fico um pouco inseguro perto de pessoas... de fantasmas... de... acho que dei a entender que fico nervoso perto de coisas... pessoas... que não conheço. — Ao terminar de falar, quis sair andando até chegar à proa do barco e enfim respirar, mas o menino estava em frente a porta, impedindo-o de passar.

Tecnicamente Lipe poderia atravessá-lo, porém não ousaria fazer isso. Imaginou que fosse falta de educação atravessar uma pessoa morta.

— Imagino que não tenhamos nos apresentado — diz —, sou Lipe.

— Mas esse não é seu nome de verdade, é? — A pergunta parecia ser rude, só que Lipe não ligou, na verdade, lembrar que seu nome não era aquele lhe fez pensar no verdadeiro Lipe. Aquele em que o ajudou.

— Não, não é. É para homenagear um amigo meu, que morreu.

— Sou Bico.

— É o seu nome verdadeiro?

— Agora é. Prefiro que seja,

Para mostrar que entendeu, Lipe balançou a cabeça.

— Conhece Érico desde criança? — Perguntou, colocando pedaços de pão em cima de uma bandeja de madeira pesada. Havia colocado as uvas ali, do outro lado, o queijo um pouco mais separado e depois procuraria as mangas.

Não sabia o que Joaquim queria comer, ou se queria. Quando ficava frustrado ele não engolia mais do que água mesmo estando faminto. Era uma forma de se punir, Lipe achava.

— Sim. — Foi tudo o que Bico respondeu. Ele também olhava para o prato com atenção.

Uma das uvas desprendeu-se do cacho e começou a voar a frente dos olhos de Lipe, que deu um passo para trás, assustado. Bico riu enquanto balançava seu dedo indicador, a fruta seguindo seu comando.

— Você tem medo de mim — constatou, então. Como se fosse uma piada. — Nunca me mostrei para tantas pessoas, mas nenhuma delas teve medo de mim.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora