Capítulo Vinte e Um

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Assim que a princesa mencionou a biblioteca, Lipe ficou assustado. Evitou olhar os amigos e a própria princesa nos olhos, receoso de que eles descobrissem seu segredo: Lipe nunca aprendera a ler de verdade.

Havia palavras dissílabas que ele sabia, mas fora, isso, não sabia mais nada. Seu cérebro sempre dava um nó quando tentava ler algo, tentando lembrar qual o som de tal letra junta a outra, não sabia sequer montar uma frase inteira sem sua cabeça começar a doer.

Infelizmente a sua educação nunca foi algo prioritário no palácio, suas mãos e seu suor, sim. Quando era uma criança, já trabalhava duro com os outros homens que buscavam madeira ou carregavam os caixotes com carvão, enviados de Sinka. Ainda se lembrava: sempre às seis da manhã os príncipes acordavam e tomavam café com os pais à mesa, depois, iriam ter aula com um homem que veio de outro continente para ensiná-los.

— Maria, pessoas como nós, estudam? — Aos nove anos de idade ele já havia aprendido a diferenciar "nós" e "eles" muito bem.

— Às vezes, sim.

— Aonde?

— Em pequenos espaços. Escolas. Elas não existem muito agora — e quando ela disse aquilo, seu tom de voz foi sumindo, e Lipe sentiu, mesmo sem saber como, que ela sentia vontade de chorar.

Era bem triste mesmo, aquela criança pensou.

Encarando um cômodo amplo e arejado por causa das enormes janelas de vidro, Lipe se via perdido na vontade de estudar de novo e no medo de como seria ao menos tentar. As estantes de Mifram eram embutidas, prateleiras feitas de pedras brancas polidas e não madeira. Havia uma mesa que se parecia a mesa que ele tomou café com torradas crocantes há pouco, mas esta mesa tinha uma vela apagada no meio e um leve cobertor de poeira.

Seus passos foram leves e mesmo assim, altos demais no lugar vazio.

Quando perguntou a uma das mulheres que passava carregando lençóis de cama onde poderia achar a biblioteca, ela deu um sorriso simpático e disse a direção, acrescentando depois que a biblioteca é um espaço muito relaxante na primavera.

Relaxante, talvez, mas também intimidante. Seus braços estavam às costas, tensos, agarrados um ao outro, temendo tocar em algo e acabar por estragá-lo.

Olhou para as centenas de lombadas escuras e coloridas que havia nas estantes criadas nas paredes. Seu rosto inevitavelmente corou ao pensar que deveria começar por algo simples, pelo menos para treinar. Achou um de lombada azul que lhe chamou atenção. Era o menos pesado, achou.

Olhou por um momento para a capa e seu cérebro maquinou, tentando juntas as letras até elas formarem uma palavra coerente.

A BELA LENDA DOS LOBOS

O que há de belo em lobos?

Com certeza se sentiu no direito de se fazer tal pergunta depois de ter sido perseguido por um grupo de lobos famintos com olhares assassinos.

— Desculpe?

Rápido demais, Lipe se virou. Acabou tropeçando nos próprios pés por causa do susto e teve que escolher em menos de um segundo se continuaria de pé ou largaria o livro.

O livro fez um enorme estrondo ao cair aos seus pés quando suas mãos se mantiveram ocupadas em sustentar seu corpo segundando à mesa. Ele olhou para a dona daquela voz repentina e descobriu que falara sozinho ao invés de pensar, mas não sabia que havia uma garota atrás dele. Ela vestia calças, como ele, e uma camisa de mangas longas que estavam sujas de terra. E o cabelo dela não estava penteado de forma correta, ela apenas o colocara acima da cabeça e dera um simples e desajeitado nó.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora