PARTE DOIS: COROA, FLECHAS E CORRENTES

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Capítulo Quinze


Querendo ou não, ele se lembrou do momento antes de fugirem naquela carroça. Viu várias pessoas morrendo e suplicando por ajuda, muitas delas choravam, muitas delas tentaram correr sem sucesso. Gargantas cortadas, braços quebrados e pessoas se arrastando, com sangue escorrendo de algum ferimento em seu corpo, que seria o motivo de sua morte alguns minutos depois.

E ele viu Lipe.

O homem estava congelado em um canto, assim como Joaquim, o rapaz do arco, ficou quando viu seu pai morrer. Assim como o príncipe Érico ficou ao ver seus pais serem mortos. Lipe estava congelado com toda a cena acontecendo ao redor, e por um segundo ou dois, Lipe o olhou nos olhos e sorriu, o reconhecendo. E conhecendo o príncipe, porque ele sabia que além de si, somente Lipe o reconheceria com aquela máscara. Eram dedicados e observadores. Mas o momento — o sorriso, o alívio — sumiu assim que um guarda acertou a espada na garganta de Lipe, fazendo com que ele caísse, sangrando. Foi aquele o seu momento de choque que o deixou travado. E entendeu que o pavor era como uma corrente, que o deixava tão preso ao chão quanto uma árvore.

— Ainda não sabemos o seu nome — o príncipe falou.

Érico havia retirado a máscara do baile e a jogado fora na mata um momento antes de eles pararem para acenderem uma fogueira. Usava apenas aquele terno branco, agora já sem a cauda, que havia sido rasgada em algum momento que ele não percebeu. E os anéis dele estavam guardados no bolso. Havia dito que atrapalhava na hora de empunhar a espada.

Ele prestou atenção no que o príncipe disse e percebeu que era verdade. Não havia dito nada a eles em relação ao seu nome, nem mesmo que não possuía um.

— Lipe — foi o que disse. — É o meu nome.

E aquilo fez com que ele se sentisse um pouco melhor, se afastando das lembranças para relembrar que eles estavam na floresta agora, indo em direção ao Reino de Mifram, em Áurea.

— A fogueira não chamará atenção? — Lipe perguntou aos seus companheiros.

— Irá — Joaquim respondeu, neutro.

Parecia que toda a emoção que havia na voz dele foi sugada. Assim como na voz do príncipe, que só estava tentando manter seus nervos calmos. Todos eles estavam nervosos e assustados — Ele mesmo havia pedido licença um momento para ir vomitar.

— Estou preocupado com os outros na aldeia — Joaquim retornou a falar. Não os olhou, não demonstrou que voltaria a chorar. Sua boca apenas se moveu e as palavras saíram. Simples assim.

O cheiro de fumaça deixava os pulmões de Lipe queimando, mas ele sabia que não havia outra opção agora; se saísse de perto do fogo, congelaria. O outono estava rigoroso, e logo o inverno chegaria.

— Não creio que algo irá acontecer com eles.

— Não tem como você saber disto.

Por um momento Lipe achou que Joaquim pegaria seu arco e miraria uma flecha no peito do príncipe Érico. Viu a raiva queimando — junto ao reflexo do fogo — em seus olhos.

Só que, para sua surpresa, foi o fogo de raiva do príncipe que enuviou primeiro. Érico suspirou, cansado, e disse para os dois:

— Tem razão. Não tem como eu saber disso. Estou longe do palácio.

A tristeza na voz dele parecia deixar a folhas ao redor mais mortas, deixando o vento mais frio e o enjoo dele, mais forte.

Não sabia que um dia veria o príncipe com tanta tristeza na voz. Durante aquele dia Érico fora o garoto que tentou não sorrir à mesa, com cabelos rebeldes e sorrisos calorosos. Tudo estava de ponta cabeça.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora