Capítulo Quarenta

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Foi um solavanco que fez com que voltasse a prestar atenção a realidade. Estava divagando em um mar agitado de pensamentos que estava deixando sua cabeça latejando. Havia tanta coisa em que ainda precisavam pensar e tantas coisas que já haviam passado. Era muita coisa para se ter em mente, mas Érico não conseguia evitar perguntar se estava fazendo a coisa certa, ainda mais quando nada parecia certo e seguro. Tudo estava sendo arriscado, ele já viu pessoas morrer e uma sensação ruim estava em sua boca, avisando que provavelmente — certamente — mais pessoas morreriam mais tarde, mais dias, menos dias, eles teriam de se preparar. O que lhe atormentava não era o início de uma nova guerra, isto estava em segundo ou talvez em terceiro lugar em suas preocupações atuais. No que pensava mais era nas duas pessoas que estavam usando seus ombros como travesseiros para dormir.

Há trinta anos houvera diversas guerras, houve a principal guerra que fez com que os reinos assinassem a Paz Fria e logo depois tudo se acalmou. Ele não era nascido naquele tempo, mas seu pai era. Sua mãe costumava lhe contar os pesadelos que o pai ainda tinha. Acordava suado e murmurando pedidos de súplica para pessoas que existiam apenas em suas lembranças.

Quando criança, Érico vira uma cicatriz na cintura do seu pai quando o alfaiate foi tirar suas medidas, ele não se lembrava para qual evento estavam se vestindo, não guardava informações assim. Mas viu a cicatriz e aquilo lhe pareceu algo para se admirar. Era uma marca que mostrava que seu pai fora ferido, mas não morreu. E, olhando para sua mão ainda enfaixada, ele notou que também havia ficado com marcas, mas não estava admirando-as, era apenas um fato que ele engolia fazendo careta. Se preferisse, escolheria não ter marca alguma, porque elas não lhe traziam orgulho, apenas dor.

Ele não teria de se preocupar com mais marcas ou com o que poderia lhe acontecer se antes não fosse o que agora sabia sobre si, sobre quem amava e o quanto amava. Nunca achou que poderia amar duas pessoas, e certamente não acreditava tanto assim no amor — sempre lhe pareceu mais ficção do que a história da Cinderela —, e o nervosismo de se separar deles o deixava para baixo, pesado demais para que qualquer coisa o ajudasse. Se tornava seco e oco, uma pessoa que esqueceu de morrer mesmo querendo desesperadamente. Tinha uma ideia ampla sobre o que significava ter sangue azul, tinha deveres e ignorou a maioria antes, estava tentando desesperadamente correr atrás de tudo, mesmo achanado que qualquer coisa que aprendia lhe escapava por entre os dedos.

Já ouvira seus amigos fantasmas reclamarem de que queriam reencarnar em corpos diferentes, aprender coisas diferentes, ser diferente. Talvez ele tenha nascido errado, estava indo cumprir um papel que nunca lhe pareceu atrativo, que nunca o cativou. Como poderia ser feliz fazendo algo que não gostava? E, entretanto, lutaria por seu reino. Por seu lar. Ele suspeitou que não existia ninguém mais em conflito do que ele neste momento e nos próximos.

Subitamente, ficou furioso com seu avô, com seu bisavô, com aqueles que vieram muito antes. Tudo o que fizeram, quaisquer papéis que assinaram ou pessoas que mataram havia tido uma consequência. Se Érico estava nesta situação era porque as pessoas do seu passado eram tolas e preconceituosas. Ele não queria ter que se lembrar que era parte daquele grupo, que as pinturas nas paredes eram de pessoas que tinham seu sangue. Isso o deixava temeroso de que iria seguir o mesmo caminho que elas. Nos livros da família, havia lido que um dos monarcas de seu reinado havia decretado que, durante alguns meses, bebês homens deveriam ser entregues ao reino para que fossem criados no palácio, se tornando imediatamente soldados ou escravos, dependendo do seu tom de pele. Nenhuma mãe se oporia, negar uma ordem seria condenar a si mesmo e ao bebê. Anos depois, alguém mudou isso, mas fizera pior, uma nova ordem, uma nova coisa para afligir as pessoas para que errassem e morressem.

— Não será assim — murmurou para o teto da carruagem.

Desejou que aquele teto sumisse de repente, levado pelo vento, para que ele pudesse ver às estrelas. Havia aprendido a enamorar as estrelas desde o dia do juramento na ponte em Mifram.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora