Capítulo 18: Vou ganhar outro encontro?

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Se alguém me dissesse no dia que cheguei em Aspen, que eu sairia com Alfredo com roupas super chiques pra comer no Burger King, eu diria que essa pessoa ficou completamente maluca. Mas isso está mesmo acontecendo. Estou sentada com ele em uma das mesinhas, comendo batata frita e bebendo milkshake, como ele queria.

—Viu, melhor do que qualquer comida de qualquer restaurante. —Alfredo afirmou, enfiando uma batata na boca. —Só não é melhor que a comida do meu irmão.

Sorri com aquilo, apesar do meu interior estar com um pouco de inveja da relação dele com Pietro. Eu tinha uma irmã gêmea e a gente não era nada comparado com aquilo.

—Eu falei do acontecimento trágico que me trouxe até aqui. —Comentei, olhando para as batatas na minha frente. —Qual o problema com a sua mãe? Se não quiser falar sobre tudo bem.

—Ah, não. Eu não me incomodo. Na verdade, a coisa que mais gosto de fazer na vida é falar mal da minha querida mãe. —Murmurou, me fazendo rir e balançar a cabeça negativamente.

—Então, qual é o X da relação de vocês? —Indaguei, vendo ele comer mais algumas batatas e então afastar o prato, pegando o copo de milkshake.

—Ela não cuidou de mim como deveria, Grace. Não tenho uma lembrança sequer da minha mãe cuidando de mim. Ela não me colocava pra dormir e contava histórias. Ela não ia me buscar no colégio. Ela não me perguntava do meu dia. Ela simplesmente não estava nem aí. —Afirmou, soltando uma risada baixa. —Meu irmão me criou, desde os meus dois anos de idade, quando nosso pai morreu e ela se afundou no luto. Ele fez todas essas coisas e muito mais por mim, não ela.

—Eu sinto muito. Vocês ainda tem algum tipo de convivência?

—A gente tinha. Mas não sei até que ponto isso pode ser considerado convivência. —Deu de ombros, encolhendo-os logo em seguida. —Não sinto falta do meu pai, Grace. Não posso sentir falta de algo que nem sequer me lembro. Não fico com vergonha por isso. Mas fico mal por não ter uma memória com ele. Uma imagem clara dele na minha cabeça. O coração da minha mãe virou uma pedra de gelo quando meu pai morreu. Ela se afastou e deixou eu e Pietro por conta. Como o mais velho, ele pegou para si a responsabilidade de cuidar da gente. Ele tinha 10 e eu 6 quando viemos pra Aspen. Nossa mãe se casou de novo e moramos na fazenda do nosso padrasto até Pietro se formar no colegial. —Alfredo olhou pra mim e abriu um sorriso. —Eu morei sozinho com minha mãe quando ele saiu de casa. Era a pior coisa do mundo, porque eu me sentia sozinho e nada bem-vindo naquele lugar. Mas então Pietro foi me buscar e me levou pra morar com ele, sobre os gritos de protesto e ameaças da nossa mãe. Morei com ele até o final do colegial, até ir pra Harvard. Ainda vamos fazer visitas na fazenda, em datas importantes. Ou a gente ia, não sei mais. A situação ficou pior no último mês.

—Sinto muito. Mas fico feliz em saber que você tinha seu irmão. —Afirmei, vendo o sorriso dele aumentar.

—Não sei se Pietro sabe a importância que tem pra mim, Grace. Mas em todos esses anos, quando eu me sentia como um peso que minha mãe era obrigada a carregar, ele estava lá por mim. Ele é quatro anos mais velho e fez papel de adulto nossa infância toda, porque queria o melhor pra mim. Mesmo depois de se formar no colégio e não ter condições, ele continuou lá, do meu lado. —Alfredo esfregou a nuca, soltando uma respiração pesada. —Não sei se minha mãe me ama. Mas toda vez que estou na presença dela me pergunto se eu a amo. Não sei se estou sendo rancoroso ou não, mas sempre chego a conclusão que não sinto nem um pingo de amor por ela. Pode ser errado, mas é a verdade. Não tenho motivos pra amar minha própria mãe, Grace. Pra mim, ela é apenas aquele parente inconveniente que você não consegue se livrar. Mas Pietro? Eu o amo tanto que você não faz ideia. Não sei se ele sabe disso, mas ele foi meu pai quando eu tinha 2 anos e ele apenas 6. Ele foi meu pai quando estava na minha formatura do colegial, quando minha mãe estava não sei onde super ocupada. Ele foi meu pai quando comemorou minha aprovação em Harvard e também quando me ouviu dizer que não aguentava mais aquilo lá. Ele ainda é meu pai, Grace. Todos os dias. Não amo a minha mãe e provavelmente não choraria se ela morresse amanhã, por mais cruel que isso possa soar. Mas eu morreria por dentro se perdesse Pietro. Ele foi a única coisa de verdade, sólida e feliz que eu tive na minha vida.

Fiquei sem saber o que dizer, sentindo meu coração acelerado ao ouvir tudo aquilo e a forma que ele se abria pra mim, como se estivesse revelando a coisa mais profunda que existia dentro de si. Segurei a mão dele que estava em cima da mesa, apertando seus dedos e vendo seu sorriso se direcionar pra mim.

—Deveria dizer isso ao Pietro. —Falei, balançando a cabeça com um sorriso enorme. —E foi sua mãe que saiu perdendo. Qualquer um teria a maior honra do mundo de ter você e Pietro como filhos.

—Você acha? Quer dizer, eu deveria dizer isso a ele? —Falou, parecendo pensativo.

—Eu acho. Tenho certeza que ele sabe, mas aposto que ficaria feliz em ouvir isso de você. —Afirmei, vendo ele balançar a cabeça afirmativamente e olhar pra mim com um brilho nos olhos, como se eu também fosse a coisa mais sólida e feliz que ele tivesse na vida.

—Vou ganhar outro encontro? —Indagou, ficando de pé ao mesmo tempo que eu. Olhei pra ele, mordendo o interior da bochecha.

—Sim, eu ia gostar muito de outro encontro. —Falei, com meu coração parando de bater quando ele se curvou e beijou minha bochecha. Então segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos.

Pegamos nossos milkshakes e saímos de lá juntos, como se fôssemos mais do que amigos. Alfredo me levou pra casa, cantando as músicas que passavam no rádio do carro e me fazendo rir o tempo todo. Quando chegamos ao apartamento, minhas bochechas estavam doloridas de tanto sorrir. Alfredo me levou até a porta, se despedindo com um beijo na testa e então foi embora.

Quando entrei no apartamento silencioso, olhei para o vestido que estava usando e me lembrei de toda aquela noite, a ficha do que havia acontecido finalmente caiu. Meu namorado havia me traído com minha irmã gêmea. Provavelmente fazia isso a muito tempo pelo jeito que se tocavam. Tudo que eu tinha com Edward e Greta era uma farsa. Uma piada de mal gosto. Eu era uma piada.

Minha felicidade se transformou em lágrimas que borbulharam nos meus olhos, fazendo minha visão embaçar e minha garganta arder. Desabei pela primeira vez desde que havia descoberto aquilo, sentindo um buraco se abrir no meu peito quando solucei e chorei alto.

—Grace? —Gavin saiu do quarto, me olhando assustado. —Meu Deus, Grace, o que aconteceu? —Me agarrei a ele enquanto chorava sem parar, com meu corpo tremendo em soluços. —O que foi? Me conta o que está acontecendo?

—Por que eles fizeram isso comigo, Gavin? —Indaguei, sentindo meu coração doendo. —Por que as pessoas traem? Por quê? —Exclamei, sentindo ele me abraçar ainda mais apertado. —Por que eles fizeram isso comigo? Eu não entendo...

—Eu não sei, meu bem. —Ele beijou o topo da minha cabeça e me puxou em direção ao quarto. —Vai ficar tudo bem. Chore o quanto precisar, vou estar aqui com você.


Continua...

Naquele inverno / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora