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Simone Tebet

Bati a porta com força ao sair do quarto. Sentia a raiva me consumir cada vez mais rápido, as veias do meu pescoço saltarem e minhas mãos tremerem de tanta irritação.

Irina me barrou em um dos corredores e iria falar algo, mas levantei o dedo indicador pedindo que se calasse, não estava à parte do que eu seria capaz no momento. A baixinha assentiu rapidamente e quando percebi já estava em meu escritório.

Peguei o primeiro objeto que vi assim que entrei e arremessei nas paredes fazendo cacos de vidro se espalharem pelo chão. Agarrei meus cabelos e fechei os olhos tentando controlar o animal feroz que acordou dentro de mim, juro que mataria qualquer pessoa que aparecesse em minha frente naquele momento, sorte dos que estavam ocupados.

Lágrimas salgadas e repletas de mágoas escorriam por minhas bochechas, aumentando o fluxo de acordo em que as memórias tomavam conta da mimha cabeça.

"Para, por favor!"

"Para!"

"Me solta!"

"Tira essas mãos de mim!"

"Eu não quero!"

"Mamãe!"

Solucei com vontade enchendo um copo da bebida mais forte que havia ali. Depois arremessei a garrafa cheia na parede, molhando parte da tintura branca.

"Papai!"

"Me larga!"

"Eu vou gritar!"

"Socorro!"

"Eu não quero!"

"Para..."

Virei o líquido de uma vez, sentindo o ardor descer na garganta queimando tudo. E iria fazer isso por horas e horas até que toda dor fosse embora em um passe de mágica deixando apenas uma dor de cabeça que um analgésico com certeza daria conta. Mas enquanto isso não acontecia, sentia meu peito arder, como se fossem chamas vibrante queimando tudo.

A porta se abriu, e uma figura morena passou por ela. Seu olhar examinou meu estado com pena, mas logo abriu seus braços e quando senti, já estava encaixada neles e chorando até não aguentar mais, descontando toda dor que eu carregava em mim.

- Vai ficar tudo bem, docinho. - Nilo susurrou acariciando meus fios preto.

Quando chorei o suficiente para conseguir manter os soluços em silêncio, me soltei de seu aperto e voltei até o copo para enche-lo de novo. Precisava de uma distração, algo que bloqueasse aquelas lembranças.

- Já chega! - Retirou o copo de minhas mãos após a quinta dose.

- Me devolve. - Rosnei.

- Não vou fazer isso. - Rebateu.

- Nilo! - O repreendi.

- Não adianta. Agora você não é a fodona que mata todo mundo, você é a minha irmã, então não tem nenhum controle sobre mim, acho bom baixar a guarda antes que eu jogue todas essas suas bebidas caras no lixo. - Ameaçou-me.

- Você não faria isso.

- Duvidando? - Pegou duas garrafas e se aproximou da janela prestes à joga-las.

- Para. Já entendi. - Eu disse me sentando.

- Agora vai tentar se acalmar e me contar o que aconteceu. Cheguei aqui e a Irina estava cozinhando de olhos arregalados. - Falou se sentando em minha frente.

- Ela acabou vendo minha situação. - Expliquei.

- Anda, me fala logo. - Insistiu.

- Dei um tapa em Soraya.

- A garota que você aprisionou? - Perguntou.

- Não aprisionei ela.

- Claro que não, onde ela tá?

- No quarto... presa. - Ele balançou a cabeça em negação.

- O que ela fez?

- Falou que estaria melhor se eu não tivesse a tirado de lá. Que qualquer lugar seria melhor que ao meu lado, até mesmo ao lado daqueles velhos... - Suspirei. - Juro que não sei como não a matei ali mesmo, minha mão coçou tanto, mas saiu apenas um tapa.

- A garota sente falta da família, e ainda está presa, Simone. Ela disse aquilo se referindo que mesmo sofrendo ainda estaria com a família, ainda poderia andar livremente e fazer o que gosta com os irmãos. E aqui... aqui ela não faz nada além de comer e dormir. - Falou.

- Ela é esperta, vai fugir assim que uma brecha aparecer. - O alertei.

- Vai se você continuar a tratando assim. Mas se começar devagar, ela vai se acostumar rápido e de repente vai estar preferindo aqui do que lá. Pense nisso. Tenho que ir agora porquê o babaca do José descarregou as drogas no lugar errado, de novo. - Revieou os olhos bufando. - Fique bem.

Disse antes de abandonar o cômodo, me deixando sozinha com meus pensamentos torturosos.

Pensei três ou quatro vezes no que faria diante as sugestões de Nilo antes de levantar e sair do escritório seguindo até o quarto de Soraya. Não pensem que eu senti pena ou que estou arrependida do que fiz com ela, Soraya falou coisas além de seu conhecimento e mereceu aquilo.

Quando abri a porta do quarto, tive como primeira imagem seus fios loiros espalhados pelo lençol branco. O corpo coberto e adormecido em uma confortável posição. Fechei a porta atrás de mim e segui até a poltrona de frente para a cama da mesma, observando seu sono tranquilo.

Percebi de longe suas olheiras pesadas e olhos inchados. Aposto que se abri-los agora poderei ver a vermelhidão ao redor de suas pupilas cor caramelo. Chorou desde que sai, eu sabia. Teria a mesma reação caso fosse eu ali. Mas é como eu disse, ela precisa medir a língua antes de falar coisas sobre as quais não sabe e teve o privilégio de não saber.

Quando a vi parada naquele palco, diante de todos aqueles velhos, foi mais forte que eu a vontade de tira-la de lá e não permitir que ela passasse por aquilo. Salvei apenas ela, o desconforto e o medo em seu olhar era o bastante para diferencia-la das outras que estavam à ponto de pularem do palco.

Por um momento, me vi nela. As mesmas expressões, o medo, o desconforto, a vontade de sair correndo e viver uma vida simples e normal. Mas diferente de sua situação, eu não tive alguém que pudesse me salvar. Ela teve, e me orgulho por isso. Rezava diante à todos que alguém de bom coração me tirasse dali, mas não aconteceu. Soraya teve outra chance, eu fui sua chance.

Talvez eu devesse ouvir Nilo, ou talvez tudo que ele falou seja apenas papo furado. Não quero correr o risco de perde-la para o mundo machista que se estende lá fora, quero protege-la e cuidar para que nenhum homem acabe em sua pureza e inocência. Matarei esse sem exitar. Por isso optei pelo casamento, será a melhor forma de mante-la segura e longe de outras mãos que não sejam as minhas. Todos saberão que ela a partir daí se tornou uma Tebet e ficarão à mais de dez metros de distância.

A olhei mais uma vez antes de lavantar-me e sair do cômodo. Desci as escadas e segui para o cozinha à procura de Irina para lhe passar novos comandos. Achei a baixinha lavando algumas frutas ao mesmo tempo em que mechia uma panela.

- Irina. - A chamei. Seus olhos subiram até os meus depressa. Engoliu em seco e assentiu pedindo para que eu continuasse. - Quando for levar a comida de Soraya, leve uma bolsa de gelo para que ela coloque no rosto.

- Tudo bem. - Concordou desligando a torneira.

- Aliás... - Respirei fundo. - Não é mais necessário trancar a porta. Soraya tem passe livre para andar pela casa, irei reforçar a segurança, por precaução. - Aviso pegando a chave do meu carro e saindo porta à fora.

Espero não me arrepender. Nilo estará morto se isso acontecer.

...

A Chefe Da Máfia Onde histórias criam vida. Descubra agora